A ENERGIA VITAL | Contos Fluidos
Eu conto, tu contas, ele conta.
No universo paralelo guardado dentro dos sonhos férteis de Mina, lá estava eu. Assim meio desajeitado, havia surgido como um pequeno flash, cheio de dúvidas e possíveis contestações sobre como finalmente me tornei consciente de minha existência, e qual forma poderia então tomar.
Primeiramente, gostaria de dizer que apesar de Mina ser minha hospedeira, tenho profunda admiração por ela, e cada dia que passa me sinto parte vital de sua formação enquanto ser humano. Sei que parece bobagem, mas acredito que um dia, serei mais ela do que eu, e ela será a expressão humana de minhas vontades e futuras convicções.
Relatando assim meu nascimento, me sinto até meio bobo. É uma vitória ter chegado até aqui passando por tantas crises existenciais, sendo constantemente diminuído pelo lado consciente, e assistindo a tantos irmãos se perderem do objetivo em alcançar o estágio avançado onde estou.
Obviamente não cheguei aqui sozinho, e agradeço a todos os envolvidos no trabalho de me apoiar e me fazer crescer, principalmente a Mina, que me alimentava e me acalentava todas as vezes em que eu era, por algum injusto motivo, reprimido e obrigado a mudar de ideia quanto as minhas ambições.
No dia do meu nascimento, Mina chorou. Quando tomei consciência de que eu era real, e não algo passageiro, senti um misto de sensações que possivelmente haviam se condensado para que eu pudesse existir. Lembro do gosto salgado das lágrimas, e de uma infinidade de dúvidas passeando aqui e ali, — hoje são belíssimas certezas absolutas, praticamente incorruptíveis graças a mim — um amargo na boca do estômago, uma breve sensação de prazer, e soluços. Particularmente, detesto soluços, mas de alguma forma eles representam o êxito.
E foi assim que eu soube que eu era especial. Havia uma força em mim que Mina não encontrava em lugar nenhum. Eu era sua fonte de energia censurada. Nisso também demos um jeito, e hoje sou tão amado pelo meu sorriso e pelas minhas convicções, que tive que aprender a me dividir para não faltar em lugar nenhum. Quando digo nenhum, é nenhum mesmo! Sou assim, onipresente, por ser exclusivamente humano. E isso eu devo a vocês.
Não pensem que por isso, fizemos as pazes. Devo também a vocês a constante e desprezível tentativa de me fazer repensar meus objetivos. Quando insistem em me transformar em um outro tipo de energia, isso me deixa dias confuso, e procuro trabalhar novamente com um novo tipo de visão de mundo, cada vez mais incorruptível. Hoje em dia, quase nada me convence… Digo, quase nada convence a Mina.
De qualquer forma é bom que busquemos nos entender melhor, já que o trabalho de autoconhecimento, quem usualmente faz durante pequenos contratempos sociais, sou eu. E posso dizer que comigo você descobrirá várias formas de expressão, física e emocional, além de redirecionar seus objetivos a partir do que (re)construiremos como sua personalidade. Vai ser fantástico, pode acreditar!
Hoje, Mina sente bem pouco os efeitos da dúvida que a ética costumava impor ao comportamento dela, e isso não afeta em quase nada seu relacionamento com os círculos sociais aos quais pertence. Como eu disse, posso ser onipresente se eu quiser, e o momento é extremamente propício para nós.
Amanhã quem sabe, eu nasça aí, no seu peito, nas suas decepções. Posso até já fazer parte dos seus pensamentos e dos seus planos futuros. Talvez você não saiba me identificar no começo, e quando eu crescer você ainda sinta o gosto amargo na boca do estômago, mas eu prometo que isso vai passar. Quando finalmente alcançar meu estágio avançado, seremos tão homogêneos que não será mais necessário tentar me identificar. Seremos somente eu e você, no mar de pessoas emanando a mesma energia vital.
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