ENTREVISTA | CRÈME e a Música Independente Internacional

Conheça a nova-iorquina Crème, e a cena eletrônica independente

Mayara Santos
MUI Content
8 min readMar 4, 2019

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CRÈME. Pic by @leighshoemaker.

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Quem procura música nova para ouvir, sabe o desafio que é encontrar algo diferente do seu repertório habitual, e que se encaixe perfeitamente com o seu gosto pessoal. Especialmente se você não for eclético.

No entanto, apesar da farta demanda, ainda é possível encontrar muita coisa boa na internet, e onde você menos imagina! Foi navegando no Instagram que descobri a artista independente CRÈME, pseudônimo de Trixie Reiss, que é a alma por trás de músicas eletrônicas com um vocal suave em melodias dançantes, sensíveis e poderosas.

Em sua experiência como “banda de uma mulher só”, Trixie nos contou como é fazer parte da cena underground eletrônica em Nova Yorque, e o que pensa da indústria musical como um todo.

Não demorou muito até que pudéssemos conciliar agendas e realizar a entrevista que você lê agora, elaborada e traduzida com muito amor.

Enjoy!

Pic by @leighshoemaker.

MUI: Como CRÈME começou?

CRÈME: Há alguns anos atrás percebi que eu tinha que fazer algo para me reerguer de um período de silêncio e sentimentos de impotência. Fazer música sempre me ajudou com isso, e graças ao encorajamento de algumas pessoas que são muito próximas a mim, criei coragem para fazer isso, mas desta vez eu fiz de forma diferente. Eu fiz tudo sozinha. 100% solo, 100% eu, 100% CRÈME.

M: Por que o nome “CRÈME”?

C: CRÈME é parte mais rica e pura, o CRÈME de la CRÈME do CRÈME.

*Crème em francês significa licor de menta. Crème de la crème é uma expressão figurativa para se referir a elite, ou algo superior — quase como “nata” em português. Ex: “A nata da sociedade”.

M: Como surgiu a ideia de se tornar música/produtora?

C: Eu tenho feito música durante a minha vida toda. Quando eu estava crescendo, meu pai e eu costumávamos improvisar duetos no piano. Esta era a forma como “brincávamos” juntos. Nós sempre escrevíamos e tocávamos nossas próprias músicas. Era sempre divertido, como um jogo para mim. Eu me lembro de cantar e fazer músicas no piano quando eu tinha 3 anos de idade e isso nunca parou. Provavelmente por isso a música sempre foi algo confortante e curativo para mim. Durante a minha vida eu colaborei com bandas e produtores até recentemente, quando por causa da tecnologia, qualquer um pode ser um produtor. Agora eu posso fazer exatamente o que eu quero, quando eu quiser, e por mim mesma.

M: Como você define o estilo da sua música dentro da música eletrônica?

C: Pessoalmente, é difícil para mim colocar um rótulo nisso. Qual o gênero do Chet Faker, Grimes, FKA Twigs ou da Sophie? É digital de forma tão inerente, que significa que a mistura de gêneros é literalmente construída a partir da junção de minúsculos fragmentos de áudio manipulados, que vêm de muitas fontes diferentes. Eu penso nisso como alternativo, mas então a rádio de música alternativa daqui não toca sempre esse tipo de som, porque talvez seja muito experimental. Mas acho que é bem onde eu me encaixo, e mesmo quando escuto Charli XCX, que é considerada pop, acho que ela também é experimental em alguns aspectos.

Eu estou definitivamente mais para o lado experimental das coisas porque é assim que elas se apresentam. Eu tento fazê-las soar como isso o aquilo, mas de alguma forma eu sempre acabo soando diferente, e eu cresci aceitando isso. Agora acho que atualmente isso pode estar funcionando pra mim!

Grimes | Foto via Facebook.

M: Conte-nos sobre as suas influências musicais.

C: Tem muuuuitos artistas maravilhosos por aí agora! Eu poderia fazer uma lista realmente longa do que eu escuto mas eu não tenho certeza o quanto vocês ouviriam da influência deles no som que eu faço, vocês vão ter que me dizer.

Eu amo Odessa, Above and Beyond, Dooqu, Sylvin Esso, Borns, Patrick Reza, Phantogram, Superorganism, Dirty Projectors, Rufus Du Sol, ANIMA!, Cashmere Cat e Grimes, apenas para nomear alguns.

M: Eu li que você entrou para a Blössom Records. Quais são as maiores diferenças e benefícios de trabalhar com um selo musical ao invés de ser completamente independente, com tantas tecnologias para melhorar o alcance das suas músicas nos dias de hoje (plataformas de streaming, mídia independente por exemplo)?

C: Blössom Records é dirigida por Elliot James e Justin Goodarz. Elliot é artista e eu amo o seu último projeto “Extremely Bad Man”! Para mim a Blössom soa como um coletivo baseado em um certo nível de [bom] gosto, mais do que um selo. [Bom] Gosto, ou em outras palavras “influenciadores de perspectiva”, é uma das formas mais importantes de definir você mesmo dentro do oceano de música no qual nadamos hoje. É sobre estar conectado a algo que acredito e vice e versa.

M: Sabemos que a indústria da música ainda é, em sua maioria, masculina. De qualquer forma, encontramos na música eletrônica algum espaço para que mulheres trabalhem como produtoras musicais, DJs etc. Você acha que um este é um nicho diferente do resto da indústria da música, oferecendo mais oportunidades, por exemplo? Ou é tão masculino como todo o mercado musical?

C: Hoje em dia, por causa da internet, eu sinto que estamos todos no mesmo barco em algum grau. Sim, nas mais altas posições onde existem milhões de dólares envolvidos, ainda é predominantemente dominado por homens, mas há tantos outros níveis onde a música vive, e por causa da nova ordem mundial qualquer um pode influenciar o curso da música e sua história agora mesmo. Olhe o que está acontecendo na política dos Estados Unidos. Eu acho que a mesma coisa está acontecendo na música, começando do zero.

M: Não faz muito tempo, nós temos notado alguns movimentos dentro da indústria da música mundial, lutando por mais espaço para as mulheres. Mês passado, a Recording Academy (Grammy) anunciou um projeto para incluir mulheres como produtoras e engenheiras na música. Este projeto já possui grandes nomes de artistas, gravadoras e produtores como apoiadores. Como você vê isso para músicos independentes?

C: É um começo. Eu achei que o Grammy foi, de certa forma, um bom show este ano por causa disso! Mas eu venho do mundo do “faça você mesmo”. Eu acho que é assim que as melhores coisas tem ocupado o seu espaço na história moderna, então é legal que a NARAS* está finalmente fazendo questão de notar, mas é apenas por causa da onda que tem borbulhado no “underground” há anos. E também, não vamos esquecer, computadores tem sido verdadeiros democratizadores, distribuindo a tecnologia da música nas mãos de todos e de qualquer um, e isto tem causado um grande efeito também.

*abreviação de The National Academy of Recording Arts & Sciences.

M: Você tem algum produtor ou músico com quem você gostaria de trabalhar? Quem?

C: Muitos! Ás vezes eu choro sobre o quanto eu amo o que outras pessoas fazem, mas então eu volto para o meu computador e começo algo novo.

Capa do EP BRÜLÉE | Foto: reprodução.

M: Seu perfil no Spotify é maravilhoso! Um bom número de ouvintes por mês pode mostrar um bom crescimento de audiência. Eu ouvi seus singles e seu EP BRÜLÉE, lançado no ano passado (2018). Fale um pouco sobre este trabalho por favor! (Processo criativo, inspiração para as letras, produzindo por você mesma).

C: Para mim, fazer música é tudo improvisação. Como jogar um jogo ou resolver um quebra-cabeça. Eu vou sentar em frente ao meu teclado e encontrar alguns acordes que fazem o meu coração se abrir, ou eu posso ver algo na rua que faz com que as letras venham à minha mente e eu as gravo em meu celular. Aquela letra [gravada] ou ainda ouvir uma frase ou duas de alguém, se tornam uma semente para uma música. Ou ás vezes eu tenho um progresso de um acorde e uma batida configurada, e eu começo a cantar sobre ela, apenas improvisando e a música inteira sairá de uma vez só. Foi assim que “Helium” e “YRGM” vieram para mim, praticamente em apenas uma passagem de vocal. Então eu começo a trabalhar na produção e eu tenho que ajustar as faixas, por meses as vezes, até acertar.

Mas durante a época em que eu estava escrevendo as músicas para o BRÜLÉE, meu pai faleceu de repente. Ele e eu éramos muito próximos. Ele foi provavelmente meu maior apoiador, especialmente nos anos anteriores quando eu estava escrevendo coisas novas. Ele morreu seis meses depois que eu lancei “Helium”, meu primeiro lançamento como CRÈME. Mas ele ouviu muitas das músicas em suas versões demo e de muitas formas eu me pressionei para lançar CRÈME por ele, como um testemunho de vida. Eu escrevi “Above Ground” como uma forma de confrontar a luta existencial que ao perder meu pai, se colocou diante de mim. Ironicamente, a música se tornou uma celebração do otimismo e eu acho que é mais sobre começos do que términos.

M: E sobre seus planos futuros? Você já está trabalhando em um álbum de estreia? Alguma parceria ou featuring que você possa nos contar. Você vai participar de alguns eventos, shows ou festivais neste ano?

C: Todos os itens acima estão em estágio de planejamento agora, então fiquem ligados para saber mais!

Foto: reprodução Instagram.

M: A última pergunta, mas ainda importante! Você conhece ou escuta algum músico brasileiro? Algum plano para nos visitar?

C: Eu amo Caetano Veloso, João Gilberto, Gilberto Gil e Tom Jobim. Eu sei que estes são os gigantes do seu cenário musical, mas eu adoraria ouvir mais sobre o que está acontecendo de novo por aí nos dias atuais, e eu adoraria visitá-los um dia. Parece um lugar musicalmente rico e muito apaixonado!

**BÔNUS: GROWING UP THE SCENE!**

M: Diga-nos algumas bandas, músicos ou DJs para incluirmos na nossa lista do Spotify!

C: Apenas alguns… Alguns são mais velhos e outros mais novos :))

Extremely Bad Man | Patrick Reza | Anima! | Odessa
NOVA | K.Flay | Courtney Barnett | Droeloe
Jinka | More Giraffs | Joji | Dirty Projectors
Rufus Du Sol | Boards of Canada

Obrigada CRÈME! Sucesso!

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Mayara Santos
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Amante da música, nascida nos anos 90. Criadora do Portal MUI Content, escritora em A Oficina e NEW ORDER | • Love is fuel. Love is revolution.