Bianca Sousa, 26 anos, sempre teve muitas paixões. A primeira delas foi o teatro, tanto que fez aulas dos 13 aos 20 anos e diz que no teatro ela construiu sua identidade. Entre as atividades que realiza dentro do teatro, um dos exercícios era assistir filmes, ler textos, poesias para discutir ao final com o grupo sobre o verdadeiro significado por trás de cada coisa.

Pry Fideles
Mulheres de Belo Horizonte
3 min readMar 21, 2017

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Todos esses anos, ela carregou a poesia consigo, fez magistério aos 18 anos e deu aula para o ensino infantil por 4 anos. Depois, começou a cursar psicologia e descobriu ali uma nova paixão. Sempre muito poética e de uma envolvente alegria na fala e no modo de levar a vida, a estudante acredita que o trabalho é a expressão do ser, “No sentido de procurar fazer aquilo que você ama, que tira o seu fôlego sabe? Que você tem paixão, que você vai fazer com gosto e não só por fazer”, explica.

Bia, como é conhecida entre os amigos, conseguiu um estágio no Centro de Atenção Psicossocial — Álcool e outras Drogas, Caps AD — depois de passar por um longo processo seletivo.

Durante um ano ela permaneceu lá e, nesse período, atendeu muita gente que, segundo ela eram pessoas em situação de rua. “Foi ali que percebi que estava no caminho certo”, ressalta. No Caps ela ficava na responsabilidade de organizar as oficinas com os pacientes e é claro, não perdeu a oportunidade e incluiu a poesia ali também. “A gente fazia uma roda, lia a poesia e passava o dia debatendo sobre isso”.

Várias são as histórias que ela poderia contar, mais foi a de um paciente de 46 anos que marcou sua trajetória.

“Ele morava na rua, já frequentava o Caps há 10 anos e ele não melhorava, as pessoas não queriam mais fazer acompanhamento com ele.”.

Segundo ela, o homem tinha problemas com álcool e volta e meia insultava qualquer pessoa que cruzasse seu caminho. As ofensas eram em geral bem abusivas, talvez por esse motivo, muitos profissionais já não marcavam mais hora para atendê-lo. Bia porém, entendeu como um desafio e resolveu fazer acompanhamento com ele.

“Eu rodava o Centro inteiro com ele. Até fomos juntos pra ele tirar a carteira de trabalho. Um dia estávamos conversando e eu perguntei pra ele — Então, você está aqui há 10 anos e ainda não resolveu o seu problema. Não gosta de participar de nenhuma atividade, só fica deitado o dia todo. Afinal, o que você quer fazer? — Ele me disse que sabia fazer casinha”.

Depois desse dia, Bianca passou a levar os materiais para que ele fizesse suas casinhas, palito de picolé, papelão, cola e papel crepom e ele passou a vender para os médicos e psicólogos do lugar.

A resposta do homem pode parecer confusa ou até mesmo sem sentindo, mas para bom entendedor, meio pingo basta. Como ela mesma disse, a experiência com o teatro ajudou a aflorar sua sensibilidade e com isso, ela conseguiu perceber que o homem estava na verdade projetando seus desejos na arte, o sonho dele no final das contas, era ter uma casa.

Quando questionada pelos colegas de trabalho sobre como ela conseguiu tanta abertura do paciente, ela disse que é preciso se abster do seu conhecimento e dos seus diplomas ao falar com o outro, “Só dessa forma você se abre para receber o conhecimento que ele tem para te oferecer.”

Muito emocionada ao falar do assunto, ela contou que acha importante se questionar sobre a loucura: “Afinal, o que é ser louco? Não existe isso, ninguém é mais louco que ninguém. São pessoas. A gente precisa criar válvulas de escape, é isso.”

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Pry Fideles
Mulheres de Belo Horizonte

É que eu nasci com o pé na estrada e a cabeça lá na lua.