3 mensagens da cultura de produto para não perder de vista

Alice Sabino Lima
Mulheres de Produto
5 min readAug 5, 2020

Contribuir para a jornada de transformação digital de uma empresa tradicional não é tarefa simples. Ao mesmo tempo que é importante impulsionarmos a mudança, precisamos garantir que as ações estejam conectadas ao dia a dia do negócio.

Tenho trabalhado diretamente com produtos digitais há cerca de 1 ano e meio em uma empresa de mais de 100 anos. Em indústrias tradicionais, é natural que operações de sustentação coexistam com iniciativas que querem garantir o futuro do negócio e esses mecanismos são igualmente importantes para o sucesso da empresa.

Meu foco de trabalho é fortalecer o processo de Product Discovery em iniciativas mais imaturas de produtos e, assim, reduzir o nível de incerteza sobre um potencial produto antes que exista um aporte financeiro considerável. Por estratégia da liderança, a área em que atuo também tem o papel de estimular a identificação de oportunidades de novos produtos nas áreas de sustentação e, por isso, minha rotina de trabalho exige transitar entre os objetivos e prioridades da sustentação e do novo.

Para conseguir navegar nesses dois universos mas não perder de vista nosso objetivo final de garantir investimento apenas nos produtos com evidência de valor, viabilidade técnica e fit com o negócio, desenvolvi o hábito de colecionar mensagens que se conectavam com os desafios que estava enfrentando e que poderiam me ajudar a fortalecer a cultura de produto do negócio.

Apesar de existirem diversas mensagens relevantes no meu contexto, acabei por priorizar 3 mensagens para levar sempre comigo e reforçar sempre que possível:

A maioria dos produtos falha pois não há uma necessidade para a solução criada

Para quem trabalha com produto pode parecer batido. Soa repetitivo dizer que é importante entender a dor do cliente e só investir em desenvolvimento quando existem evidências de que as pessoas que vão usar o produto querem resolver aquele problema. Mas não é tão óbvio.

Ainda no ano passado a CB Insights destacou na análise “Why Startups Fail” que 42% das statups falham exatamente por esse motivo. Reforçar essa mensagem se torna ainda mais importante com pessoas que não estão no dia a dia de produto.

Por isso, sempre que eu posso, provoco:

  • Pessoas estão dispostas a pagar para resolver esse problema?
  • Não comece com a solução.
  • Se não há valor para as pessooas, nada mais importa.”

Cultura de produto é sobre resolver problemas, não implementar features. É a partir de um problema bem resolvido que vamos conseguir gerar valor para as pessoas e é gerando esse valor que conseguimos cobrar um preço coerente com nosso esforço de desenvolvimento.

Mais do que isso, ter algumas pessoas contratando sua solução, não significa que você encontrou uma boa oportunidade. É preciso investigar as necessidades por trás da contratação, o famoso job to be done, para conseguir garantir entrega de valor e de fato escalar uma iniciativa.

Uma ideia só é boa depois de ser validada

Ideias não testadas são só ideias. O verdadeiro crivo de potencial de um produto é o feedback de pessoas reais.

Além da importância de ter um problema bem definido a partir de experiências reais, precisamos expor nossas ideias ao mesmo tipo de validação. Nesse sentido, é sempre importante definir experimentos que nos permitem avaliar a desejabilidade da solução.

Podem ser entrevistas, testes de protótipos, MVPs... Não importa o estágio de maturidade, precisamos testar nossas hipóteses com pessoas reais.

Em ambientes conservadores muitas vezes existe o receio de expor uma ideia. Existe o receio de copiarem a iniciativa, de expormos um tema de maneira prematura, de não estarmos prontas.

Mas a verdade é que sem testar com pessoas nunca estaremos prontas. Vale mais correr o risco (pequeno) de alguém copiar uma ideia do que o risco de investir milhões em um produto que partiu de suposições e não evidências.

Falar de cultura de experimentação virou buzzwoord, mas nem todo buzzword é ruim. Quando a gente consegue colocar em prática métodos de experimentação o resultado fala por si só e é muito rico perceber o aprendizado que alcançamos ao testar antes de executar.

“A essência da estratégia é decidir o que não fazer” — Michael Porter

Para atingir bons resultados precisamos de foco. Sempre vai existir o medo de perder oportunidades. Mas só seremos capazes de gerar valor em um produto se conseguirmos dedicar esforços de discovery, delivery e pesquisa e desenvolvimento com o foco que cada um desses temas existe.

Há algum tempo escutei um podcast com o Júlio Vasconcellos, co-fundador do Peixe Urbano e da Canary, e me marcou muito uma frase que ele trás do seu tempo no Vale do Silício: “Startups don’t starve, they drown.” (“Startups não morrem de fome, elas afogam”)

Apesar de parecer tentador tratar de diversos temas ao mesmo tempo, dividir o time, recursos e energia em um número muito grande de iniciativas vai colocar em risco a qualidade e agilidade do tema.

Esse artigo do Benjamin F. Wirtz explica de maneira muito clara as razões por trás disso. E no podcast o Julio também descreve sua experiência real com o Peixe Urbano quando, de maneira paralela, eles tentaram trabalhar com compras coletivas, delivery, meios de pagamento e expansão internacional. Ele comenta que esse foi uma das maiores fraquezas da sua época no Peixe Urbano.

É preciso resolver uma necessidade de forma consistente antes de partir para a próxima oportunidade. Isso vale para um produto ou para um portfólio de produtos. Se os recursos não são infinitos, dê foco para as oportunidades com maiores evidências de potencial, seja rápido em refutá-las ou validá-las e só vá para a próxima oportunidade quando estiver segura da maturidade desse tema.

Matar produtos com rapidez também pode ser métrica de sucesso. E matar produtos exige coragem.

Mudar a cultura de uma empresa é doloroso, não é confortável e tira boa parte das pessoas da zona de conforto. Mas o primeiro passo é saber que precisamos mudar. Fortalecer a cultura de produto em uma empresa gigante não é desafio fácil, mas é com boas mensagens e cases de sucesso que conseguimos mudar redesenhar nossa forma de trabalhar.

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