A arte de decidir

Por que sofremos tanto para tomar decisões e como elas interferem na nossa agilidade?

Cíntia Ribeiro
Mulheres de Produto
8 min readAug 31, 2019

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Imagem de duas setas, uma verde apontando para a esquerda e uma vermelha apontando para a esquerda, com uma casa ao fundo.
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Tomar decisões é um tema que sempre me fascinou, tanto a parte que leva alguém a uma ou outra escolha, quanto suas consequências. Atuando há mais de 10 anos como Analista de Negócios em empresas de software, costumo estar em contato com pessoas responsáveis por fazer grandes escolhas, além de eu mesma ter algumas em minha alçada. Ao contrário de muitas pessoas com quem trabalhei, decidir era uma das minhas partes favoritas do trabalho.

Há pouco mais de um ano, trabalho como Analista de Negócios em uma consultoria global de software que é pioneira na aplicação de metodologias inovadoras, como o Ágil e o Lean. Nesse ambiente, pude vivenciar pela primeira vez muitos dos princípios e valores da agilidade, nos quais muitas empresas ainda estão sendo iniciadas. É um mundo incrível, mas, obviamente, não é perfeito.

Conversando com colegas, percebi que alguns dos incômodos que estávamos vivenciando estavam diretamente ligados à forma como tomávamos as nossas decisões como equipes ágeis. Não as decisões em si, mas o processo que levava a elas poderia estar afetando a nossa agilidade. Foi quando comecei a estudar sobre o assunto.

Alguns desses incômodos são:

  • Entrega: A demora para tomar decisões pode afetar a entrega de uma equipe ágil, pois, pessoas gastam muito tempo discutindo sobre detalhes quando poderiam focar em assuntos que trariam mais valor ao seu trabalho e ao negócio do seu cliente.
  • Desgaste: Reuniões longas e inconclusivas sobre temas que já foram discutidos tendem a desmotivar a equipe, que pode considerá-las perda de tempo.
  • Retrabalho: É custoso mudar caminhos que, na busca pela perfeição, já começaram complexos.

O problema

The Good Place

Em geral, o ser humano não é bom para tomar decisões. Quanto mais fazemos escolhas ruins, mais fugimos de escolhas futuras, o que acaba levando a decisões apressadas e, consequentemente, com mais chances de não serem as melhores. Por isso, temos medo de decidir. Tememos consequências que não conseguimos prever e com as quais não sabemos se seremos capazes de lidar.

O medo de decidir é o medo de errar. Ao mesmo tempo em que nós, humanos, buscamos constantemente a aprovação de várias figuras com as quais nos importamos, a nossa cultura não é tolerante a falhas. Assim, adiamos as decisões ao máximo e buscamos conhecer a fundo as implicações de cada uma das opções.

Em sua TED Talk, How to make hard choices, a professora de filosofia Ruth Chang questiona o que distingue as decisões fáceis das decisões difíceis.

“O que torna uma escolha difícil é a maneira como as alternativas se relacionam. Em qualquer escolha fácil, uma alternativa é melhor do que a outra. Numa escolha difícil, uma alternativa é melhor em certos pontos, a outra alternativa é melhor em outros pontos, e nenhuma das duas é melhor que a outra no geral.”

Uma decisão é difícil quando não conseguimos encontrar vantagens óbvias em uma opção. Ironicamente, muitas vezes, falhamos em perceber que também não há desvantagens óbvias, então, esta também é uma escolha em que temos menos possibilidade de erro. Mas não nos contentamos com uma baixa probabilidade, queremos a perfeição. E isso não é ágil.

Relembrando alguns valores ágeis

A literatura ágil possui vários princípios e valores nos quais podemos nos inspirar. Escolhi três, encontrados com mais força na Programação Extrema (XP).

  • Coragem: Coragem significa ir adiante apesar dos riscos. É não se esconder, escolher o melhor caminho com base nas informações que estão disponíveis e assumir as consequências.
  • Simplicidade: Aqui entra o conceito do MVP (Minimum Viable Product — Produto Mínimo Viável), que costuma caminhar junto às metodologias de desenvolvimento ágil. A ideia é reduzir o tamanho do produto ou projeto ao mínimo necessário para gerar algum valor, diminuindo também o impacto das decisões que devem ser tomadas. A simplicidade promove a coragem e possibilita o feedback.
  • Feedback: O manifesto ágil prega que "software em funcionamento vale mais que documentação abrangente", mas não é só a documentação que fica em segundo plano em comparação ao software pronto (ainda que em sua versão mínima). Documentando ou não, uma elaboração longa e complexa continua sendo algo abstrato, só é possível saber se uma ideia funciona depois de colocá-la em prática e obter respostas reais.

Ao ter coragem para tomar decisões simples e colocar o software a prova para receber o feedback, estaremos sendo ágeis.

Ok, mas por que não conseguimos tomar decisões ágeis?

A professora e pesquisadora americana Meghann Drury-Grogan, que desde 2011 estuda os processos de tomada de decisão, lista seis possíveis razões em seu artigo Obstacles to decision making in Agile software development teams.

Considerando o quanto as coisas mudam rapidamente na tecnologia, uma pesquisa realizada há oito anos pode parecer antiga e ultrapassada. Infelizmente, não é. Embora o contexto tenha mudado, todos os obstáculos que Drury-Grogan listou naquela época ainda são encontrados hoje, mesmo nas empresas que estão mais avançadas na agilidade. São eles:

  • Indisposição para se comprometer com as decisões: Em times com lideranças fortes, algumas pessoas podem se sentir intimidadas e necessitar aprovação dessas lideranças em suas decisões, com medo de arcar sozinhas com as consequências que podem advir de uma escolha ruim. O ideal é que as equipes ágeis sejam um lugar seguro para erros, mas equipes ágeis também são formadas por pessoas e, consequentemente, afetadas pelo fator emocional.
  • Indisponibilidade de recursos ou pessoas: Ligado ao primeiro ponto, algo que pode levar à indisposição de algumas pessoas em tomar decisões é a indisponibilidade de si próprios ou de algum outro membro do time em momentos relevantes de um projeto. Isso também pode ser resultado de uma liderança forte e centralizada, onde, por diversos motivos, o conhecimento não é distribuído o bastante para que todos tenham o contexto de que necessitam para seguir com uma decisão quando alguma pessoa chave não está disponível.
  • Prioridades conflitantes: Uma das causas para a indisponibilidade de pessoas chave pode estar relacionado ao conflito de prioridades. No nível de uma empresa, profissionais com alta senioridade podem ser removidos, ainda que temporariamente, de uma equipe de desenvolvimento para atuar em outros projetos que sejam estratégicos para a companhia ou que demandem algum conhecimento específico. Já no nível de um time, quando as prioridades não estão claras, seus membros podem dispender energia em algo que não irá trazer valor imediato, deixando de adquirir o conhecimento que deveriam em pontos mais importantes no momento e tornando mais difícil a tomada de decisões.
  • Falta de continuidade: A falta de clareza nas prioridades e a instabilidade na composição da equipe pode resultar em ações sendo deixadas de lado. O objetivo maior será sempre a entrega de valor; assim, ações que poderiam levar à inovação ou melhoria dos processos, por exemplo, ficam em segundo plano, não são concluídas e decisões subsequentes deixam de ser tomadas devido ao desgaste da equipe em não ver o resultado do que haviam decidido.
  • Falta de ownership: O termo ownership pode ser traduzido como um sentimento de propriedade, e é algo que desperta a responsabilidade. Qualquer pessoa vai querer cuidar bem do que é seu. Espera-se que todos os membros de um time ágil tenham ownership sobre o projeto ou produto em que estão envolvidos, sentindo que o resultado de seu trabalho é algo que importa para si. Quando isso não é verdade, por qualquer que seja o motivo, as pessoas podem se tornar apáticas e evitar tomar decisões porque não se importam com elas.
  • Falta de empoderamento: O artigo em que esse texto se apoia não trata da ligação entre os obstáculos, mas é visível que todos eles estão relacionados. Em especial, a falta de empoderamento pode ser considerada um resumo de tudo o que já foi dito, ora aparecendo como causa, ora como consequência. Por exemplo, falta de contexto causada pelos conflitos de prioridade e indisponibilidade de pessoas pode fazer com que membros do time não se sintam empoderados para tomar decisões, o que pode ocasionar a indisposição e falta de ownership. Além disso, em um ambiente onde todas as pessoas são encorajadas a questionar e expor suas opiniões, muitas decisões são tomadas em grupo, o que é ótimo em muitos casos (como grandes decisões arquiteturais ou discussões de futuro), mas também resultar em falta de empoderamento e insegurança, especialmente em pessoas que vieram de ambientes não ágeis, onde o escopo de atuação e de tomada de decisão de cada um é claro e específico.

E agora?

Se você leu todo esse texto esperando por uma solução, me desculpe por não ter avisado antes, mas tenho más notícias.

Não existe uma solução definitiva, o que existe é o contexto em que cada time está inserido e que pode ser propício ao aparecimento de um ou mais desses obstáculos.

Em seu artigo, Meghann Drury-Grogan não oferece respostas e eu também não as encontrei, mas ela continua pesquisando, assim como várias outras pessoas pelo mundo. Talvez, em um texto futuro, eu possa escrever sobre elas também. Por hora, é importante a reflexão de quais desses fatores estão gerando mais impacto negativo ou que podem ser resolvidos com mais facilidade. Se o seu time sofre com esses problemas ou se já sofreu e conseguiu se recuperar, fique à vontade para deixar uma resposta e contribuir com a discussão.

Referências

Pesquisando para escrever e apresentar sobre decisões ágeis, li alguns artigos e assisti a várias Ted Talks interessantes, ainda que nem todas tenham se encaixado diretamente na linha que optei por seguir. Aqui estão, caso alguém se interesse:

PS

Há anos eu escrevo na internet, em blogs e redes sociais, mas essa é minha primeira vez abordando um assunto ligado à minha profissão. Este texto não existiria se não fosse por duas pessoas queridas com quem eu tenho as melhores conversas do mundo. Meu "muito obrigada" ao Gabriel Bressani Ribeiro que, sem querer, me chamou a atenção para esse assunto e apoiou durante todo o amadurecimento da ideia, e Guilherme Coelho, que aceitou mergulhar nesses artigos e TEDs para apresentar comigo. Vocês são demais!

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