Como ser mãe mudou minha relação com o trabalho

Marina Sala
Mulheres de Produto
6 min readMay 8, 2023
Foto da amiga Aline Soterroni @acsoterroni

Oi. Você que é mãe, ou que um dia pensa em talvez ser mãe, ou que acha que não quer ser mãe, ou que não faz a menor ideia de como se sente em relação a isso…

Resolvi compartilhar meus sentimentos ao longo da jornada mais louca da minha vida, que foi gerar, parir e estar criando uma pessoa, com a intenção de contribuir sobre os dilemas dos impactos da maternidade na nossa vida profissional.

Eu sou gerente de produtos e sempre fui uma profissional super comprometida, dessas que trabalham até mais tarde quando precisam, que dão o sangue pela empresa, sempre focadas em concluir uma tarefa atrás da outra, e querendo fazer tudo sempre da melhor forma possível… Até que eu engravidei.

A descoberta da gravidez e o primeiro trimestre

A gravidez foi planejada, mas veio bem mais rápido do que eu esperava. Então no fim, foi um susto seguido de algo que pareceu uma intoxicação alimentar.

Eu fiquei uns 10 dias largada no sofá tendo que falar pro pessoal do trabalho que eu estava com alguma virose. Depois que esse enjoo foi melhorando, veio uma fase de sono incontrolável.

Como profissional eu tive que operar em modo de energia reduzida, mesmo porque toda a minha energia estava focada em fabricar um novo ser humano, só que ninguém sabia disso ainda. E acho que surpreendentemente ninguém percebeu.

Depois dessa fase mais intensa, sem perceber, eu comecei a questionar cada vez mais se algumas reuniões eram mesmo necessárias, e a deixar tarefas menos prioritárias para serem feitas depois.

O segundo trimestre

Nessa fase da gravidez, fui deixando de me sentir doente, e voltando a me sentir eu mesma. Mas o que vivi no primeiro trimestre deixou marcas na minha minha relação com o trabalho.

Comecei a levar mais a sério meu tempo livre, fazendo coisas sem relação com o trabalho, além de priorizar muito mais o que precisava ser feito em cada dia, delegando mais coisas.

É uma fase onde normalmente as pessoas contam pros colegas que estão esperando um bebê, e muitos colegas foram super empáticos comigo, especialmente os que eram pais, quando eu simplesmente esquecia coisas que eu sabia 5 minutos antes no meio de uma reunião importante. É muito comum sua memória ficar lamentável durante a gestação, sério.

O terceiro trimestre

Nessa fase parece que virou uma chave na minha cabeça e a única forma de descrever é que eu já estava cagando pro que acontecia na empresa. Eu só conseguia pensar em como minha vida ia mudar com a chegada do bebê e em tudo que eu tinha que deixar pronto!

Eu fazia o mínimo que eu precisava pra continuar sendo a boa profissional que eu sempre fui, mas foi difícil continuar engajada em lançamentos que eu não veria no ar, quando na verdade o maior acontecimento da minha vida estava para sair da minha barriga.

E enquanto isso, os feedbacks das avaliações de performance foram chegando e apesar se eu ter recebido ótimos feedbacks, eu não esperava receber nenhum reconhecimento por estar prestes a sair de licença-maternidade… E foi exatamente o que aconteceu. Eu nunca vou saber se foi por isso, mas também nunca vou achar que não foi.

Mais no final da gravidez, com dias contados pro bebê, eu já me sentia meio inútil porque não era mais envolvida em coisas que não fossem pro ar imediatamente. Até que num domingo a noite entrei em trabalho de parto, e na segunda de manhã avisei o pessoal do trabalho que eu estava saindo de licença.

Virei mãe. E agora?

Quando meu filho nasceu eu acho que só lembrei que eu tinha emprego depois de uma semana, de tanta coisa nova que eu tive pra fazer, pra cuidar, pra sentir e pra processar. Fora a dor física e emocional. Se você estiver passando por essa parte exatamente agora, primeiro sinta-se abraçada. E depois, se precisar conversar sobre isso, eu estou à disposição.

A menor das minhas preocupações era a minha carreira. Mas depois que os primeiros três meses (que foram bem desafiadores) passaram, eu comecei a me sentir mãe-plena, quase sênior.

Eu comecei a sentir saudade do meu trabalho, apesar de ainda estar exausta. Acho que eu só queria ser alguma outra coisa além de mãe.

As vezes ouvia meu marido participando de alguma reunião e brincava: "deixa que eu faço a próxima no seu lugar, e você cuida do Chico, tá?". Acontecia de ficar olhando pro bebê meio entediada, enquanto ficava sabendo de colegas sendo promovidos.

O que acho que salvou minha sanidade nessa época, ou me deixou mais maluca de vez, foi que tivemos a oportunidade de cruzar o oceano e vir morar em Londres. E o pior é que topamos.

Eu ainda não sei se foram os hormônios ou a privação de sono, mas embarcamos nessa aventura e de repente eu tava organizando a venda de tudo que acumulamos juntos nos últimos 15 anos, e toda a burocracia para os nossos dois gatos poderem vir com a gente.

Itens de todos os tamanhos foram vendidos ou distribuídos para os amigos queridos. Isso incluiu mais de cem plantas, juro. Uma batedeira planetária chegou a ser enviada pelos Correios. Nas últimas semanas o quarto do bebê (que nunca chegou a ser de fato montado) era composto por uma cadeira de praia pra amamentar, um berço portátil e uma cômoda meio torta.

E assim deixamos pra trás a família, muitas memórias de São Paulo e amigos queridos, e cruzamos o oceano com um bebê no colo sem saber muito o que esperar. E depois de mais um mês chegou ao fim a licença-maternidade, mas não a insegurança sobre a carreira.

A volta ao trabalho

Eu estava super animada, mas morrendo de medo. Queria muito rever os colegas, mas não sabia muito bem sobre o que falar. Queria muito mostrar que eu não tinha esquecido como fazer meu trabalho, mas não sabia muito bem por onde começar.

Os primeiros meses foram um completo caos na minha cabeça. Eu me sentia péssima porque não conseguia dedicar, nem de perto, o tempo que eu dedicava ao trabalho antes.

Eu achava que eu estava fazendo pouco o tempo todo. Nada tirava da minha cabeça que eu tinha ficado pra trás, e que não tinha como mudar isso.

E mesmo com meus gestores, stakeholders e colegas elogiando as minhas entregas, eu não conseguia me sentir segura. Essas foram as coisas que me ajudaram a ir recuperando a minha confiança como profissional:

1. Colegas de trabalho mães

A designer do meu novo squad (que hoje posso chamar de amiga) tinha voltado ao trabalho poucos meses antes que eu e sabia exatamente como eu estava me sentido. Ela me ajudou muito a recuperar minha confiança e eu serei eternamente grata ❤

2. O tempo

Ah, o tempo… Com ele passando, eu fui percebendo que eu sabia sim fazer o meu trabalho. Aprender a manter outro ser humano vivo trouxe muitos aprendizados. Os que mais passei a aplicar no trabalho foram empatia, confiar no meu instinto, improvisar, e repensar se cada atividade é mesmo prioridade, pois meu tempo ficou mais valioso. E hoje, depois de quase dois anos vivendo tudo isso, eu me considero uma profissional ainda melhor.

3. Reconhecimento financeiro

Infelizmente, esse foi o que mais demorou a vir, e sinto que só veio porque eu questionei, e muito. Mas sem os outros dois fatores acima, eu não teria tido confiança para começar a questionar. Espero de coração que você que está lendo não passe por isso e nem tenha que brigar pra ser reconhecida… Mas se precisar, brigue e confie na sua capacidade.

Nós, mulheres, já somos minoria em tanta coisa… Mas a coisa mais poderosa que a maternidade me ensinou é que uma mãe ajuda a outra. E foi por isso que eu resolvi escrever.

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