Como virei Product Manager: das Olimpíadas até o Enjoei

Mariana Wakim
Mulheres de Produto
6 min readDec 14, 2019

Quando me formei em Relações Internacionais, em 2010, trabalhar em uma startup era uma ideia muito distante, romantizada, e totalmente irreal para recém graduados no Rio de Janeiro.

O mercado de internet era algo reservado ao primeiro mundo, e eu, que passara os últimos 4 anos debruçada em livros e textos de ciências políticas, os considerava apenas ecos distantes do Vale do Silício.

Dez anos depois e uma trajetória nada ortodoxa me trouxeram até esse universo, que é hoje minha realidade. Escrevo aqui pra contar minha jornada um pouco atípica, e incentivar aqueles que estejam em busca de mudar de carreira: sempre é possível.

Diploma em mãos, e algumas (poucas) opções

Como recém formada no Rio de Janeiro em 2010, tinha opções limitadas: ou trabalhar na indústria (petróleo, minério de ferro, papel, bens alimentícios) ou no mercado financeiro.

O grande glamour da época eram os processos seletivos das gigantes Vale, Coca Cola, Ambev, L’oreal e outras. Passar em um destes processos era um selo de qualidade, e ultra indicado: eram lugares onde você podia “fazer carreira”, aka, entrar e só sair pra se aposentar.

Jovens da geração Z devem achar este discurso saído de uma máquina do tempo, mas vos garanto que essa era a realidade (no Rio) míseros 10 anos atrás.

Numa tentativa transgressora fracassada, me inscrevi pra um programa de trabalho voluntário no Leste Europeu enquanto aguardava o resultado dos processos seletivos tradicionais. Mas o destino e conservadorismo da época me apontaram a direção: como uma boa representante da minha geração, fui trabalhar na Vale na mesa de operações financeiras, numa proeza que conseguiu reunir indústria E mercado financeiro.

No meio das operações e ligações para bancos, tentava me recordar o porque de ter escolhido relações internacionais. Queria estar envolvida nas discussões de temas globais, ler e escrever sobre a ordem mundial, conhecer pessoas e falar em outras línguas.

Corta a cena pra lembrar o momento do Rio nesta época. Estávamos no centro do universo: capa da The Economist, Cristo Redentor decolando, palco dos eventos internacionais mais importantes do mundo — Fórum Ecônomico Mundial, Rio +20, Jornada Mundial da Juventude com o Papa Francisco, Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas.

Como internacionalista, não havia cenário mais fértil (e inédito) em terras cariocas. Tinha total consciência de que precisava surfar essa onda, pois sabia que era um momento único.

Duas Olimpíadas no currículo: Londres 2012 e Rio 2016

Movida pela intuição, saí da segurança vitalícia da Vale e fui trabalhar no Governo do Estado do Rio de Janeiro, na Subsecretaria de Relações Internacionais, que foi criada e cresceu para atender a este momento efervescente do estado.

Dentre outras coisas, a subsecretaria atuava junto a outras instituições públicas e privadas para o planejamento e execução destes grandes eventos, e com eles trabalhei na organização do Fórum Econômico Mundial e nos estágios iniciais de planejamento da Rio +20.

Um ano depois, a convite da minha ex-chefe no governo, fui trabalhar no Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016.

Com 22 anos, achei que tinha ganhado na loteria laboral: meu primeiro projeto no comitê foi a realização da casa de hospitalidade do Brasil nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres 2012.

Era assistente de projetos especiais e braço direito da minha gestora. Estávamos a frente de um grande time que colocaria de pé uma robusta operação cultural com o intuito de mostrar o Brasil e o Rio para o público olímpico e paralímpico antes de sermos a próxima cidade-sede.

Foram meses de planejamento no Brasil seguidos de 3 meses de execução in-loco: alugamos a Somerset House, centro de cultura tradicionalíssimo na capital britânica, para abrigar a nossa Casa Brasil de junho até setembro.

Além de ser a casa de hospitalidade para nossos atletas e delegação, a casa seria um pólo cultural do Brasil e do Rio. Toda a curadoria, de música, arte, design, cinema e gastronomia buscou mostrar além do lugar-comum e dos clichês esperados da produção brasileira. A experiência profissional foi enriquecida ainda mais pelo fato de estar em Londres, que, além de ser LONDRES, era o centro do mundo naquele momento.

Voltei pro Brasil e continuei no comitê por mais 4 anos, até a realização dos Jogos. Atuei como Gerente de Projetos nas áreas de Cultura e Credenciamento, e considero que vivi uma lua de mel, onde trabalho e diversão viviam em simbiose. Com o objetivo claro de entregar o evento em 2016, o propósito estava traçado, e a sensação de “fim do mundo” deixava a todos num perpétuo estado de euforia: trabalhava-se muito, mas também curtia-se muito. Até bloco de carnaval montamos, com banda e tudo (“a tocha mais não pira”).

Com o fim sempre iminente, é mais fácil e até natural dar tudo de si, ainda mais em um projeto tão único. O ambiente era multicultural e trabalhei com gente do mundo inteiro na minha própria cidade: ingleses, australianos, franceses, argentinos, indianos, japoneses.

Tive líderes excepcionais, os melhores com quem já trabalhei. O desafio de manter pessoas engajadas até o final e reter os talentos mesmo quando sabem que o desemprego tá logo ali na frente só é possível com líderes inspiradores. Levo deste tempo as maiores lições de liderança e gestão de pessoas.

Realizada na cerimônia de encerramento no maraca

Chegamos ao final com um misto de missão cumprida e vazio no coração. Os escândalos que se seguiram foram vividos por uma alta cúpula que não estava entre aqueles que colocaram a mão na massa pra fazer acontecer. O orgulho de entregar um projeto desta magnitude não foi abalado, pois em volta de mim havia apenas pessoas trabalhadoras com o objetivo claro de montar o palco para que os melhores atletas do mundo pudessem atuar.

A magia dos novos começos

Me sentindo órfã, juntei meus caquinhos e fui em busca do que faria em seguida. Vários colegas optaram por seguir os jogos e outros eventos esportivos pelos quatro cantos do mundo.

Eu mesma não encontrei muito espaço de manobra no Rio, mas optei por um destino mais conservador: São Paulo. Com um recém adquirido diploma em Gerenciamento de Projetos, queria explorar algo mais moderno: produtos digitais e as metodologias ágeis.

Comecei a minha busca conversando com amigos e amigos de amigos. E foi assim, através de uma amiga em comum, que cheguei até a casa de tijolinhos do Enjoei e conheci a Ana, uma das fundadoras. Conversamos numa mesa na área externa da casa, que tinha até uma piscina. Lembro de ter amado tudo: os quadros nas paredes, os detalhes de objetos antigos, as pessoas, a energia, e principalmente a Ana: no final do nosso papo, falei com toda a sinceridade “já valeu por ter conhecido você”.

A Ana é aquela pessoa iluminada e a personificação do Enjoei, e eu que já era heavy user do site desde 2014 vi nela tudo que eu amava naquele produto. Saí me sentindo insider do meu site favorito e positiva sobre o futuro em São Paulo.

No fim daquele mesmo dia, peguei um vôo pro Rio porque ainda não tinha me mudado oficialmente. Ao pousar, recebi uma mensagem da Ju (a amiga de amigos) dizendo que o CEO queria falar comigo no dia seguinte, às 17h00.

Em pé, na área de desembarque do aeroporto Santos Dumont, comprei pelo meu celular uma passagem pra voltar pra São Paulo as 11h00 da manhã do dia seguinte. Não podia arriscar perder essa oportunidade.

No dia seguinte, conheci o Tiê, marido da Ana, o outro fundador e CEO do Enjoei. Ele me contou mais sobre como tudo começou, que o Enjoei era um blog onde a Ana vendia suas próprias roupas e de amigas sempre com uma história engraçada. Deu match: já no final do papo, o Tiê disse que me fariam uma proposta.

E foi aí que embarquei, fluente em 4 idiomas, pra aprender um outro no qual era completamente analfabeta: a linguagem dos produtos digitais, das features, devs, deploys, QA, builds, sprints. Tudo que eu sabia era que era boa em fazer as coisas acontecerem. Tirar ideias do papel e trazer pro mundo real. Como seria fazer isso no mundo digital?

To be continued…

--

--