Fazendo a pergunta certa na entrevista de Produto

Como obter as melhores informações para o seu negócio através de uma entrevista bem feita

Fernanda Machado
Mulheres de Produto
8 min readFeb 4, 2021

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Fonte: https://ucsdnews.ucsd.edu/pressrelease/eGrove

Você reconhece o seguinte diálogo?

Profissional de produto: “Olá, [cliente]. Estou pesquisando sobre [funcionalidade] para decidir se vamos implementá-la no nosso produto. Você gostaria de tê-la no sistema?”

Cliente: “Ah, sim! Vai ser essencial para o meu dia a dia.”

Profissional de produto: “Que bom! Então veja esse protótipo que criamos. Você acha que está bom?”

Cliente: “Está maravilhoso! Pode deixar este ponto mais claro, mas em geral está perfeito!”

Após algumas entrevistas como esta, a funcionalidade é desenvolvida e colocada em produção. No entanto, o engajamento da funcionalidade é baixo e as key results (indicadores chave) do trimestre não são atingidas. Lascou 😲.

O que deu errado? Afinal, o cliente foi ouvido. Um protótipo foi desenvolvido para solucionar o problema deste persona e validado justamente por aqueles que conhecem o problema. Será que product discovery não funciona?

Não, calma lá. Não se desespere. A realização de product discovery é extremamente necessária quando não entendemos a fundo o problema que devemos resolver. O que não funciona é realizar entrevistas de discovery sem planejamento e sem um roteiro com as perguntas certas. É preciso ter cuidado em como realizar essas conversas.

Ano passado li o livro The Mom Test (O teste da mãe) escrito por Rob Fitzpatrick e encontrei ali um guia de como realizar entrevistas sem vieses. O título do livro é bem peculiar mas reflete o seu objetivo com maestria: aprenda como explorar um problema de uma forma que nem a sua mãe consiga mentir para você.

Se você perguntar para sua mãe se ela gostou do seu novo projeto ou se ela acha que sua ideia nova vai funcionar ela vai dizer que sim. Ela pode dar alguns conselhos ou levantar pequenas melhorias, mas a preocupação dela em agradar o filho ou a filha do coração vai ser mais forte.

Obs: Mães, continuem amando seus filhos incondicionalmente! Nada de errado nisso! Eles que estão errados em pedir feedback de produto para vocês! 😄

Algo parecido acontece quando pedimos a opinião dos nossos clientes. Durante uma entrevista, o respondente pode se preocupar em como o feedback vai ser recebido. Afinal, você está colocando seu tempo e esforço nesta solução. É uma situação desconfortável dizer: “Bem, eu sei que você deu duro neste protótipo, mas não vejo um uso para isso”.

Além disso, fica difícil avaliar todas as variáveis que um novo produto ou funcionalidade vai introduzir e influenciar na operação diária. Por mais que o cliente queira nos ajudar, suposições criadas a partir de uma imaginação de uso ou de compra não são fundamentadas e têm pouco compromisso com a realidade.

E nada de culpar os entrevistados por não cumprirem o que disseram! Para e pensa quantas vezes você já prometeu a alguém que iria comer direito. Ou que iria começar a se exercitar. Ou que iria parar com algum vício. É difícil alinhar o querer de agora com as ações de amanhã…

Segundo Rob, o entrevistador tem que se atentar a fazer as perguntas certas. Em outras palavras, o papel do pesquisador é direcionar o respondente para que sejam fornecidas as informações mais relevantes para investigar a hipótese da pesquisa.

As perguntas certas são aquelas que seguem essas três regras:

  1. Pergunte sobre situações e não peça opiniões.
  2. Foque em ações e situações passadas e não em suposições do futuro.
  3. Não aprofunde a conversa em ideias mas sim em detalhes do problema.

Pergunte sobre situações e não sobre opiniões

Um dos maiores erros que uma pessoa de produto pode cometer é trabalhar com opiniões.🙅‍♀️🙅‍♂️ Os dados são nossa fonte de informação e por isso, nossas conversas devem tratar de situações e não de ideias e opiniões.

Antes de mais nada, o objetivo da pesquisa é validar ou invalidar a nossa hipótese. Será que o que levantamos realmente é uma dor para esta persona? Por isso, use situações passadas e comportamentos adotados pelo cliente para entender a realidade dele por base de fatos.

Suponha a seguinte conversa:

Profissional de produto: “Estamos cogitando desenvolver um produto adjacente para agilizar os seus processos diários. O que você acha?”

Cliente: “Caramba! Gostei pra caramba! Vocês podiam fazer uma versão em tela cheia também. Ia ficar legal.”

Profissional de produto: “Beleza, anotada a sua sugestão. Também acho que vai ficar legal.”

Cliente: “Muito bom mesmo!”

Além de esbanjar elogios, este cliente ainda deu uma sugestão interessante. Que entrevista mais divertida! Pena que o problema não foi validado, não tivemos um compromisso do cliente e saímos da entrevista com o ego inflado.

Perceba como esta conversa poderia ter sido diferente:

Profissional de produto: “Quais são os métodos utilizados por vocês dentro da nossa ferramenta para agilizar os seus processos?”

Cliente: “Usamos as funcionalidades mais básicas mesmo. Como nosso processo é baseado em negociações longas, não vimos a necessidade de ir tão a fundo no sistema.”

Profissional de produto: “Qual foi a última vez que você utilizou os recursos mais avançados?’’.

Cliente: “A gente nunca usou! Vimos na demonstração do vendedor mas nem nos importamos muito. Mudando de assunto, bem que vocês poderiam ter uma versão em tela cheia desta tela aqui, né?”

Profissional de produto: “A tela atual está atrapalhando de alguma forma?”

Cliente: “Sim. O modal de configurações é pequeno. Os campos ficam muito juntos e fica tudo muito confuso para ensinar novos funcionários.”

Profissional de produto: “Você lembra da última vez que treinou um funcionário? Como foi?”

Cliente: “Foi ontem mesmo! A nossa rotatividade é alta e ficar parando para explicar coisinhas bestas assim é muito desgastante. Se vocês puderem aumentar o modal já vai ajudar bastante!”

Pronto. Aqui temos uma conversa repleta de informações úteis para uma tomada de decisão mais assertiva. Pudemos entender porque o cliente usa o sistema e descobrimos que ele não tem a necessidade de agilizar seus processos.

Para fugir de opiniões, não informe a sua proposta de solução antes de validar o problema. Seu cliente vai gostar de novas funcionalidades se você apresentá-las. Quem não gosta de novidade? Quem não gosta de feature nova sem mudança na mensalidade? Em vez de pedir opiniões, procure entender como é o dia a dia do cliente atualmente e deixe que ele traga as suas dores.

Foque em situações passadas

É normal que a gente confie no cliente quando ele diz que usaria ou até compraria um produto nosso. Dá uma felicidade, né? Parece que sua ideia de produto ou de funcionalidade é melhor do que você pensou! Calma, se segura! Em vez disso, identifique se o problema dele é desafiante o bastante e que ele precisa de uma solução.

Evite o seguinte diálogo:

Profissional de produto: “Estou desenvolvendo um aplicativo para ensinar a bordar. Você usaria?”

Cliente: “Gostei! Usaria sim porque não?”

Profissional de produto: “Você baixaria mesmo custando R$29,99?”

Cliente: “Acho que sim. Parece bacana.”

E no que deu? O aplicativo é desenvolvido mas não faz sucesso. Nem mesmo seus entrevistados compraram. Aqueles que realmente queriam aprender a bordar usaram o YouTube para isso. O custo de desenvolvimento não valeu a pena.

Na verdade a conversa poderia ser um pouco diferente:

Profissional de produto: “Quando você aprendeu a bordar?”

Cliente: “Aprendi quando era criança com a minha avó, mas não lembro muito. Quero voltar a bordar para me lembrar dela.”

Profissional de produto: “Você já tentou aprender por conta própria?”

Cliente: “Eu comecei semana passada assistindo vídeos no YouTube, mas é difícil. Tenho que ficar parando o vídeo e voltando.”

Profissional de produto: “Você pretende fazer uma aula presencial de bordado?”

Cliente: “Ah, não… É um novo hobby. Não é como se eu estivesse com pressa.”

Agora está bem claro que este cliente não vai pagar pelo produto novo. O YouTube é uma alternativa grátis e com diversas possibilidades. O cliente só pagará o que lhe fornecer mais valor e resolverá seus problemas. Neste caso, a dor do cliente não é grande o bastante para desembolsar.

Portanto, fuja de suposições futuras, generalizações e hipóteses. Para analisar a disposição de pagamento, avalie o quanto o respondente perde por mês por causa do desafio que tem passado. Também reveja as tentativas de soluções que ele implementou. Quanto elas lhe custaram? A sua solução é mais efetiva e mais em conta?

Outro ponto importante: transforme promessas em compromissos. Se o cliente disse que está interessado, peça que se inscreva numa landing page para se tornar um testador beta do novo produto.

(Sinto muito você leitor ou leitora que pensava em criar um produto de aulas de bordado e eu estraguei os seus sonhos. Foi só um exemplo, tá?😳)

Foque no problema e seus detalhes

Os usuários sempre tem ideias. E algumas realmente são boas! Contudo, o mais importante é identificar a dor que os motivou a procurar uma solução.

Também não faça sermões ou pitches de ideias suas! Ouça mais do que fale e direcione a conversa para a raiz do problema.

Vejamos um exemplo.

Cliente: “Vocês viram a nova funcionalidade do concorrente? Ela é demais! Vocês deveriam fazer igual.”

Pessoa de produto: “Se o nosso concorrente tem, devemos ter também. Vou colocar no roadmap.”

Acho que você já identificou o padrão, né? A primeira historinha sempre da errado😅. Neste caso, a funcionalidade é criada mas não atende às necessidades dos nossos personas porque os requisitos foram copiados do concorrente.

Aproveite as dicas emocionais dos clientes para cavar mais fundo! Descubra os detalhes do porquê ele precisa daquela solução e porque ele acha que sua sugestão é a ideal.

Veja uma alternativa:

Cliente: “Vocês viram a nova funcionalidade do concorrente! Ela é demais! Vocês deveriam fazer igual.”

Profissional de produto: “Você está bem animado com isso! Que legal. Por que você achou a funcionalidade tão bacana?”

Cliente: “Porque na newsletter dizia que vai solucionar os problemas de follow-up de negociações.”

Profissional de produto: “Ah, entendi! Bem, o nosso concorrente é focado em operações rápidas, mas a sua operação lida com negociações longas. Poderia me dizer quais problemas você anda tendo com follow-ups?”

A partir deste ponto, o entrevistador deve buscar mais detalhes sobre o que está atrapalhando o dia a dia deste cliente. As saliências emocionais ajudam a identificar quais aspectos da situação a gente deve focar. A carga da emoção também indica o quanto o sistema está beneficiando ou prejudicando o entrevistado.

Também tenha cuidado quando você quiser validar uma ideia de solução. Não pergunte se atende ou se a ideia é boa. Ao fazer isso, você induz ao respondente que a ideia é sim relevante e na verdade ele precisa somente dizer o quanto ela é boa (esse comportamento se chama viés de confirmação).

Conclusão e recomendação final

Em resumo, se você se perder no meio da entrevista, foque no problema. Fuja de elogios, ancore comportamentos e busque as motivações das ideais para entender as dores passadas pelos seus usuários. Busque os fatos nas palavras do seu cliente ou futuro cliente para analisar sua hipótese de pesquisa.

Claro, no começo é difícil perder os vícios, até porque é assim que nós conversamos normalmente. Eu mesma errei bastante no começo e fui me corrigindo. É um processo de aprendizagem e prática.

Minha recomendação final é: leia o livro. O The Mom Test é curto e objetivo, porém recheado de ensinamentos, dicas e exemplos. Se você gostou deste artigo, lhe garanto que vai adorar o livro🥰📖.

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