Meu armário, seu armário: o mercado online de segunda mão

Mariana Wakim
Mulheres de Produto
6 min readDec 18, 2019

Sempre amei roupas. Desde pequena deixava minha mãe louca com meu estilo peculiar.

Enquanto ela queria que eu usasse vestidos floridos com casinha de abelha, eu não tirava minha jardineira jeans e a boina do meu avô (alô, rio 40 graus!).

Ou então, entrava na seção masculina da loja, e escolhia um blazer com ombreiras pra usar no meu aniversário de 9 anos: temos fotos. Roupas sempre foram uma parte importante da minha personalidade.

Eu com nove anos e a boina garimpada no armário do meu avô.

Passei pela fase hippie, com tye dye e sandálias de couro, depois clássica-francesa-trench-coat, e fashionista-mix-de-estampas, até enfim formar meu estilo que mescla um pouco disso tudo. De uma transição estilística pra outra, sempre deixava um rastro de acúmulos, que nunca tinha outro destino do que doações.

Quando comecei a trabalhar, ver aquela quantidade de roupas me dava desespero: aquilo representava tempo de vida que eu gastei trabalhando e converti em coisas muitas vezes intactas.

Roupas sem uso me davam tristeza proporcional à felicidade que minhas peças favoritas me traziam. Compras por impulso muitas vezes resultavam em roupas novíssimas com etiqueta, que ficam ali pra te lembrar da sua fatura do cartão, que não volta atrás. E são exatamente estas peças que você acaba nunca doando, e que ficam ocupando espaço no seu armário e pesando na sua alma.

Pensei em fazer bazares com amigas ou vender pra um brechó, mas nenhuma das opções era financeiramente atraente: doar parte e seguir acumulando parte seguiram sendo meu modus operandi por bastante tempo.

Primeiros passos de uma futura vendedora inveterada

Não lembro como foi que conheci o Enjoei. Foi em 2014, e tinha a impressão de que no Brasil ninguém falava sobre vender e comprar peças usadas. Mas o Enjoei já era um marketplace desde 2012, e blog desde 2009.

Me tranquei no meu quarto, improvisei um fundo branco com gancho pros cabides, e comecei a fotografar. Minha primeira venda no Enjoei foi a mais lucrativa de todas: um acúmulo de tesouros para outras pessoas.

Quando as vendas começaram, entendi a magia da coisa: o Brasil é enorme e sempre tem alguém em Aracaju ou no Rio Grande do Sul que vai se interessar pelo seu vestido da Farm de duas coleções atrás.

Daí em diante virei embaixadora espontânea do site. Saía na hora do almoço com sacolas de peças pros correios e falava pra todo mundo: "você conhece o Enjoei? Já ganhei R$ 3 mil vendendo coisas que estavam acumulando poeira no meu armário!". Nunca mais parei.

Foi com este histórico de usuária assídua que fui conversar com a Ana e o Tiê em 2017. Nessa época já tinha vendido mais de R$ 12.000 em roupas e acessórios no Enjoei e era uma convertida ao mercado de segunda mão.

O boom do mercado de segunda mão

Claramente, eu não era a única: o mercado de second hand dava sinais de que deixaria de ser algo reservado aos early adopters e já alcançava os mais céticos.

Sobretudo no Brasil, o estigma do usado estava na cabeça de muitos como aquele brechó com cheiro de naftalina e roupas amontoadas e sem critério, mas essa imagem começava a ficar no passado.

No mundo inteiro, cresciam plataformas onde era possível comprar e vender itens usados, com foco em design e experiência do usuário: o consumo de itens de segunda mão passou a ser sexy e divertido.

O online estava ajudando a desmantelar o preconceito e trazer o garimpo para o mainstream. E ajudou também a impulsionar o offline — brechós passaram a ter todo um visual merchandising pensado pra moda, e marcas tradicionais de varejo revisitaram coleções antigas e as trouxeram de volta como “relíquias” ou “vintage”. Outras, partiram pra fazer uma curadoria de peças garimpadas, vendidas lado a lado com as novas coleções recém saídas da fábrica.

Nascia uma nova relação com o usado, tanto para compra, quanto pra venda. Plataformas cada vez mais divertidas, fáceis e rentáveis surgiam em todo o mundo. No Brasil, o Enjoei liderava essa mudança, enquanto nos Estados Unidos e Europa, gigantes como a Thred Up, Poshmark, The Real Real e Vinted ganhavam adeptos numa velocidade acelerada. E a barganha transbordava ainda para esferas mais informais: grupos de whatsapp, facebook, instagram.

Hoje, definitivamente o garimpo virou mainstream: a expectativa de crescimento do mercado de segunda mão online é de dobrar nos próximos 5 anos, segundo o relatório do Thred Up de 2019 — nos Estados Unidos está avaliado hoje em 24 bilhões, e espera-se chegar em 51 bilhões até 2023. Isso representa um crescimento 21 vezes mais rápido do que o do mercado de varejo tradicional nos últimos 3 anos.

O aumento de adeptas também chama atenção: do grupo de mulheres acima de 18 anos entrevistadas pelo Thred Up em 2016, 45% indicaram ter comprado ou estarem abertas a comprar produtos de segunda mão no futuro; em 2018, este número aumentou para 64%.

Como resultado, um novo paradigma: novo não é mais sinônimo de novidade. A novidade pode vir do armário de um desconhecido, pode ser encontrada em um brechó ou bazar de igreja, pode ser uma relíquia de família ou o enjôo de uma amiga.

E o garimpo ainda tem um ingrediente a mais: a unicidade. Pois está aí todo o significado de garimpar: explorar uma pedra bruta em busca recurso precioso, único e que nunca será igual.

Queremos todo seu armário

Fiz essa digressão pra contextualizar o momento em que cheguei no Enjoei. A mudança de paradigma estava em curso, e o Enjoei era um fenômeno com 8 milhões de usuários compradores e 1 milhão de vendedores.

Mas queríamos todo esse brasilzão. Queríamos fazer parte da construção (e desconstrução) do armário de todas as mulheres brasileiras. E a questão que queríamos atacar era: como trazer aquelas usuárias que estão com seus armários abarrotados, mas tem preguiça de fazer todos os trâmites da venda: fotografar, descrever, medir, precificar, gerir as vendas, levar nos correios?

E se criássemos, nós mesmos, nosso próprio armário gigante, composto do seu, do meu, de todas nós? E se tomássemos coragem pra sair do online pro offline, e oferecer um serviço diferenciado pra algumas usuárias, onde nós mesmos colocaríamos tudo a venda pra você? Será que daria samba?

Foi esse o desafio que encarei quando cheguei no Enjoei: criar o Enjoei Pro, um serviço diferenciado que ofereceríamos para algumas usuárias (apenas mulheres) no qual faríamos os trâmites de venda do início ao fim, e teríamos um estoque físico e uma operação de recebimento, triagem, fotografia e expedição. Estávamos criando uma nova unidade de negócio.

Mas será que nossas usuárias iriam aderir?

Criamos em poucas semanas um MVP (minimum viable product) pra validar essa hipótese. Mandamos um convite pra uma base pequena de usuárias, apenas em São Paulo.

Já nos dias seguintes, tínhamos pedidos que deixariam nossa produção ocupada por semanas. As roupas não paravam de chegar, e foi o típico caso de "trocar o pneu com o carro andando".

E assim fomos montando nossa linha de produção, nosso estoque. Da mesma forma que as roupas chegavam, as vendas acompanhavam, e em pouquíssimo tempo confirmamos nossas suspeitas: sim, existe uma demanda reprimida por este tipo de serviço.

Hoje o Enjoei Pro já recebeu mais de meio milhão de peças, e continuamos firmes no nosso propósito: montar nosso armário gigante, feito do seu, do meu, de todas nós. E manter as coisas em movimento. Vem com a gente.

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