Mulher, atenção ao feedback recebido

Éricka Padilha
Mulheres de Produto
8 min readApr 8, 2022

Receber feedback é bom, quando são úteis e reais é melhor ainda.

Mulher de blusa florida em cima de uma cumprida escada encostada em um muro branco e olhando por cima do muro.
Photo by Charlota Blunarova on Unsplash

No livro “O poder da inteligência emocional” Goleman, Boyatziz e McKee relatam sobre a doença do CEO, que é um vazio de informação ao redor do líder a fim de evitar momentos desagradáveis, logo, muitos líderes ficam sem as informações importantes. E isto ocorre também para o feedback, então quanto maior seu cargo, maior a chance dos retornos recebido serem menos úteis, contudo se você for do sexo feminino ou de minorias, às chances dos comentários recebidos sejam ainda menos relevantes é ainda maior.

“Claro, muitas pessoas — não só líderes — reclamam de receber pouquíssimo feedback verdadeiramente útil. (…) O problema é agravado no caso de líderes do sexo feminino, ou pertencentes a minorias. As mulheres, em geral, recebem feedback menos útil sobre seu desempenho em qualquer posição — como líder ou não — do que homens.”

E então, como fica a vida de nós mulheres diante desta triste informação?

Bem, vamos começar pelo começo, o que é (ou deveria ser) um feedback: é o processo de expressar com clareza algo que foi feito ou dito pela pessoa, ou seja, está baseado em fatos e ações concretas. Sendo um feedback útil ou construtivo aquele onde o emissor tem o entendimento que ele trará um real benefício para o receptor, sendo compreensível, aceitável e plausível.

Contudo, por diversas vezes, os feedbacks não estão relacionados com nenhum fato real ou estão embasados em vieses, como podemos ver no relato da autora Carol Dweck, no livro Mindset, ela conta a situação de um professor com um pensamento arcaico sobre as mulheres e seu desempenho na área de exatas: “então veio um professor chamado Hellman, que achava que as meninas não tinham jeito para matemática. Minhas notas diminuíram e nunca mais estudei matemática. Na verdade, eu concordava com o sr. Hellman, mas achava que aquilo não se aplicava a mim. Às outras meninas não eram boas em matemática. Mas o sr. Hellman achava que isso também se aplicava a mim, e sucumbi”.

Muitas de nós sucumbimos ao receber um feedback negativo ou ainda ficamos obcecadas em melhorar a ponto de ignorar a parte positiva de um retorno que tivemos de um par, líder ou amigos. No Livro Como às Mulheres Chegam ao Topo, os autores informam que o gênero é apenas um fator na determinação de como cada um de nós reage a um feedback, isso não é tudo, e eles descrevem 3 estágios que em geral às mulheres passam ao receber comentários, observações e críticas:

  1. Estágio 1: Reage com desencorajamento e desvalorização, podendo inclusive levar a um grau de paralisia;
  2. Estágio 2: Pensamentos em cima dos motivos daquela avaliação. São válidos? Quais circunstâncias? Tem relação com gênero?
  3. Estágio 3: Auto avaliação do seu próprio comportamento e a relação com as críticas. O que ela poderia ter feito ou deixado de fazer? O que poderia ser feito diferente?

Então: cuidado! Não caia na pira de olhar apenas para você, mas também não ignore o comentário e vá colocando ele na caixinha das coisas inúteis. Precisamos de uma racionalidade objetiva, mas tudo começa pelo autoconhecimento!

“Para se desestagnar, abandonar um comportamento que não lhe é mais útil, você precisa, antes de tudo, reconhecê-lo como um hábito. Você precisa trazê-lo para o consciente, para que possa começar a experimentar novas formas de reagir e ver se consegue resultados diferentes.”

Tenha o entendimento das suas habilidades, do seu desenvolvimento, das conquistas que possui, dos seus pontos a serem melhorados, dos comportamentos que precisam ser modificados e daqueles que são excelentes e devem permanecer. Olhe para si, mas com amor. Esse é um passo fundamental para conseguir ouvir o outro sem se punir, sem achar que tudo é por gênero (não que não tenham coisas que sejam), pois quando a gente se conhece e sabe quem somos de verdade, não é qualquer fala ou comentário que tira nossas credenciais e muda nosso olhar sobre nós.

Precisamos saber nosso valor como mulher para conseguir influenciar o mundo. Somos únicas!

SABENDO QUE A DOR EXISTE

Infelizmente, nós mulheres sabemos e todos os dias lutamos para mudar o cenário de misoginia, sabemos na pele o que é ser taxada disso ou daquilo apenas pelo fato de sermos do gênero feminino.

“Ninguém conhece melhor os rótulos negativos sobre capacidade do que membros de grupos estereotipados. (…). As mulheres sabem que são estereotipadas como fracas em matemática e ciências. Mas não tenho certeza de que sabem o quanto esses estereótipos são assustadores. Uma pesquisa de Claude Steele e Joshua Aronson mostra que até mesmo a especificação de raça ou sexo num formulário é capaz de deflagrar o estereótipo e reduzir o desempenho.”

O problema existe, mas a forma que encaramos e que buscamos soluções faz diferença, não fique subjugada pelo estereótipo:

“Assim, no mindset fixo, os estereótipos, tanto positivos quanto negativos, perturbam a mente. Quando você recebe um rótulo positivo, receia perdê-lo; ao receber um negativo, receia merecê-lo.” (Mindset)

Você não é o que alguém fala, você é um ser bem mais complexo, um universo infinito e particular, cheio de possibilidades. Ter o entendimento que existem viesses e que como apresentado pela Dweck eles podem sim afetar como os demais te avaliam é importante, mas novamente isso não corresponde à totalidade, porém munida desta informação é um pouco mais fácil avaliar sobre o que estão falando e não ficar paralisada com alguma palavra.

Abaixo um relato sobre um feedback recebido por uma mulher:

“Nossa empresa é conhecida mundialmente por ter muitos tubarões”, observou ela. “Nosso pessoal é ferozmente ambicioso e basicamente tem a atitude de ‘eu estou crescendo rápido, então você precisa sair do meu caminho’. No entanto, eu fui constantemente criticada por chefes homens por ‘ir para cima do que eu quero’. Eu sempre vi isso como um exemplo de preconceito inconsciente. Todos em nossa cultura ‘iam atrás do que queriam’, esse era basicamente o nosso molde. Eu sabia disso, então ignorei o feedback.” (Como às mulheres chegam ao topo)

Assim como no caso acima relatado no livro Como às Mulheres Chegam ao Topo, eu também tive que ignorar certos feedbacks de gestores ou pares. Lembro que certa vez comecei a trabalhar com um novo gestor da área, eu já fazia parte do time a tempos e atendia o mesmo cliente, e após uma reunião ele me falou que eu sorria demais nas reuniões com o cliente e isso não era bom.

Fiquei sim com a pulga atrás da orelha, mas eu era apreciada pelo cliente e nunca antes havia recebido reclamações pelo meu sorriso, procurei então outro gestor que também atendia o mesmo cliente e perguntei a ele o que achava do meu comportamento ao atender o cliente, e em nenhum momento ele citou meu lindo sorriso rs, falou de alguns pontos que observou em uma situação isolada e só, do restante tudo ok. Respirei e ignorei essa observação do meu novo gestor.

Tempos depois com outro gestor, às coisas (comentários e críticas) eram mais suaves e isso sim abalou um pouco a minha confiança: eu era boa, mas nunca o suficiente; eu era boa, mas não para trabalhar com xpto; boa, mas você não é boa com números e por aí vai. Tudo tinha um ar de querer me ajudar, mas sempre estava em falta, nunca podia me destacar, sempre era levemente podada. Isso ocorreu ao longo de um tempo a ponto de eu duvidar de mim, do meu potencial e das minhas entregas, e de questionar os outros sobre meu trabalho e às pessoas perguntarem “ por que disso? Eu já disse que seu trabalho é bom.”.

Nem sempre é fácil ignorar as coisas, mas quanto mais eu me conhecia, mais fácil ficava para mim fazer esta distinção nos feedbacks. Uma das coisas que me ajudaram foram livros e ter o conhecimento desses fatos, lembro que li sobre o estudo do teto de vidro e do caso Howard e Heidi, e foi bom entender os viéses e como eles estão associado às mulheres, ficou mais fácil entender os demais e o quão relevante ou plausível eram às observações, com certeza o conhecimento me libertou.

CONCLUSÃO: Não despreze o feedback. Avalie

“Se você percebe que está rotineiramente ignorando o feedback porque acredita que é tendencioso, pode se perguntar se isso poderia ser uma forma de resistência. Afinal, mesmo que ele seja um pouco tendencioso, você ainda está recebendo informações. É importante lembrar que as percepções dos nossos principais stakeholders são reais para eles. Focar apenas ou principalmente o que está errado com quem dá o feedback raramente é o caminho mais eficaz para alcançar o próximo nível de sucesso.” (Como às Mulheres Chegam ao Topo)

Não é nada fácil estar em um ambiente onde os outros te consideram menos por conta do seu sexo, e nem estou aqui para dizer que devemos aceitar ou ficar caladas nesse ambientes. Acredito que precisamos é entender que mesmo com certo viés, a mensagem não é totalmente descartável.

Vou adaptar umas perguntas que recebi após uma sessão sobre síndrome da impostara para este momento de feedback pouco relevante:

  • Como você se sentiu ao receber este feedback?
  • Existem pontos reais? Quais são?
  • Existem crenças que estão limitando seu potencial?
  • Existem crenças que estão limitando o recebimento de mensagens negativas?
  • O que você precisa para enfrentar uma situação similar no futuro?

E se for possível, fale com a equipe responsável pela gestão de pessoas da sua empresa, traga a situação para mesa. Acredito que todos podem evoluir e aprender com seus vieses (muitas vezes inconscientes), e tendo conhecimento do caso podem mudar seu comportamento, podem se questionar e passar a dar feedback melhores.

Nós mesmas devemos fazer isso, por isso, segue às diretrizes de um feedback construtivo de acordo com o autor Schermerhorn:

  • Forneça feedback de forma direta e com um sentimento sincero baseado na confiança entre você e o receptor;
  • Certifique-se que o feedback seja específico e não genérico; utilize exemplos bons, claros e, de preferência, recentes para deixar claro o que você quer dizer;
  • Forneça feedback no momento em que o receptor parecer mais receptivo ou capaz de aceitá-lo;
  • Certifique-se que o feedback seja válido; atenha-se às coisas sobre às quais você espera que o receptor tome alguma providência;
  • Dê o feedback em doses pequenas, nunca mais do que o receptor for capaz de aproveitar naquele momento.

Se tiver dicas de como fornecer bons feedbacks, por favor, deixa para mim nos comentários. E caso queira relatar algum feedback ruim que tenha recebido, venha pra comunidade do Mulheres de Produto e seja acolhida!

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Éricka Padilha
Mulheres de Produto

Carioca questionadora que ama fazer produtos! Também curto ler e estudar sobre o mercado tech, protagonismo feminino, meios de pagamentos e produtos digitais.