O que a nostalgia dos millennials tem a ver com a gestão de produtos?

E o que Gilmore Girls e Sandy & Jr podem nos ensinar sobre entender o que os usuários precisam?

Cíntia Ribeiro
Mulheres de Produto
6 min readAug 24, 2022

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A antecipação

25 de novembro de 2016. Eu me lembro bem desse dia, a sexta-feira de uma semana difícil. Eu trabalhava em uma consultoria/fábrica de software, alocada em um banco público de Minas Gerais, um lugar que não era o meu favorito. Com minha chefe de férias, eu tinha que resolver sozinha diversos assuntos com os quais não gostaria de lidar.

Mas aquela sexta-feira tinha algo diferente, algo que eu estava aguardando ansiosamente há vários meses. Trabalhei pela manhã, almocei sozinha como de costume, trabalhei um pouco mais à tarde e caminhei cerca de 1km até a sede da empresa para um treinamento que terminaria às 17:30. Tive a sorte de não precisar voltar para o banco e cheguei em casa mais cedo, já que meu horário normal de terminar era por volta das 19h.

Ao descer do ônibus, passei em um restaurante a caminho de casa e encomendei uma pizza para ser entregue um pouco antes do compromisso que eu havia marcado. Tomei um banho, me preparei e o tempo não passava. Eu sabia que queria aquilo, eu tinha certeza que seria perfeito e que eu iria reviver aquele momento várias e várias vezes.

A imagem acima mostra uma conversa entre eu e minha amiga após terminarmos o último episódio de Gilmore Girls: Um ano para recordar.

Aqueles quatro episódios enormes entregaram o que tudo o que eu queria naquele momento: Um ritmo rápido, muitas referências e todos os elementos aos quais a série havia me acostumado ao longo de sete temporadas.

Mas… Passou. Eu mal me lembro que esses episódios existiram e, quando acontece de lembrar, enxergo vários problemas que me impedem de querer ver novamente ou de sentir falta.

Ironicamente, Um ano para recordar não foi uma experiência memorável.

A geração da nostalgia

Eu nasci em 1986, o que significa que faço parte da geração mais nostálgica do universo: O millennial velho. Sou a favor de qualquer revival, reunion, reboot, re-qualquer-coisa de produtos culturais de qualquer época da minha vida. Fuller House? Assisti. How I met your father? Assisto. Show de Sandy & Jr? Fui. Show de Backstreet Boys? Irei.

De vez em quando, caio em alguma conversa aleatória no Twitter sobre isso e me pego pensando nos motivos que levam alguns desses re-qualquer-coisa a serem um sucesso, enquanto outros fracassam.

Para uma série que exibe alguns episódios especiais 9 anos após seu término, talvez não seja um fracasso tão grande que as pessoas não retornem e continuem falando dela. Para um produto digital, você provavelmente não vai querer que as pessoas o esqueçam após utilizar uma única vez.

Mesmo assim, pessoas de produto podem aprender com essas produções.

Uma experiência inesquecível

17 de agosto de 2019. Quase três anos depois do revival de Gilmore Girls, vivi de novo aquela antecipação, quando os irmãos Sandy Leah Lima e Durval de Lima Júnior subiram ao palco em Belo Horizonte.

Ao contrário das garotas Gilmore, essa dupla não trouxe exatamente o que eu pedi, mas trouxe o que eu precisava.

Da mesma forma, um produto não precisa (e não deve) entregar tudo o que as pessoas pedem, mas, sim, o que elas precisam.

Pedir funcionalidade é fácil. No livro Comece Pelo Porquê, Simon Sinek explica que as pessoas se conectam a marcas devido aos seus porquês, mas, se questionadas, elas vão responder o que enxergam como diferenciais ou benefícios das marcas. Isso ocorre porque a parte do cérebro responsável por gerar essa conexão não é a mesma que cuida da linguagem.

A área mais nova do cérebro do Homo Sapiens é o neocórtex, que corresponde ao nível de O QUÊ. O neocórtex é responsável pelo pensamento racional e analítico e também pela linguagem.

As duas seções do meio compreendem o sistema límbico, que é responsável por todos os nossos sentimentos, como confiança e lealdade. É responsável também por todo o comportamento humano e por nossa tomada de decisão, mas não tem aptidão para a linguagem.¹

É por isso que temos dificuldade em expressar nossos sentimentos na vida pessoal e também é por isso que “o usuário nunca sabe o que quer”.

Pessoas usuárias sabem o que querem, sim; elas só não sabem o que precisam.

Voltemos ao show de Sandy & Júnior. Se alguém perguntasse a um grupo de fãs como queriam esse show, cada pessoa traria uma lista de músicas e um conjunto de características que consideravam necessárias para que o show lhe agradasse — eu mesma tinha a minha listinha.

O show que entregaram não atendeu a cada uma das expectativas de cada uma das mais de quinhentas mil pessoas que assistiram. Várias das minhas músicas favoritas ficaram de fora, mas isso pouco importa, pois a dupla conseguiu se conectar com o público e nos fez sentir as mesmas emoções que sentíamos antes.

As pessoas usuárias não querem novas funcionalidades, elas querem que o seu produto as faça se sentir bem.

O caso do Orkut

Há alguns meses, quando começou a novela Musk x Twitter, Orkut Büyükkökten reativou o endereço da orkut.com, com a promessa de uma retomada.

Como nos exemplos anteriores, a primeira rede social do mundo também evoca lembranças que guardo com carinho, pois conheci algumas das minhas melhores amigas em suas comunidades. Tanto pela minha conexão pessoal quanto pela curiosidade profissional, pergunto-me: Como será o “novo Orkut”?

Para quem não se lembra, Büyükkökten também é criador do Hello, lançado em julho de 2016 e descontinuado em abril deste ano, mas não teve sucesso. Em um aplicativo que, para mim, parecia a mistura de Instagram com Twitter, a rede se baseava em personas para conectar pessoas usuárias com interesses em comum.

O lançamento do Hello gerou comoção na internet, mas o assunto morreu pouco tempo depois.

A criação de um novo Orkut pode seguir por alguns caminhos.

O primeiro seria replicar exatamente o antigo site, o que atrairia muitas pessoas com o apelo nostálgico. Porém, o que essas pessoas (incluindo eu e você) talvez não enxerguem é que a forma que interagimos e consumimos conteúdo hoje é diferente de como fazíamos em 2004. Seria como uma série que volta e tem todas as piadas esperadas, mas não consegue se conectar a realidade de seus fãs no contexto em que vivem.

Um segundo caminho seria criar uma rede completamente independente do antigo Orkut, criando um produto do zero. Nesse caso, a frustração estaria na ausência da conexão nostálgica que evoca as boas emoções.

Qual seria a solução?

O texto publicado por Orkut no endereço reativado me chamou a atenção.

Eu sou uma pessoa otimista. Acredito no poder da conexão para mudar o mundo. Acredito que o mundo é um lugar melhor quando nos conhecemos um pouco mais. É por isso que criei a primeira rede social do mundo quando era estudante de pós-graduação em Stanford. É por isso que eu trouxe o orkut.com para tantos de vocês ao redor do mundo. E é por isso que estou construindo algo novo. Vejo você em breve!

Apesar de usar a mesma estética da rede original, ele não focou em possíveis funcionalidades. Ele não fala em “comunidade” como uma página que tem título, descrição, foto de capa etc, ele se refere a “comunidades” e “conexões” no sentido humano.

Orkut Büyükkökten sabe que uma rede social precisa afetar as emoções das pessoas.

Como Sandy e Júnior sabiam que aqueles shows precisavam emocionar o público que os acompanhou nos anos 90, mas que vivem no hoje. O que muda é a forma de comunicar, mas a conexão precisa ser a mesma.

Isso serve para qualquer produto que queira ser inesquecível.

Para pensar

Quais são as emoções que as pessoas usuárias do seu produto sentem ao utilizá-lo? E quais emoções você gostaria que elas sentissem?

Recomendações

* Na minha opinião, a Ted já cobre bem o conteúdo do livro.

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