O que arquitetura e urbanismo e a construção de produto digital tem em comum?

Quando eu comecei a estudar produtos digitais, eu achei que tinha me desligado completamente da profissão que escolhi pra ter um diploma.

Amanda Diniz
Mulheres de Produto
5 min readMay 3, 2019

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Porém, no meio do mergulho pelos cursos de produto e pelas leituras em busca de conhecimento, me dei conta que produto tem muito mais em comum com arquitetura e urbanismo do que eu pensava, ou que talvez muita gente nem saiba que exista semelhança.

Logo que entrei pro curso de arquitetura, fiz uma série de matérias que envolvia a concepção de projetos, e sempre era falado:

“Pessoal, é preciso estudar as obras análogas, não defina o conceito do seu projeto sem obras análogas…”

Estudar obras análogas em arquitetura nada mais é que pegar referências das obras existentes e extrair delas o que deu certo e aprender com o que não deu certo. É conhecer como a usuária se comporta dentro daquela obra, o que ela aprova, o que ela não aprova e porque. Em produto, acontece quase a mesma coisa. Antes de se tomar a decisão de construir um produto, é preciso validar as dores das pessoas usuárias. O que meu produto resolve? Quais são as necessidades dos usuários? Estudar e estar atento ao que deu certo e ao que não deu certo é primordial.

Hoje, muito se ouve falar em edifícios híbridos. São edifícios que se adaptam as experiências e as novas necessidades das pessoas. Ora serve como habitação, daqui 5 anos vira escritórios e daqui 15 anos vira um complexo comercial. Um edifício pode proporcionar essas coisas. Soluções guiadas pelas necessidades e mercado-alvo.

Estranho, acho que li a mesma coisa num livro que me ensinava como gerenciar produto. Li que pra ser uma boa gerente de produto, você tem que ser uma pessoa I.

Ter a cabeça nas nuvem e pés no chão. São pessoas que precisam olhar pro futuro e pensar estrategicamente. Por outro lado, precisam ter segurança e pés no chão. Prestar atenção nos detalhes e conhecerem seus produtos de trás pra frente. Tem que ser a maior usuária o de seus produtos, sua maior fã e sua maior crítica. Ser visionária e fazedora. Nessa parte deu até um nó, eu não sabia se me identificava mais com arquitetura ou com produto.

Pra você ser feliz num projeto de arquitetura, você precisa se imaginar passeando em todos os cômodos e relatando toda a boa e a má solução. Você precisa ficar atenta a todos os detalhes e focar na melhor experiência da usuária. Já pensou se você projeta um banheiro para pessoas com deficiência física mas a cadeira de rodas não passa na porta? Ou ainda, ela não tem mobilidade lá dentro? Só nessa, você acabou com a boa experiência da usuária e possivelmente não irá mais receber nenhuma deficiente física em sua obra de arquitetura.

Pra mim, a grande diferença de um produto digital pra arquitetura é que, muitas vezes, na arquitetura você não tem a facilidade de aprimorar, ou mudar com velocidade as experiências de usuário!

Porém, você tem a possibilidade de reconhecer e aprender com o erro. Às vezes, você vai detectar um erro quando o edifício já está construído, e aí só construindo outro pra solucionar. Mas só uma boa arquiteta ou uma boa gerente de produto é capaz aprender e traduzir isso em atos nos projetos futuros.

Oscar Niemeyer foi um arquiteto brasileiro super renomado, mundialmente conhecido e que, na minha opinião foi um bom gerente de produtos. No caso dele, produtos físicos! Ele foi capaz de ir aprendendo com os erros de projetos e se tornando cada vez melhor no que fazia. Em 1951, ele projetou em Belo Horizonte, o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek.

“Representa uma idealização de habitação coletiva, social. Integra originalmente múltiplas funções que refletem a intenção de introduzir uma “cidade dentro da cidade”. Aqui encontram-se expressões simbólicas e estímulos à percepção e ao imaginário.” (Archdaily).

Edifício JK,Belo Horizonte. Foto:Archdaily.

Nesse edifício ele tem intenção de criar pontos de encontro e de conexão entre as pessoas. Ele projeta um pilotis (conjunto de colunas de sustentação do prédio que deixa livre o pavimento térreo) com comércios, opções de lazer e pontos de encontro para que os usuários do edifício (moradores e ocupadores da cidade) usufruíssem e se apropriassem do espaço público. Porém, com o passar dos anos, a vitalidade que ele esperava não aconteceu. Ele tinha projetado a entrada dos moradores independente dos comércios. Ou seja, as pessoas não se sentiam convidadas e nem eram forçadas a fazer aquele trajeto, e sua ideia de que os comércios e os ambientes de lazeres iam proporcionar vitalidade não tinha sido bem sucedida.

Assim como em produtos digitais, em arquitetura é preciso entender as dores das usuárias! Não adianta projetar uma cozinha linda para uma escritora. Provavelmente precisa de uma biblioteca ou um lugar silencioso onde ela possa buscar inspiração pra sua escrita.

Niemeyer, percebeu que sua estratégia não foi bem sucedida e no edifício Copan, localizado em São Paulo, inaugurado em 1966 (mais de 10 anos depois), ele faz diferente. Ele cria o pilotis com as mesmas referências do edifício JK, pilotis com área comercial, cinema e pontos de encontro. Mas agora, ele projeta as entradas das habitações no mesmo plano que os comércios. Ele “força” as pessoas a transitarem por aquele plano, gerando vitalidade, possibilidades de encontro e mais interação.

Edifício Copan, São Paulo. Foto: Copansp.

Na arquitetura, você espera mais de 10 anos, ou às vezes nem tem a oportunidade de consertar seu erro de projeto. O mundo e as vontades das pessoas mudam a todo instante, e a grande facilidade de mudar a experiência da usuária com base nos feedbacks e nas mudanças de comportamentos é sensacional.

Aprendi na arquitetura que fazer projeto não é tarefa de uma pessoa só. Não é possível trabalhar sozinha. Na construção de um produto digital acontece o mesmo!

Vamos imaginar que vou projetar um museu e validei que meus maiores usuários são pessoas idosas. Eu projeto uma escada linda que vai aparecer em várias revistas ou uma rampa de acessibilidade? Eu penso na usabilidade do meu projeto ou só na estética? É possível que se a escada realmente fosse bonita, ela sairia numa capa de revista, mas os maiores usuários não frequentariam o museu e em pouco tempo sua vitalidade estaria fadada. Na construção de um produto também é preciso empatia. É preciso entender quem são as usuárias e como elas se comportam. Saber se sua solução de fato vai suprir as suas dores e se economiza tempo e dinheiro. Ninguém quer construir nada que seja bonito mas não seja usado.

Aprender sobre produto tem sido uma experiência incrível, sigo nos estudos e caso tenha mais conclusões sobre o assunto eu volto por aqui.

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