Portas de vidro
Me deparei com um vídeo falando sobre mulheres em tecnologia e fiquei impactada. Trago aqui o conceito de portas de vidro e falo da minha experiência enquanto mulher vinda da engenharia para o mundo tech.
Antes que alguém fale que é questão de opinião…
Infelizmente, as dificuldades enfrentadas por mulheres no mercado de trabalho são pontuadas em pesquisas, dados, artigos. Não é opinião. Ainda não temos o mesmo prestígio, salário, credibilidade, OPORTUNIDADES, mesmo trabalhando mais e sendo completamente competentes. A diferença se torna ainda mais acentuada quando fazemos os recortes interseccionais. Em artigo, a CEO da startup Mulheres no Comando reuniu alguns gráficos que traduzem as diferenças salariais.
Existem muitos mecanismos históricos que servem à manutenção desse status. Conheci recentemente os conceitos de Teto e Portas de Vidro, fenômenos que ajudam a explicar porquê de termos poucas mulheres em cargos de liderança e em áreas ligadas às ciências exatas.
Os obstáculos que superamos
No TEDx Talks da Ciranda de Morais, ela fala sobre o fenômeno do Teto de Vidro que representa as barreiras invisíveis que uma mulher enfrenta no mercado de trabalho para ascender na sua carreira e atingir posições de liderança. Tratam-se de obstáculos sutis, aparentemente invisíveis, mas que desaceleram a progressão, explicando assim o menor número de mulheres em cargos de alta liderança e, consequentemente, com melhores salários.
Essa mesma teoria evoluiu para a Teoria do Labirinto que explica: hoje temos mulheres chegando a essas lideranças, mas passando por caminhos muito tortuosos e desgastantes, o labirinto. Então ainda que cheguem aos objetivos de carreira, elas estão mais cansadas por essa trajetória.
E então chegamos num fenômeno parecido: as portas de vidro. A ideia é similar ao Teto de Vidro mas não diz sobre a ascensão e sim sobre a vivência de carreiras ditas pertencentes aos homens. Elas representam os impasses da falta de representatividade, da possibilidade de se ocupar esses lugares. A relação causa-consequência entre o estereótipo de “matemática é para garotos” e baixa presença de mulheres em tech foi traduzida em dados como resultado de pesquisa.
Trazendo mais um dado, a consultoria em recrutamento Yoctoo nos mostrou em 2021 que 82% das entrevistadas (mulheres em TI) apontam como maior desafio ter de provar, a todo momento, a própria competência.
O meu relato
Para contar um pouco das portas de vidro que encontrei, primeiro explico a trajetória: fui ratinha de olimpíada de matemática quando adolescente, cursei engenharia aeronáutica e hoje trabalho com tecnologia (mais especificamente com desenvolvimento de Produto).
Durante a faculdade, escutei que “até que” era inteligente para uma mulher, ou “nossa, mas isso é coisa de mulher?”. O corpo docente? Mais de 85% composto por homens. E o discente? Não era muito diferente disso. Foi enquanto eu estava no curso que o primeiro banheiro feminino do bloco da minha unidade foi construído (depois de + de 50 anos de história, hein).
No trabalho, um dia na cozinha da empresa, ouvi que finalmente tinha encontrado meu lugar lá. No trabalho seguinte, piadas constantes sobre ser “mais macho que muito homem”. No seguinte, em pouco tempo recebi um feedback de que a minha postura não estava legal pois era um lugar de “muitas opiniões fortes” e estavam precisando de pessoas conciliadoras. Adivinhem quem era a única mulher na mesa e quem esperavam que fosse a pessoa conciliadora? E os exemplos continuam…
Eu só fui entender que o problema não estava em mim quando falei com outras mulheres. Todas enfrentamos tons condescendentes, decisões questionadas o tempo todo, suposições de que faríamos tudo ligado às “soft skills”… Tivemos de nos provar e desdobrar para encontrar caminhos nesse labirinto ou quebrar as portas que estavam bloqueado nossa estrada.
Ainda bem que existe força em se entender nesse coletivo, trocar histórias e buscar mudança. 💜
Tecnologia como potencial transformador
É importante se fortalecer e ser quem se é. Evitar as portas de vidro não é uma opção saudável, ou melhor, nem deveria ser uma opção. Nós podemos desviar ou quebrá-las, o importante é seguir o caminho do seu propósito.
Se ele te leva a tech, seja bem-vinde!
É importante que tenhamos aliades nessa transformação tecnológica, pois se hoje encaminhamos para uma quarta transformação industrial, o poder em breve será medido em saber tecnológico (e já é!). Então é preciso saber e pensar tecnologia de forma inclusiva, de forma que ela seja um meio de transformação social em direção à equidade e não a um aumento de disparidade.
E você, o que pensa disso?
