Programa de embaixadoras: desafios e aprendizados

Talita Morais
Mulheres de Produto
7 min readNov 21, 2023

Exatamente dia 13 de julho de 2020, no fatídico ano de início de uma pandemia, Cassiane Vilvert me mandou uma mensagem lá na comunidade perguntando se a Mulheres de Produto tinha um onboarding para novas voluntárias com guias sobre o que fazer e artes para divulgação nas redes sociais.

Nós simplesmente não tinhamos nada parecido com isso.

Desde sua criação, a comunidade sempre vinha crescendo tanto em número de membras no Slack quanto em número de voluntárias e iniciativas. E no meio dessa forma bastante orgânica de crescimento, não havia espaço para um onboarding institucional, ou pelo menos era o que nós acreditávamos, pois sempre priorizamos mais a operação de cada iniciativa do que qualquer outra coisa.

Mas a ideia da Cassi naquele dia foi amadurecendo e quanto mais falávamos sobre isso, mais passava a fazer sentido a preocupação não só com o onboarding, mas com um reconhecimento de fato das mulheres voluntárias. Àquela altura nós já enfrentávamos alguns desafios e eu destaco dois bastante importantes:

Queda no engajamento das voluntárias

2020 não foi um ano fácil para as mulheres da comunidade. A incerteza gerada pela pandemia e o isolamento social fizeram com que muitas mulheres necessitassem de um tempo para avaliar suas prioridades. Conciliar filhos fora da escola, tarefas domésticas e tantos outros afazeres presentes na carga mental feminina se tornou muito mais difícil do que de costume. Por isso, algumas voluntárias optaram por dar um tempo dos compromissos com as iniciativas. Além disso, algumas voluntárias estavam desmotivadas devido à falta de autonomia para tomar decisões. Em 2020, tínhamos um modelo com voluntárias e um conselho que auxiliava as iniciativas, mas esse modelo mostrou-se pouco efetivo em fornecer o suporte necessário às equipes de voluntárias, o que acabava desmotivando muitas mulheres.

Desconhecimento sobre algumas iniciativas

Com o crescimento orgânico de voluntárias mencionado anteriormente, ficava cada vez mais difícil para mim e para a Jacqueline estarmos a par do que estava acontecendo. Era difícil saber quais mulheres estavam realmente atuando em alguma frente, quais frentes estavam enfrentando mais dificuldades, entre outras coisas. Portanto, também era difícil identificar os problemas e priorizar as iniciativas que mais precisavam de ajuda.

Em nossa comunidade, as mulheres são extremamente importantes. Sem as membras e voluntárias, não existe comunidade. Por isso, foi essencial priorizar ações que abordassem os desafios mencionados. Optamos por valorizar o reconhecimento e a autonomia para reverter essa situação, pois se continuasse por muito tempo, poderia comprometer tudo o que tinhamos construído até então.

Lançamento do Programa de Embaixadoras

É neste contexto, em março de 2021, que nasce a primeira versão do Programa de Embaixadoras. Decidimos criar o cargo de embaixadora para:

  1. Oficializar cada voluntária que já estava envolvida em alguma atividade ou iniciativa, resolvendo assim o desafio de não saber quem está fazendo o quê;
  2. Reconhecer todo o trabalho prévio desenvolvido por essas mulheres. Ser embaixadora é ter voz e levar as ideias da comunidade para quem ainda não nos conhece;
  3. Recrutar novas voluntárias;

Também criamos um onboarding institucional com uma apresentação da comunidade, alinhamento de expectativas e funções, além de um kit para divulgação nas redes sociais. Essa última parte foi muito interessante de aplicar e observar as mulheres compartilhando com suas redes que estavam começando um trabalho voluntário na comunidade. Isso confirmou a importância de fornecer condições para que o senso de pertencimento sempre exista e que isso as motive a continuar atuando.

Os números desta primeira versão também foram impressionantes. Um total de 54 mulheres se inscreveram e, dessas, 23 foram selecionadas como embaixadoras.

Evolução do programa

Desde 2021, experimentamos alguns modelos e evoluimos o Programa de Embaixadoras para nos aproximarmos cada vez mais das expectativas da comunidade e das próprias embaixadoras.

Na primeira versão, planejamos realizar ciclos de aproximadamente 6 meses, para que as embaixadoras tivessem tempo para atuar e, se desejassem, continuar em um novo ciclo.

De outubro de 2021 até junho de 2022 tivemos 68 inscritas e 48 embaixadoras ativas.

De Julho até dezembro de 2022 foram 92 mulheres inscritas e 21 selecionadas.

MDP Curtas

Conforme os ciclos do programa foram se desenvolvendo, os times foram crescendo e surgiu um novo desafio: como gerenciar essas mulheres e mantê-las engajadas?

Percebi que nossa estrutura não acompanhava a evolução do programa. Mantínhamos o conselho de um lado e as embaixadoras do outro. Havia um vazio que precisava ser preenchido para que os processos fluíssem melhor entre nós. Decidimos então extinguir o papel do conselho e criar uma camada intermediária entre a diretoria da comunidade e as embaixadoras. Essa figura é a líder de projeto. Dessa forma, nossa estrutura ficou assim:

Essa mudança trouxe mais agilidade na resolução de problemas das iniciativas e, ao mesmo tempo, oferece oportunidades para as mulheres experimentarem a liderança de pessoas em um contexto mais amigável, onde elas podem aprender e decidir se é algo que gostam e desejam para suas carreiras. As líderes de projeto continuam sendo a ponte perfeita entre a diretoria e as embaixadoras.

Formato atual

Ao final do ciclo de 2022, percebi que, com o tempo, as iniciativas se tornaram mais maduras e os times mais entrosados, o que reduziu a necessidade de convocar grandes grupos de novas embaixadoras. De janeiro a julho deste ano, realizamos o último ciclo nesse formato mais conhecido. Mais de 100 mulheres se inscreveram e 12 foram selecionadas. Dessas selecionadas, 90% permanecem no programa até hoje.

Desde então, estamos trabalhando sob demanda, ou seja, quando uma embaixadora precisa se afastar ou sair definitivamente da iniciativa, abrimos uma vaga específica para a função que ela desempenhava. Isso mostra o quanto os times estão consolidados e maduros, pois existe cada vez menos a necessidade de troca de pessoas ou novas convocações para voluntárias.

Workshop lotado!

Aprendizados

Depois de quase 3 anos de história, devo admitir que aprendi muito com esse programa, que continua forte graças a todas as mulheres que se voluntariaram. São aprendizados que enriquecem minha trajetória e me fizeram evoluir em outras áreas da minha vida.

Alinhamento de expectativas

Desde o início de uma nova embaixadora no programa, gostamos de alinhar quais são as nossas expectativas com esse papel e o que ela também pode esperar da própria atuação e da diretoria da comunidade. Aprendi a alinhar expectativas em outras partes da minha vida sem medo.

Comprometimento

Ser embaixadora não é sobre quanto tempo você tem para se dedicar, mas sim sobre fazer o melhor com o tempo que você tem. A partir do segundo ciclo do programa, passamos a perguntar para as voluntárias quanto tempo elas teriam por semana para se dedicar à iniciativa. Fazer essa pergunta alinha a expectativa em relação ao comprometimento de cada parte e nos ajuda a entender se o time precisa ser maior. Aprendi que comprometimento é mais sobre qualidade do que quantidade.

Motivação

Nós mudamos o tempo todo e nossa motivação acompanha esse ritmo. Com as embaixadoras não é diferente. Suas motivações podem mudar ao longo do tempo e aquela iniciativa que ela adorava pode não fazer mais sentido hoje, ou mesmo o próprio programa de embaixadoras pode deixar de fazer sentido na vida dessa mulher. Aprendi a entender minhas próprias motivações e a me conhecer melhor.

A perfeição não existe

Mesmo pensando o programa com a melhor das intenções, ele não é perfeito e acredito que nunca será. Mas hoje não encaro isso como um problema, mas sim como um motor que sempre vai manter esse programa em movimento, em adequação. Vontade de fazer tudo perfeito e boas intenções não evitam que algumas coisas fujam do nosso controle e que aquela reunião online com todas as embaixadoras que você achou que ia ser um sucesso, não aconteça. Aprendi a acolher minhas próprias falhas e focar na solução ao invés do problema.

Conclusão

Considero que tirar do papel a ideia desse programa junto com Cassiane Vilvert foi um divisor de águas para a comunidade Mulheres de Produto e muito importante para a estruturação dessa instituição como ONG.

Criar este programa trouxe diversas vantagens, desde a parte mais prática como saber exatamente quem está fazendo o que, até resgatar o senso de pertencimento e reconhecimento por um trabalho voluntário. Sim, trabalho voluntário é trabalho

Sou muito grata por poder compartilhar um propósito com mulheres tão determinadas e engajadas. O Programa de Embaixadoras segue com muitos mais desafios pela frente, mas com a certeza de que ele é necessário e um caminho sem volta.

Números do programa de 2021 até 2023

261 mulheres já se inscreveram

78 mulheres já passaram pelo programa

45 mulheres são embaixadoras atualmente

6% das embaixadoras da primeira versão do programa continuam com a gente até hoje

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