Sendo uma Product Owner de Startup: A Experiência

Amanda Bento
Mulheres de Produto
7 min readJun 22, 2021

Dizem que o período de experiência em uma empresa é o momento de provar seu próprio valor, mas no mundo VUCA, isso ainda é a realidade?

VUCA já é uma buzzword. Na era das lives onde todos despenderam energia para fazer ou para assistir a uma, esse termo se tornou característico para descrever o contexto pandêmico, mas como tudo o que é muito saturado, eu sempre girei os olhos quando ouvia alguém citá-lo.

Até que um dia eu entrei numa startup e pude realmente entender o que essa sigla significa. Fui Product Owner na Ipê Digital, a empresa responsável pelo ssOtica, o melhor sistema de gestão especializado em Óticas.

Durante meus 90 dias por lá, percebi que o VUCA está muito presente no DNA de uma Startup, além do Efeito Juscelino Kubichscek Startupeiro: 90 dias parecem 90 meses e tudo se renova muito rapidamente, exigindo constante desembaraço estratégico.

A necessidade do negócio, ainda que tenha foco em CNAEs específicos, exige uma inovação de processos contínua, promovendo a cultura de produto à flor da pele. Etapas de Discovery duram 2 dias ou 2 meses, MVPs rodam ou pivotam em um dia ou um ano e tudo coexiste em harmonia apoiada na versatilidade das pessoas que compõem a organização.

Vivi o melhor mundo de uma startup: a cultura de gente que se sente dona e o ambiente de inovação flexível. Nesse panorama, em todas as especialidades e cargos, é possível sentir a energia de comunhão com o propósito e o grande porquê: precisamos ajudar nosso cliente. Em todas as empresas que já passei essa foi a única que senti o cliente presente em todas as decisões, sendo o grande ponto motriz das decisões de produto.

Mas o que isso tem a ver com a tal da VUCA? Primeiro vale reforçar o que é essa sigla, contextualizando com o desenvolvimento de produtos:

  • 🕑 V: volatile — Volátil: Qual é a durabilidade? É possível prever quando um produto expira?
  • 🤔 U: uncertain — Incerto: É preciso assumir certos riscos, mas quais? Tá com medo? Vai com medo mesmo.
  • 🕹️ C: complex — Complexo: Qual o nível de complicação desse produto/projeto/ação? O quanto de força vamos despender para entregar o valor mínimo mais rápido?
  • 🔃 A: ambiguous — Existem vários caminhos para se seguir, um não necessariamente anula o outro, então qual é o certo?

🕑Volatile (Volátil)

Tudo passa — e passa mesmo. Das piadinhas de farofa com uva passa no natal até a verdadeira compreensão da temporalidade das coisas, gasta-se uma vida inteira para compreender o peso dos ponteiros em movimento. A sensação contínua de estar sendo manipulado pelo tempo é comum, tanto que muitas vezes vejo pessoas comentando “Oh meu Deus, mas já estamos em Junho?” Sim, já estamos em Junho. E o que você fez?

Pensando nessa linha, muitas features se tornam obsoletas com o tempo. Processos despencam de árvores complexas e emaranhadas como frutas maduras e resta só uma questão: o que é perene?

Me perguntei isso muitas vezes, ao observar as premissas de business plans de 5 e 10 anos em todas as empresas que já passei. Roadmaps ambiciosos de até 15 meses, ou release plans de 5 anos. Já vi tantos excels e powerpoints belíssimos, bem ajustados e coloridos que hoje, uma pandemia depois, me pergunto se ainda continuam bonitos.

Na startup aprendi que planejamento agora se torna um mapa a ser seguido, uma singela coleção de premissas que devem se resumir a um ou dois OKRs:

OKR: Este é o nosso objetivo 1.

Iremos medi-lo através de:

I) Esta métrica, obtida deste modo

II) Esse indicador, medido deste modo.

Power Points infindáveis se tornaram frases curtas “Este é o nosso objetivo e vamos medi-lo assim”. A transparência entre as áreas executivas e a simplificação de objetivos foi essencial para compreender que perene mesmo é a necessidade de testar e “por na rua” em vez de analisar e planejar por meses a fio.

Onde estão as salas de PMO e os warooms com os gráficos e post its colados na parede? Como gerenciar projetos e equipes, sem a parede?

Nesse contexto volátil, é preciso mapear em vez de planejar cada passo. Definir objetivos e os jeitos certos de medi-los em vez de setar forecasts e mandar os times se desdobrarem para cumpri-los a qualquer custo.

Compreender o propósito, o contexto global e a volatilidade e assim mapear as decisões começando pela sua parte mínima viável tornou- se a atitude essencial do mapeamento de receita e lucro dos próximos meses (talvez sempre foi assim, a gente é que não percebeu).

🤔 Uncertain (Incerto)

Esse e um dos meus preferidos. A incerteza das coisas é o que há de melhor delas.

Percebi de perto o quanto as pessoas têm medo das incertezas e quão natural dos humanos isso é. Quando os business plans e roadmaps começaram a se desfazer no vento como aquela música “Dust In The Wind”, comecei a me perguntar: o que dá pra prever?

Aí tive a resposta: nada.

Ciências se dedicam a predição das coisas, como disciplinas em MBAs de gestão de projetos, cálculos em bancos de dados ou até pela astrologia e leituras de signos. A gente pode até ter um cheiro de como serão as coisas, mas nada nos prepara para quando os planos dão errado.

Pensando nisso, comecei a dedicar mais tempo em executar mais e prever menos.

Percebi o verdadeiro valor do resultado de um MVP e decidi, a partir dele, tomar as decisões que precisam ser tomadas. Troquei as semanas de plannings intermináveis pela simplificação das menores partes possíveis.

Dentro de todo esse valor que estamos gerando, o que dá pra entregar agora?

Como vamos medir o sucesso dessa entrega?

E assim conseguimos colocar na rua MVPs menos robustos, assumindo sem orgulho os erros e falhas das versões beta e lutando para entender como o cliente se comportava com aquele produto. Colhemos bons frutos.

🕹️ Complex (Complexo)

Sempre que eu penso em coisas complexas eu me lembro de que quadruplicamos a quantidade de dados gerados desde 2003. Nesse mar de dados, novas linguagens e frameworks, como faremos as pontas se ligarem de maneira inteligível?

Qual é o fio de Ariadne dentro da arquitetura de um software que o faz rodar da forma esperada, em vez de se perder nas paredes do labirinto de informação?

Logo de cara percebi que precisava aprender pelo menos o básico sobre arquitetura de dados. Fui atrás de todos os cursos possíveis sobre isso, tudo o que tinha “data for dummies” fui inventar de ler e descobri: eu não vou conseguir me aprofundar nisso agora.

E tá tudo bem.

Percebi que, na minha sede por saber de tudo um pouco, eu me perderia no personagem. Entendi que nesse mundo é bom ter aquela visão de tudo, mas ainda é preciso refinar e se aprofundar naquilo que você é bom, porque pode ser que alguém precise dessa sua especialidade.

Eventualmente, alguém pode me ajudar a analisar alguma informação ou ter uma skill que complemente a minha e com isso consigo aprender a confiar no time. Em paralelo, continuo estudando arquitetura de dados, mas sem tanta pressa assim.

🔃 Ambiguous (Ambíguo)

Eu acredito que o tempo não é linear. Estamos constantemente vivendo círculos que se repetem de forma disfarçada e exigem de nós a capacidade de discernir o que é o final e o começo.

Dentro do contexto da ambiguidade em produtos, vemos muitos caminhos a serem tomados na hora de um discovery ou de uma pesquisa inicial. Qual fornecedor escolher? Qual deve ser o foco da solução? Quem é nosso público?

Muitos caminhos se abrem e é preciso fazer escolhas e nessas horas só consegui tomar decisões porque me mantive firme na busca pelo porquê de tudo.

Qual é o grande porque desse produto? Foi a pergunta que guiou todas as decisões que precisamos tomar. Essa pergunta sempre se quebra em muitas, se tornando uma miríade de possíveis cenários e soluções

Por quê? Como? e por último O quê?

Se você já leu o livro do Simon Sinek vai saber bem mais no detalhe do que eu estou falando. Sem porque, não temos um Como e nem um O quê, por isso, Comece Pelo Porque não só porque é uma boa maneira de priorizar as coisas, mas porque é um jeito de escolher o caminho certo.

Pessoas acreditam e seguem motivações. Pessoas não compram o que você vende, elas compram o porque você vende. E essa simplicidade bruta pode ser o grande segredo de todos os growth hacks por aí.

Sem dúvida esses três meses ensinaram que período de experiência é todo dia. Nesse mundo VUCA, os dias passam depressa e tudo se ressignifica muito rápido. E fala sério? Isso é bom demais!

Parto para um novo desafio, ainda carregando esse período de intensidade comigo. ❤️

Amanda Bento gosta que chamem-na de Mands. É Especialista de Produto na Ambev Tech, Embaixadora das Mulheres de Produto e apaixonada por negócios. Além de ser formada em Filosofia, estuda Gestão de Projetos e adora escrever. Você compra seus livros aqui e pode também segui-la no Instagram e Goodreads.

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Amanda Bento
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product manager and professional writer. find me @mulheresdeproduto