Tudo no meu tempo e na minha cultura.

O que aprendi sobre diversidade, equidade, inclusão e pertencimento trabalhando em uma equipe global.

Jessica Esquenazi Hollander
Mulheres de Produto
7 min readJun 28, 2022

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Até começar a pandemia, eu fazia parte do grupo que nunca havia trabalhado de casa. Estava acostumada a levantar cedo, pegar o metrô até o trabalho e ter aquele dia clássico de uma pessoa de produto no escritório, me movimentando entre diferentes áreas. Na maioria das empresas em que trabalhei a área de negócios e a área de tecnologia não ficavam no mesmo andar, e , em especial quando trabalhei para um banco multinacional em São Paulo, não ficavam nem se quer no mesmo prédio.

Assim que comecei a trabalhar remoto por conta das restrições da pandemia, comecei a perceber uma série de benefícios do home office, mesmo estando em uma empresa que não estava acostumada com esse modelo e precisou se adaptar rapidamente. No entanto, foi somente quando entrei para uma empresa global que já era 100% remota antes da pandemia, que aprendi que algumas coisas podem ser (e são) muito diferentes, quando se respeita o tempo e a cultura de cada um.

Tudo bem se alguns trabalham enquanto outros dormem.

Empresas que estão apenas começando com a cultura do home office, ou apenas tolerando esta realidade por conta da pandemia, exigem que a equipe esteja sempre trabalhando no mesmo horário, mesmo quando é possível realizar o trabalho se forma assíncrona. Muitas empresas fazem a clássica primeira reunião do dia no horário de início do expediente de propósito, para garantir que todos iniciaram o dia de trabalho juntos e possivelmente observar e punir os atrasados.

Empresas acostumadas com o trabalho remoto, sobretudo com equipe em diferentes fusos, sabem que em muitos tipos de trabalho, o time não precisa estar trabalhando ao mesmo tempo, apenas ter uma ou duas horas de expediente em comum caso haja necessidade de esclarecer algum ponto de forma síncrona. Em empresas com esse nível de maturidade, cada pessoa é livre para escolher suas horas de trabalho e conciliá-las com suas outras responsabilidades na vida. Um time avaliado pelo seu desempenho saberá organizar suas responsabilidades em um trabalho flexível.

Existem pessoas que rendem melhor trabalhando à noite e preferem passar o dia com os filhos, ou estudando, ou fazendo outras atividades, e está tudo bem. Tem pessoas que preferem acordar super cedo e usar a parte da tarde para cuidar da casa e dos filhos. Tudo bem também. Uma vez que se quebra a necessidade de colocar um time inteiro que trabalha de forma independente para trabalhar ao mesmo tempo, se permite que cada pessoa se organize para trabalhar da forma que irá render melhor e aproveitar mais a vida pessoal e profissional.

Essa lógica de permitir que cada um trabalhe no seu horário também ajuda a diminuir as interrupções. As exigências de que tudo seja respondido na hora (até mesmo o que não é urgente). Em um time em que uns trabalham em quanto outros dormem, uma pessoa sim, enviará mensagem para outra enquanto ela estiver dormindo e vice-versa. Isso cria uma maturidade no time de confiar que será respondido quando a pessoa estiver disponível, assim como saber que está no direito de não responder mensagens fora do seu horário de trabalho.

Uma empresa experiente em trabalho remoto sabe que bons funcionários são aqueles que sabem a hora de trabalhar e a hora de se cuidar, construindo assim um time feliz, comprometido e de baixo turn over.

No time de tecnologia ainda existe uma vantagem interessante em ter pessoas trabalhando enquanto outras dormem — sempre terá alguém disponível pra fazer o deploy no horário mais seguro, quando o sistema sai do ar, ou algum outro imprevisto acontece.

Nos meus primeiros meses como Product Manager na Powertofly, decidi experimentar o horário das 7 da manhã às 15 horas. A grande maioria do meu time estava do outro lado do oceano atlântico e, portanto, começavam a trabalhar enquanto eu ainda estava no início da minha noite de sono.

Pensei que dessa forma teria mais tempo com o time e ainda mais horas livres ao longo do dia para fazer atividade física. Testei por um mês e não me adaptei. Descobri que prefiro surfar ou ir para academia de manhã, já começando o dia ativa, ao invés de fazer essas atividades após um expediente inteiro de trabalho. Também percebi que o time já estava bem treinado em comunicação assíncrona e não havia muita necessidade em ter mais de uma ou duas horas de trabalho em comum.

No mês seguinte, passei a começar a trabalhar às 10 e funcionou muito bem para mim. Enquanto eu preferi o horário convencional, aprendi que muitas pessoas do time são incrivelmente beneficiadas pela flexibilidade de escolher quando começar e parar. Para mim o exemplo mais extremo o de um colega de Bangalore, que começa a trabalhar as 18 horas e termina no meio da madrugada. Para ele, é a melhor forma de conciliar um trabalho integral com sua faculdade, e consegue encaixar boas horas de sono, porém não nos horários convencionais.

Cultura empresarial é diferente de contratar pessoas que pensam igual.

Se em uma empresa presencial — que faz um bom trabalho em cultivar a diversidade, equidade e inclusão — já encontramos pessoas com diferenças de criação como classe social, religião e educação, quando se abre as portas para o trabalho remoto, essas diferenças podem tomar uma escala global. Cada um enxerga o mundo através de sua própria lente. Essa divergência não é um problema, mas sim a solução. Um barco com pessoas que pensam igual afunda mais rápido que um barco com pessoas refletindo sobre um mesmo problema, cada uma com seu ângulo e perspectiva únicos.

É necessário uma empresa com muita maturidade em cultura empresarial para que cada membro da companhia, desde a CEO ao estagiário, reconheça e respeite as diferenças. Parece algo óbvio, que já estamos cansados de ouvir, mas ouso dizer que escutei isso a vida inteira em diversas empresas por que passei, mas nunca vi acontecer na prática.

O que mais vemos hoje no mercado de trabalho são empresas fazendo todo o tipo de publicidade para construir uma imagem de empresa que apoia e valoriza a diversidade, mas que não vão além disso: publicidade. O que acontece é que a empresa consegue contratar alguns poucos funcionários de criações diferentes da maioria da empresa, que após uma semana de trabalho já percebem que não se encaixam e passam a trabalhar em desconforto, prontas para aceitar a próxima oportunidade na esperança de encontrar uma empresa que verdadeiramente respeita e valoriza a diversidade cultural de sua equipe.

Na minha equipe atual, temos pessoas da Índia, do Egito, do México, do Peru, do Brasil e dos Estados Unidos. No meu dia-a-dia também interajo bastante com pessoas da Jordânia, Rússia, Nicarágua, Argentina e Ucrânia. São muitas as diferenças culturais. Para um time desse nível de diversidade — e não somos somente diversos em nacionalidade, mas também em gênero, idade, orientação sexual, classe social, religião e criação como um todo — é necessário dominar alguns conceitos que vou listar abaixo e que, é claro, deveriam ser um mantra para todas as empresas:

  • A forma como nos vestimos, arrumamos nosso cabelo, tatuamos nosso corpo e nos portamos de modo geral é parte de quem somos. Uma empresa nunca deve exigir de um funcionário que mude sua forma de ser. Tirar de uma pessoa sua própria identidade é uma agressão terrível que no Brasil chega a ser banalizada a ponto de histórias como a seguinte acontecerem todos os dias: trabalhadora negra é humilhada e demitida após denunciar racismo.
  • Profissionais de diferentes criações vão se comunicar de forma diferente. O que para uma cultura seria considerado grosseria, para outra pode ser apenas a forma comum de se expressar. A chave para receber equipes com culturas e criações diferentes, valorizando cada um, é exercitar a comunicação transparente e a vulnerabilidade. É papel da pessoa que interpretou uma grosseria, conversar abertamente com sua colega para perguntar se realmente sua interpretação estava correta. É papel da pessoa que foi considerada grosseira, após ser questionada pela colega, contar mais sobre sua cultura e sua forma de expressar.
  • Pessoas de religiões não Cristãs — ou da religião que não é a dominante da empresa/país — deveriam ter o claro e indiscutível direito de se ausentar do trabalho em suas festividades e cerimônias religiosas sem ter de pedir permissão para os superiores. Avisar? Claro! Sempre avisar, porém nunca pedir permissão.
  • Mães e pais vão sim precisar perder algumas reuniões e fazer horários mais flexíveis. Isso não os torna menos profissionais que pessoas que não precisam se preocupar em fazer esse malabarismo de tempo e responsabilidades. A chave aqui é fazer com que tanto a liderança quanto os colegas não julguem a pessoa por esses acontecimentos, mas tenham a empatia necessária para entender que o importante é combinar quais os resultados esperados e avaliar a pessoa com base no que foi definido.
  • Micro agressões são um problema verdadeiro que se não endereçado podem ferir uma pessoa profundamente. O que dói mais? Quebrar uma perna ou ser picado por um enxame de abelhas? A resposta é: não importa, os dois são terríveis e precisamos evitá-los. O que não falta no mundo são empresas que dizem respeitar diferente culturas, mas fazem piadas e brincadeiras de mal gosto. Cada brincadeira, por mais que para os autores não pareça, é mais uma picada de abelha para quem está do outro lado. Empresas que levam a sério a diversidade, a equidade, a inclusão e a construção do senso de pertencimento sabem a gravidade das micro agressões e ensinam ao time a importância de denunciar e não aceitar esse comportamento.

Por fim, gostaria de encerrar com uma reflexão: quantos dos pontos acima sua empresa pratica? Como você pode ajudar a sua empresa a se tornar um lugar melhor para mulheres, para a comunidade LGBTQA+, para a cultura negra, para pessoas de religiões não cristãs, para pessoas com deficiência, para imigrantes e para todas as outros grupos que ainda estão conquistando sua representatividade no mercado de trabalho?

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