A mulher de mais tarde

a melhor versão de mim

Conheço bem, tenho a certeza de que virá em um dia em que ninguém a espera, de onde ninguém imagina, a não ser eu. É naturalmente calma e tem paciência, apesar de morar no centro da cidade. Vive em um apartamento só seu — e do seu gato. Quando sonha com chuva fecha as janelas, em casa anda sempre descalça, detesta sentir calor nos pés. Têm tantas dores escondidas nos olhos, dores que as madrugadas conheciam bem mais, mas aprendeu a lidar com elas da melhor forma que podia: fazendo arte. Fala do amor como se fosse conhecido distante, é saudosista na medida certa. Para sentir saudade basta existir, ela diz e sorri, enquanto encara o espelho antes de sair.

Sabe se expressar, sabe se impor, sabe sair das mais diversas situações como exímia equilibrista, não tem medo de altura, porque já aprendeu muitas vezes a cair. Guarda ainda os sonhos da juventude, ela os fez realidade quando a maioria os fez loucura. Semana passada encontrou um grande amor na rua, o usurpador de suas certezas, e o agradeceu. Sem ele não teria descoberto que merecia mais e que se amava pouco para isso. Seguiu em frente sem sequer pensar em olhar para trás, ela não pertencia ao passado. Sabia fechar ciclos.

Descobriu uma paixão por viagens, aprendeu línguas novas, plantou uma horta na varanda. Cuida da saúde, porque sabe que esse é o maior bem que possuí. Encontrou a paz onde antes travou a maior guerra de sua vida: na própria mente.

A conheço bem, porque sou seu pior inimigo, a versão inacabada, falha e omissa. Sou tudo que ela não é, tudo que ainda é. Possuímos o mesmo rosto e o mesmo tom de voz meio rouco, o mesmo mistério, o mesmo credo, carne e caligrafia, a mesma harmonia desafinada. Possuímos os mesmos olhos na escuridão da madrugada. Ela é tudo o que sempre quis até hoje, mas amanhã posso querer ser outra, amanhã ela pode ser eu.

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