A violência do golpe também é do lado de dentro: enfrentando o Brasil de hoje e tratando a depressão

Juliana Torres
Mulheres que Escrevem
4 min readSep 1, 2016

Quando tive o primeiro contato com as notícias vindo do Brasil, senti como se estivesse caindo em um poço profundo. Essa é a sensação diária de quem luta contra a ansiedade, mas venho me tratando há seis meses e esses sintomas não são mais tão corriqueiros. Foi estranho sentir de novo algo que eu me acostumei a esquecer. Como todos os outros brasileiros, pró ou contra o golpe parlamentar finalizado ontem, 31, fui ler notícias, pesquisar matérias, procurar fatos que me preparassem para o que estaria por vir. Não encontrei muitos e o porquê não poderia ser mais obvio.

A sociedade, assim como a maioria das pessoas dentro dela, sofre de ansiedade e depressão. Ela não está só dentro da nossa cabeça, mas em cada fibra do mundo em que vivemos. Como jornalista e pesquisadora, não tenho nenhum dado para confirmar minha conclusão, então não quero soar como a dona da verdade. Convido um sociólogo para discutir o assunto. Mas, a verdade, já que estamos falando dela, é que não existe mais tempo de respiro, não existe mais reflexão. Imediatismo. Nossas ansiedades são diariamente alimentadas pelas ansiedades da nossa comunidade. Um corpo civil a procura de atenção, como um homem que busca fôlego depois de uma crise de síndrome do pânico, ou uma criança que desrespeita a mãe como uma forma de pedir socorro. Não existe lógica ou paciência, nem no Brasil, nem em lugar nenhum no mundo.

Então, se dentro de nós o turbilhão de emoções ofusca a tomada de decisão, como podemos buscar ajuda em um povo doente por soluções imediatas e respostas vagas, que lhes saciam imediatamente uma necessidade muito mais complexa? Ainda não existe resposta. Eu não sei como nos curaremos, enquanto sociedade, de um problema que ainda é tabu para aqueles que estão procurando uma resposta para as inquietudes do seu dia a dia? Para aqueles que não sabem porquê choram, porquê não querem sair de casa para trabalhar, porquê esperam ansiosamente pelo fim de semana, não pelo descanso, mas para, de alguma forma triste e inútil, tentar fugir da própria realidade.

Se não enfrentamos os nosso próprios fantasmas, que moram na nossa mente, um lugar tão particular, como enfrentaremos essa sociedade insegura sobre suas próprias vontades? Que não consegue sequer tomar um fôlego antes de destilar opiniões redundantes e óbvias, ao invés de tentar buscar outros ângulos, novos argumentos e, talvez, discussões mais eficazes?

O Social Necessário

Se existem respostas para essas perguntas, talvez apenas o próximo ganhador do prêmio Nobel saberá responder. Porque ao invés de respostas, temos uma incubadora. Um quadro de cortiça esfregando na nossa cara, todo dia, o que não podemos mudar. O que nos causa frustração. O que é injusto, quem é infeliz. Quando quebramos esse quadro, nos acusam de escolhermos “viver em uma bolha.” Não é somente inevitável viver o dia inteiro bombardeados por uma realidade doente que não podemos mudar, também somos forçamos a aceitá-la e entendê-la, mesmo se não podemos ajudá-la.

É importante lembrar, porém, que aqueles que nasceram de uma família doente, aqueles que cresceram nas periferias da cidade, aqueles que não têm suas vozes ouvidas, aqueles massacrados por opiniões de professores, acadêmicos, artistas independentes que sabem apenas a realidade fora da bolha, essas pessoas nunca tiveram sequer a opção de estourá-la. E agora, independente da sua capacidade de lidar com os fatos, são chamados de covardes quando tentam filtrar aquilo que os fazem ainda mais doentes.

É uma necessidade burra e infantil de provar um ponto que é mais insignificante que a saúde mental daquele que escolhe fugir de uma realidade que o bota pra baixo. É possível sim não estourar a bolha, não verbejar clichês, não demonstrar uma indignação obvia e ainda estar engajado em causas sociais.

O nosso papel e o papel dos outros

Mais importante do que agir, é agir com sabedoria. É imperativo que não esqueçamos que uma sociedade é formada por vários agentes, cada um responsável por um papel. Inclusive os que agem para espalhar o medo e a euforia.

Escolhamos o nosso papel com sabedoria, porque depressivo e ansioso ninguém ajuda ninguém. A violência também é interna e escolher se blindar não é sinal de fraqueza. Resistir ao medo ainda é resistir. Enfrentá-lo é uma escolha. Nem toda as lutas foram ganhas com a força armada, mas algumas foram ganhas por aqueles que decidiram manter a calma e não se juntar ao exército de histéricos.

O meu desafio hoje é encontrar o meu papel e lutar. Mas, antes, aceito minhas limitações e escolho recuar. Prefiro estar forte e atrasada do que morrer na praia. A minha responsabilidade é comigo mesma e com os meus ideais. Eu não quero ser parte da matilha desordenada, eu quero resistir em paz, ajudar em paz, pensar em paz.

Não corra para frente, mas nem um passo para trás.

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