Catarina

Mulheres que Escrevem
Mulheres que Escrevem
5 min readAug 1, 2019

Um excerto do livro “Essa Dama bate bué!”, de Yara Monteiro

Petites Luxures

Em Mulheres Apaixonadas, Katila e Nádia apoiam o namoro de Luciana com o primo Diogo. Romena vai saltando de mulher apaixonada em mulher apaixonada. O entusiasmo à frente da televisão só parece minguar nas cenas quentes entre Clara e Rafaela.

–Onde é que já se viu, duas mulheres? Que belo exemplo dão! Tirem essas sapatonas da novela — grasna Romena, enojada.

Não comento.

O genérico intromete-se no beijo entre Clara e Rafaela. Fazemos um intervalo do sofá. Aproveito para subir ao quarto. Deito-me na cama de barriga para cima. Penso na Catarina.

Não me culpabilizo por não lhe ter contado que não ia casar e que vinha para Luanda. Não foi só do casamento que fugi. O abandono não é compadecedor, precisa, sim, ser egoísta. Fui-me embora sem qualquer aviso ou evidência.

Para ela, era mais uma tarde juntas no seu pequeníssimo apartamento alugado na Venda do Pinheiro. Trinta metros quadrados simples e brancos. Os espaços grandes são para quem se quer evitar; os pequenos, para quem se quer aninhar nos braços de quem ama. No colchão de corpo e meio sobrava espaço. A tapá-lo, um lençol e, por cima, um edredão barato comprado na feira. No Inverno, o apartamento era demasiado frio e, no Verão, um forno. Mantínhamos os estores sempre fechados. Apenas um pequeno candeeiro ou velas iluminavam aqueles momentos furtivos. A lâmpada do tecto desde sempre esteve fundida. Nenhuma das duas lá chegava para a trocar. Trocar uma lâmpada nunca foi para nós a prioridade.

O colchão era o hipocentro dos nossos encontros. O que fazíamos nele não podia ser sabido lá fora. Do lado esquerdo do colchão, uma chávena de café Delta tinha sido transformada em cinzeiro. A cinza estava sempre espalhada a toda a volta. Sempre achei aquilo um nojo. Para mais, a Catarina tem o péssimo hábito de fazer da pastilha elástica que está a mascar uma pequena bola que espalma e cola no centro do triângulo vermelho da chávena.

Quando lhe perguntei o que era aquela cena com a pastilha elástica, respondeu que era um lembrete para quando estávamos juntas. Pedi-lhe que explicasse melhor. Não entendia.

–O doar-me hoje vai doer amanhã. Vês? Repara bem na palavra «Delta» — e apontou para a chávena.

Entendi por fim o que me tentava explicar: a palavra

«Delta» passa a «Doa» com a pastilha elástica lá colada no meio.

Mesmo estúpida, gosto dela.

Naquela última vez em que nos vimos, o final do dia estava abafado. Não abrimos as janelas do quarto. Não me recordo porquê. Porventura devido ao barulho da rua. Quiçá?!

As mãos grandes da Catarina, pela segunda vez, enrolavam um charro. Eu estava deitada sobre o seu ventre. Com a minha mão, percorri-lhe a linha de penugem. Ia do umbigo até à vulva, para cima e para baixo. Sem pressas. Com se tivéssemos todo o tempo do mundo. Fui beijando, beijando, até chegar às suas coxas rosadas e fartas. Abri-as. Assentei cada uma das suas nádegas em cada uma das minhas mãos. Puxei-a para cima. Pediu que eu a lambesse toda. Animeia primeiro com os meus dedos. Fosse ela um acordeão de fole. A minha língua desdobrou-se a explorar cada canto e recanto — por mais escondido que pudesse estar — dos seus lábios ruborizados e húmidos. Pedi-lhe que acendesse o charro. Dei dois bafos profundos, e, o último, larguei-o em travos no interior das suas coxas. Cuspi-lhe no clítoris e abocanhei-o com os lábios, deixandoo palpitar e inflamar com o fumo do haxe. Veio-se na minha boca e com os meus dedos no seu cu. Puxou-me para cima e chafurdou-se nas minhas mamas. Entre muito roço e muitos beijos dava-lhe palmadas nos bicos. Os epicentros alinharam-se. Colidiram. Houve deslizamentos de pele. As línguas agitaram-se nas bocas cruzadas e dedos entrelaçados, fazendo com que a magnitude das ondas sísmicas do êxtase expelisse as águas orgásticas. Lambuzamo-nos no suor quente do prazer.

A mais de oito mil quilómetros, imagino-me na mesma cama com Catarina. Sinto a língua a palpitar-me com o tesão. Salivo. A boca ensopa. Os peitos incham-me. Estou cheia de desejo. Molho o dedo e toco-me. As nádegas e a vagina contraem-se. Quero-me vir, mas não o consigo fazer aqui. Então prendo o que não se quer conter. O dedo que antes tinha dentro, levo-o à boca. Fecho os olhos e é como se sentisse a seiva íntima e profunda da cona da Catarina. As minhas memórias mais preciosas estão gravadas na minha língua. Todas elas.

Este texto é parte do livro “Essa dama bate bué!”, romance de estreia de Yara Monteiro publicado em setembro de 2018 em Portugal pela editora Guerra e Paz. O romance não é autobiográfico, mas carrega muito da sua experiência na descoberta das suas raízes e identidade. “A escrita foi um processo de
transformação que me ajudou a conectar comigo, como mulher, como africana e como cidadã do mundo”, declara a autora. Saiba mais sobre o livro clicando aqui.

Yara Monteiro nasceu em 1979 na província de Huambo, em Angola, e cresceu na Margem Sul, em Portugal, para onde foi aos dois anos com a família. É licenciada em Recursos Humanos e trabalhou na área por 15 anos, vivendo em países como Brasil, Angola, Inglaterra e Dinamarca. Em 2015, no Brasil, abandona a vida empresarial para dedicar-se à escrita. É casada e vive no Alentejo.

Esse texto foi publicado na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa não só debater questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

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