Cinco poemas de Rafaela Miranda

Mulheres que Escrevem
Mulheres que Escrevem
3 min readAug 8, 2019

eu passei muito tempo chorando com as costas

Sara Andreasson

SEMENTE

um poema pra tatiana nascimento
(a partir de “o cuíerlombo da palavra”)

pus tuas palavras no chão
adubei fofa a terra
reguei com água de soro p/
conter nossa desidratação

espero a mudinha despontar
do primeiro estágio
de vida, meio-dicionária
meio-fantasiosa

coluna

eu sempre digo
ou penso dizer que
se chora com as costas
com o tensionamento dos
músculos dessa região
com seu afrouxamento
e com os pulmões
esses eu sinto se encherem
pra se esvaziarem
num ritmo descontrolado
fica difícil pra eles saberem
quanto de ar eu peço

eu não controlo nenhuma parte de mim

e é por isso que de vez em quando
eu ponho minha mão sobre a cabeça
só pra ver se ela está ainda lá
se não fosse meu pescoço
juraria que ela a cabeça
sairia por aí flutuando

eu não controlo parte nenhuma de mim

minha coluna mal fica na
posição correta
quando criança minha mãe
vivia dizendo
indireta a coluna rafa
indireta a coluna rafa
indireta a coluna
eu cresci e ontem ela
disse a mesma coisa
indireta a coluna rafa
indireta a coluna rafa
indireta a coluna
acho que a posição que deixo minha coluna é diretamente proporcional ao
modo como levo minha vida:
no início sigo reto e vertical mas
quando chego no finalzinho
arqueio ligeiramente os ombros
os deixo pesar, entorto a coluna
e mais
uma vez
quem me vê de costas
sabe que choro
e mais uma vez
aquela ladainha
eu choro com as costas
não com os olhos talvez sim
com os olhos e ductos lacrimais
mas o que se vê são as costas
o que se vê é um corpo todo
comprometido, disposto, pronto
todo voltado pruma tarefa específica
eu choro com as costas
eu passei muito tempo chorando
com as costas
tanto tempo que ela dói
e parece me dizer sobre
o peso dos livros na mochila
parece me dizer sobre
o jeito que durmo
parece me dizer
para procurar um médico
mas não um de coluna
um de tristeza.

(29/12/2017)

a última vez que ouvi
‘ponha-se no seu lugar’
imaginei a gente
jogando twist
contorcidinhos
espremidinhos
dividindo cores
e emprestando
mãos braços pernas pés
cabeça,
no jogo
geopolítico
dos grandes
os grandes são os que projetam o jogo
e os pequenos o jogam,
taoquei?

Rafaela Miranda é estudante de Letras (Português - Literaturas) na UFRJ. Divide seu tempo entre ler, escrever, revisar, traduzir & cuidar da sua primeira casa, que chama de ‘eu’. Isso enquanto cruza algumas linhas de ônibus de São Gonçalo - Niterói - Rio de Janeiro. Edita a revista Odara.

Esses poemas foram publicados na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

Siga também nossas outras redes sociais: Facebook | Instagram |Twitter

--

--