Como se autorizar a escrever?

Taís Bravo
Mulheres que Escrevem
4 min readDec 14, 2022

Em setembro, a Mulheres que Escrevem comemorou sete anos de existência em um evento presencial (o primeiro desde 2019!) na livraria Blooks. Foi uma noite muito bonita que me encheu de alegria. Nem sabia de quanta saudade eu estava desses encontros. No final, uma das pessoas da plateia fez uma pergunta que me deixou reflexiva por um tempo: Como se autorizar a escrever? Como se autorizar a ser uma autora?

Acho que essa é uma pergunta crucial para os movimentos que, lá em 2015, me fizeram idealizar a existência da Mulheres que Escrevem e começar a me auto afirmar como escritora.

Por um bom tempo, a minha tentativa de ser escritora passou por uma busca por validação externa. E uma validação externa específica. Como uma pessoa que vem de uma família de trabalhadores, sem contato com artistas ou pessoas que lecionam no ensino superior, eu cresci idealizando uma certa ideia de arte e literatura que é prescrita e legitimada por espaços de poder.

Frequentemente, eu me sentia inferior, à parte, incapaz. Tentar me encaixar nos valores desses espaços do que é Arte de verdade, Literatura de verdade, Poesia de verdade, quase sempre minava meu desejo de criar. Parecia um esforço em vão, eu nunca seria boa o suficiente, eu passaria minha vida ansiando por essa validação.

Para mim, uma saída para essa angústia foi deixar de compactuar com uma certa lógica de legitimação, com relações de poder que determinam quem está autorizada a escrever e sobre o que se deve escrever. Comecei a me autorizar a ser uma escritora quando entendi que não precisava esperar pelas validações de autoridades e de espaços de poder para escrever.

Comecei a escrever quando entendi que eu poderia recusar uma certa ideia de Literatura, uma Literatura enrijecida pelos parâmetros de um cânone que não comporta quem eu sou e quem são as minhas referências. Quando abandonei os gênios que aspiram a eternidade forjando uma universalidade etérea, pude, enfim, escolher escrever o que eu quero, escrever para o meu tempo, para as pessoas que estão vivas agora e dispostas a me ler.

Teve uma fala da Elvira Vigna que foi crucial para que eu percebesse a existência dessa possibilidade de escrever o que eu desejo escrever e ir em busca das pessoas que podem ser, mais do que leitoras, minhas interlocutoras criativas:

Um bem simbólico, como o próprio nome diz, tem que simbolizar um momento da cultura ou do grupo ao qual você se dirige. Ou seja, se você só publica o que vende, você está publicando defunto. Você só está publicando aquilo porque, de alguma forma, aquilo já foi consumido antes. O novo não vende. Mas, de cinco anos para cá, acho que isso mudou um pouco. Começaram a aparecer editores pequenos que não pretendem vender um milhão de exemplares. Eles nem querem isso. Fazem edições muito bem cuidadas e se comunicam através de redes sociais. É aí entra, de fato, o bem simbólico atual. É um novo caminho e vejo isso com muita alegria. Acho muito mais interessante você ter uma tiragem de 200 exemplares, dar esses 200 livros para pessoas que você quer que leiam e que podem te dar um retorno sobre ele. Cria-se ali um diálogo estético e, nesse contexto, você é, sim, um sucesso absoluto. Não importa mesmo se você não saiu na Folha de S.Paulo, aliás, isso importa cada vez menos.

Essas palavras de Elvira Vigna me atentaram para uma série de perguntas decisivas: Afinal, por quem eu desejo ser lida? Quais são os meus parâmetros de sucesso? Por que eu quero publicar?

Manter essas perguntas por perto é um modo de me nortear. De encontrar formas de ouvir o que me move no meio de tanto ruído e auto exposição que são tão frequentes nos tempos em que vivemos.

Tenho buscado meios de encarar a escrita enquanto uma ação, um ofício. Assim, escrever se torna também um trabalho de investigar quais são os meus temas, as minhas obsessões, o que é que me leva a escrever. E, diante disso, ir atrás das pessoas que podem expandir meu repertório, investigar as escritas que podem fornecer ferramentas, estratégias, ideias para experimentar a linguagem.

Nas oficinas, laboratórios e mentorias criativas que ofereço tento também apresentar essa perspectiva diante da escrita. Em 2023, pretendo cada vez mais seguir escrevendo como uma ação coletiva.

Falando nisso, tenho algumas novidades.

Em janeiro, inicio o Laboratório de escrita recorrente, um espaço para promover trocas criativas e tornar a escrita um hábito consistente. No formulário de inscrição, você encontra todas as informações sobre o laboratório.

Além disso, junto com Estela Rosa medio a oficina de leitura e escrita Mulheres que Escrevem de Verão. Essa é uma oficina que a gente produz desde 2019 e que é, sem modéstia, uma delícia! São quatro encontros online para passear por diferentes gêneros literários e refrescar a criatividade. Você encontra as informações completas no formulário de inscrição!

Arte: Tati Vidal

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