“Erramos”: A mídia como cúmplice

Natasha R. Silva
Mulheres que Escrevem
3 min readJun 3, 2016

Fazer jornalismo não é fácil. Não que os jornalistas sejam seres enviados dos céus e com intelecto superior — apesar de ter tanto ego nessa profissão. A parte difícil de ser jornalista está na simplicidade e no detalhe, mas, principalmente, no stress diário de saber que a cada linha se está mexendo com a vida de seres de carne e osso.

Jornalismo é serviço público. É contar para as pessoas o que passa com as pessoas. E, se a vida não é fácil, por que escrever sobre ela seria?

No entanto, há uma diferença entre o que é essa base do jornalismo, o serviço público, e o que a mídia está reproduzindo agora. Os erros não são casuais; são frutos de uma lógica focada na publicidade, nos cliques e, por isso, no lucro. A informação deixa de ser útil e acaba sendo prejudicial à sociedade que os jornais deveriam de estar servindo.

Não se trata de um ou dois casos em que se pode comprovar esse efeito nocivo. Um erro no jornal é um erro na vida — e na de muita gente. O livro “Os abusos da imprensa”, do jornalista Alex Ribeiro sobre o caso Escola Base, é um bom exemplo de como notícias e reportagens podem destruir vidas. Essa história ocorreu em 1994, mas há casos muito mais recentes na mídia brasileira que merecem nossa atenção agora.

Quando uma adolescente é estuprada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro, o que os jornais fazem é só multiplicar a barbárie. Não existe sentido de serviço público, nem sensibilidade ou a intenção de questionar o que fizemos de errado no caminho para que essa tragédia acontecesse. Só se publicam matérias que reproduzem o mesmo machismo que contribuiu para a esse crime. A mídia passa a ser cúmplice.

Como mulher e jornalista, vejo o machismo todos os dias, seja estampado nas páginas do jornal ou no ambiente de trabalho. Não me engano e sei que, enquanto os jornais forem dirigidos em sua maioria pelo perfil do tradicional homem branco, esse machismo não vai deixar de jorrar das páginas, de uma maneira ou de outra.

Dou um gritinho de alegria cada vez que vejo uma mulher escrevendo sobre um caso de violência machista. Quem tem mais experiência para falar disso que nós, que somos violentadas diariamente? Infelizmente, essa alegria não é muito frequente.

Por isso, vamos deixar claro:

A mídia tem sua parcela de culpa em cada assassinato, estupro e agressão quando não dá espaço para a voz feminina nas suas páginas.

Quando coloca um homem para falar do ponto de vista de uma mulher.

Quando divulga imagens que violam a privacidade de vítimas pela ganância de receber mais visitas que a competição.

Quando não posiciona contra a violência machista de maneira clara por considerar que isso afeta a imparcialidade jornalística.

Quando não se preocupa com essa imparcialidade ao escolher os adjetivos usados para descrever mulheres, um cuidado que sempre tem com homens.

Por isso sim, vamos continuar levantando a voz contra essa mídia controlada por homens e colocando o dedo na cara de todos esses meios para deixar claro mais uma vez: vocês são cúmplices.

--

--

Natasha R. Silva
Mulheres que Escrevem

Cocriadora da Mulheres que Escrevem. Gosto de descobrir coisas.