há tempos não ouço sua voz

Dara Bandeira
3 min readAug 9, 2019

--

Rio de Janeiro, 9 de maio de 2019.

Ando me emocionando cada vez mais. Acordo cada dia mais cedo também. Arqueio corpo, cabeça e mente com uma esperança genuína de que todas as vezes em que eu saúdo o sol, ele me abraça e me prepara um pouco pra vida lá fora. Funciona, mas nunca estou pronta. Todo dia me preparo, e todo dia a vida me mostra que ainda estou despreparada. Ainda me assusto com as injustiças e choro, às vezes, de soluçar. Também estou mais atenta e, em consequência, mais alérgica do que antes. Cada dia mais, desde que você se foi.

Na verdade eu escrevi pra dizer isso: Ando me emocionando cada vez mais desde que você se foi.

Um dia desses amanheceu aqui um céu completamente laranja e me deu uma vontade absurda de pegar o telefone e, mesmo depois de tanto nada, te dizer que estava lindo. Dizer que ainda hoje, desde aquele dia que você me levou pra uma volta na praia e eu pensei o tempo todo que você iria, finalmente, me beijar, os céus laranjas me trazem você. Mas que não era só por isso que eu tinha telefonado. Era também pra dizer que você fazia uma falta danada. Que eu tinha vontade enorme de ligar e perguntar como estavam as coisas, mesmo sabendo que existe muita coisa aqui e aí, mas também — entre a gente — não há nada.

Eu não ouço a sua voz há tempos, a última vez foi num tímido áudio de whatsapp, nossa última conversa que nunca terminou. Comecei a achar bobo da minha parte dar corda pra uma conversa, como se pudéssemos remendar o tempo. Achei que não fosse dar conta, depois, de contar sobre isso na terapia, na mesa do bar. E isso é decisivo pra dar corda ou não para alguma coisa. Não conseguiria verbalizar que você me atordoa um pouco os pensamentos. E, o pior, não conseguiria dizer a qualquer um que fosse que, durante um tempo, eu adorei essa condição.

Eu não ouço a sua voz há tempos.

A gente já rodou tanto, quase sempre com um cd da Cássia tocando ao fundo da minha voz e da sua gritando ‘no mapa do meu nada’. Foi com você também que fiz confidências que só se pode fazer quando se é uma mulher diante de outra mulher. E hoje, quando ando na cidade, de vez em quando tenho a esperança de te ver passar. Tenho a esperança de, não sei, numa esquina, num café improvável, te ver. E dizer que eu sinto vontade de sonhar com coisas impossíveis enquanto divido um balde de açaí e um italiano (é assim que chama?) de queijo com cebola.

Quando o céu fica laranja eu sempre me lembro de tudo que já quis te dizer e não disse. E era tão triste não te dizer que passei a amaldiçoar o céu laranja, porque ele me lembrava da sua importância. Que horror. Desejei dias muito azuis ou muito cinzas. E, hoje, enquanto me curvava em busca de alguma preparação, vi por entre as minhas pernas um céu laranja e te escrevi. Pelo menos assim, caso me responda, não vai ser com um “alô”.

--

--