Mulheres que Escrevem entrevista: Flávia Péret

Mulheres que Escrevem
Mulheres que Escrevem
16 min readDec 18, 2017
Foto: Bianca de Sá

A Mulheres que Escrevem entrevistou Flávia Péret, escritora e professora de literatura, desde 2009 também atua como arte-educadora no campo da palavra e suas interseções com a imagem. Péret é mestre em Estudos Literários pela UFMG e estudou Literatura latino-americana na Universidade de Buenos Aires (UBA). Participou do programa Rumos de Literatura, na categoria Crítica Literária (2010/2011), promovido pelo Itaú Cultural e foi vencedora do Prêmio Folha Memória — Programa de Orientação de Pesquisa em História do Jornalismo Brasileiro, organizado pelo jornal Folha de São Paulo (2010). Publicou os livros História da Imprensa Gay no Brasil (Publifolha, 2011), 10 Poemas de Amor e de Susto (edição independente, 2013) e A outra noite (edição independente, 2015).

Você pode falar um pouco sobre o seu processo individual de se autorizar como escritora e a relação com a sua experiência coletiva como arte educadora?

Cuidado com o vão entre o trem e a palavra — Paulo Bruscky

Primeiro é preciso dizer sempre: eu acho.

Agora posso começar:

Para muitas mulheres, esse se autorizar como escritora é um processo lento e difícil. Eu gostaria de entender isso melhor e tenho algumas hipóteses. A mais recorrente é que a palavra — o signo verbal — tem uma forte aparência de realidade e na nossa cabeça ocidental aristotélica realidade é igual a verdade.

A semiótica nos mostra que os signos podem ser índices (sinais — fumaça, pegadas na areia), ícones (as imagens) e símbolos (as letras, os números). Os símbolos seriam as abstrações mais puras, não existindo entre o símbolo e a coisa relação de proximidade ou de semelhança. No entanto, as palavras são os signos que mais fazem parte da nossa vida e por conta dessa relação intensa, cotidiana e naturalizada tomamos as palavras como objetos naturais, objetos que refletem o mundo e não como o que são de fato: representações.

Essa mesma concepção de que as palavras refletem o mundo dialoga muito com uma concepção de linguagem que, desde Platão, afirma que entre a palavra e a coisa (o objeto, a sensação, a emoção, o pensamento) existe uma relação interna (e secreta) de verdade. Como se a palavra fosse a coisa, ou dito de outra forma, como se entre a palavra e a coisa não houvesse uma distância, uma separação, uma neblina e a coisa em si — vista pelo anteparo da palavra — fosse a imagem perfeita, pura, sincera das coisas.

Na realidade, muitas pessoas quando escrevem acreditam que estão tocando esse lugar (de verdade, de segredo, de não-dito) — e talvez até estejam mesmo, isso é lindo, mas também um pouco assustador e pode ser paralisante. A palavra, a linguagem, por mais naturalizada que seja, não é natural. Começamos a falar, em média, com 1 ano e meio, a escrever e a ler com seis anos, mas esses processos são aprendizados, temos a capacidade de adquirir linguagem, mas se não formos estimulados ela não se manifestará espontaneamente. Neste sentido, nascemos imersos no mundo da linguagem, somos seres de linguagem, a linguagem constrói nosso mundo individual (singular) e também coletivo, usamos a linguagem para nos comunicar diariamente e essa mesma linguagem que diz “preciso comprar leite” também tenta dizer da dor de uma mulher que não consegue amamentar: uma mulher que não tem leite. Ou seja, é o mesmo material — a linguagem — usada em contextos completamente diferentes e múltiplos: um direto, instrumental e outro poético, expressivo.

Quase nunca somos levados a entender — por isso gosto tanto dos filósofos que estudam a linguagem, por isso os poetas e escritores são tão importantes — que entre a palavra e as coisas do mundo existe uma infinita rede de possibilidades criativas, discursivas, inventivas, coletivas, poéticas.

Adoro um trabalho do artista pernambucano Paulo Bruscky que diz: Cuidado com o vão entre o trem e a palavra. Significa dizer: esse vão não é apenas a interpretação ou a decifração, a escrita é também uma produção de sentidos, é o imaginário (individual e coletivo), é um agenciamento coletivo de anunciação (para chamar para a conversa um dos filósofos que, pra mim, mais me explica esse caráter produtivo e coletivo da linguagem, que é o Deleuze).

Se as pessoas que querem escrever e que já escrevem se lembrarem sempre disso, que a escrita é um trabalho e que dizer é uma tentativa de dizer, usando como material um conjunto de símbolos (arbitrários e abstratos), que como peças de montar podem ser usadas de variadas formas e que é justamente esse querer dizer que produz o dizer talvez seja mais fácil se assumir como escritor. Porque ao escrever você não estará revelando sua alma secreta, seus segredos, sua verdade (mesmo que alguém possa ler assim), não existe verdade ligada a nenhuma palavra, nenhuma.

Qualquer palavra — qualquer uma, por isso escrever é maravilhoso! — pode servir a qualquer finalidade: para o bem e para o mal. Ao escrever, você estará apenas preenchendo esse vão. Talvez, talvez mesmo, entender ou perceber isso faça com que o medo de escrever, essa exposição que se dá quando assinamos um texto, seja um pouco menos assustadora.

Tem uma frase do Proust que acho maravilhosa que ele diz — posso estar citando meio torto — que quem escreve é sempre um outro, que um texto é sempre produto de um outro eu que não aquele que manifestamos no nosso cotidiano. E o espaço da sala de aula — por ser um espaço de afeto, de trocas, de acolher os textos e as angústias das pessoas que habitam essa bolha (no sentido que suspendemos o tempo, a vida, as obrigações para exclusivamente ler e escrever durante duas horas) é um espaço de aprendizado profundo. O que se aprende não é a escrever; aprende-se que escrever é um processo singular, mas também coletivo, um processo de escolhas, de diálogo, de tentativa e de erro, de querer dizer e como estão todos no mesmo barco é menos solitário e menos angustiante, eu acho…

Foto: Bianca de Sá

Nesse mesmo vídeo, você fala sobre como descobriu uma relação com a escrita por meio de cartas e agendas. Mas depois diferencia, brevemente, essa escrita de um material de literatura. Qual é exatamente a diferença entre esses processos de escrita? E como foi seu encontro com a literatura?

Meu encontro com a literatura se deu, como acontece com a maioria dos escritores, pelo fascínio pela leitura. Primeiro lemos, nos encantamos por um certo modo de dizer, de pensar, de ver as coisas e consequentemente até de sentir, eu acho… Depois, queremos habitar também esse lugar e começamos, imitando, mimetizando, testando. Pra mim, começou na infância (adorava escrever, escrevia cartas e nos cadernos das amigas), mas se aprofundou na adolescência: tanto a leitura quanto a escrita.

Eu lia para fugir do ambiente altamente tecnicista no qual estava inserida. Fiz ensino médio técnico, estudei Edificações, sou técnica em edificações (que perigo!) e na biblioteca da minha escola em Ouro Preto (que ficava, aliás, num lugar lindíssimo) tinha dezenas de prateleiras de livros técnicos: resistência dos materiais, introdução a hidráulica, introdução a elétrica, cálculo 1, 2 e 3…e uma única prateleira com livros de ficção: romances, alguma coisa de poesia. Eu conhecia essa prateleira de cor. Um dia, descobri nela um livro que tinha um título tão bonito que fiquei embasbacada. Era o livro “A insustentável leveza do ser”, do Milan Kundera, me apaixonei por aquele livro, pela personagem, pela história…

Já a diferença entre a escrita das cartas e dos diários (da infância e da adolescência) e a literatura é uma diferença de intenção e de contexto, mas principalmente de forma. Quando eu era adolescente e escrevia nas agendas era um desejo de expressão imenso (super legítimo, mas era mais um desabafo) eu não tinha naquela época uma intenção consciente de trabalhar a linguagem. As palavras eram o veículo mais imediato entre os meus sentimentos e a representação/exteriorização deles e era apenas isso que me interessava, eu acreditava nessa aparência de real das palavras. É claro que depois de um tempo eu comecei a descobrir que a escrita, a linguagem verbal, era também uma forma muito específica de criação: que era possível dizer algo e imediatamente depois o seu oposto, que era possível ser ambígua — dizer e não dizer ao mesmo tempo, que era possível insinuar, sugerir, fabular e que as palavras são objetos extremamente flexíveis/fluidos capazes de muitas coisas incríveis como por exemplo a poesia e a filosofia. O que é a poesia se não o trabalho de dizer as coisas de um outro jeito: menos obvio, mais intuitivo, mais bonito, menos em linha reta. O coração de ninguém é uma linha reta.

O “Uma mulher” é um projeto de escrita criativa que envolve um livro artesanal e um site interativo. Quem nasceu primeiro: O livro ou o site? Como essas plataformas se relacionam? De onde veio a ideia de escrever versos partindo desse mesmo começo “Uma mulher”?

Descobri recentemente que escrevo poema em forma de lista desde 2012. Tenho um blog, não escrevo mais nele, mas ainda existe e às vezes publicava algumas coisas lá. Fiz uma série chamada Fabulações Filosóficas (hoje, acho o nome péssimo, bastante pretensioso) em que eu escolhia um tema e fazia um poema em formato lista: teve um que até transformei num fanzine, o poema do corpo, mas também fiz poemas com os temas ar, hoje, poesia, futebol, laranja…

Ou seja, eu gosto de listas, gosto da forma, acho ao mesmo tempo simples e potente e nos meus cursos sempre dou uma aula especificamente de listas, mostro a lista maravilhosa da Raquel Stolf (artista visual de Florianópolis) que se chama “Lista de coisas brancas — coisas que podem ser, que parecem ou que eram brancas”.

Então já tinha essa atração por essa forma — que, aliás, continua me atraindo, acabei de terminar um texto que se tudo der certo será uma instalação sonora que é uma lista (grande) sobre o que é o feminismo, uma tentativa de estabelecer uma conversa — menos surda — com essa palavra que atualmente tem se mostrado uma palavra tão explosiva.

E o corpo e a mulher são temas que me interessam muito, sempre estou imersa neles, sempre me tocam (quando vejo ou leio algo). Esses dois temas me atraem não apenas porque sou mulher, mas justamente porque tenho grandes dificuldades em entender o que é uma mulher: ser mulher para mim não é simples, nunca foi. A lista é então uma forma de pesquisar, de investigar um tema que me interessa, que me intriga e abre essa possibilidade de conversa com outros textos.

Esse jeito de pensar e escrever tem a ver com muitas pessoas escritoras que são importantes para mim, como a Marília Garcia e como a Angélica Freitas, mas, principalmente, com um livro que é uma referência muito grande em tudo o que eu faço, que é o Escrita INKZ — anti-manifesto para uma arte incapaz (do Boaventura Souza Santos, publicado pela editora Aeroplano). Um livro que comprei/li em 2010 e é desde então meu livro de cabeceira, guia, manual de poesia, tantas coisas.

O Boaventura cria seis figuras e faz lista/séries de poemas para essas figuras (um cão, a cidade, o orador-ninguém e a mulher nua). “Mulher nua sai do corpo pela primeira vez e não gosta do que vê”. “Mulher nua vestida de paisagem”. “Todos os dias a mulher nua/inventa rotinas/para não ter rotinas”. Quando eu li isso achei tão maravilhoso que fiz um carimbo dessa frase (mulher nua sai do corpo…) e carimbava a cidade com esse texto (em cima de cartazes do tipo trago seu amor de volta). Depois, peguei outras frases do Boaventura e fiz lambe-lambes e colava na cidade.

Basicamente, todo livro que faço eu dou um jeito de enfiar essa frase dentro dele e aí, com o poema-lista “Uma Mulher” a coisa literalmente explodiu. Eu não parava de escrever frases com essa estrutura “uma mulher” tentando de alguma forma me aproximar de um lugar de dispersão do sentido, de algum ruído ou confusão na sintaxe. Depois, como eu não conseguia colocar um ponto final na lista e também sempre me interessei por processos de escrita gerados a partir da aleatoriedade, conversando com o Tande (Alexandre Campos) meu amigo e parceiro de vários trabalhos veio a ideia de embaralhar as frases.

Na realidade essa ideia de embaralhamento surgiu numa oficina de escrita que estávamos dando para crianças num centro cultural aqui em BH. Eles deviam sair — andar pelas ruas do bairro, numa espécie de deriva (tentando se perder um pouco, olhar para coisas com o olhar renovado) e voltar para o centro cultural com 10 palavras anotadas (só substantivos). Levamos essas palavras para casa e no dia seguinte voltamos com dois montinhos de palavras, impressas em papel colorido e recortadas: no papel laranja só os substantivos e no verde os adjetivos. Cada pessoa ganhava aleatoriamente um grupo de papeis e precisava fazer associações diferentes, menos óbvias, divertidas, lúdicas, que provocassem um certo espanto. Era um processo totalmente analógico, papeizinhos coloridos, mas foi maravilhoso.

O Tande levou os papeis pra casa e à noite me chamou no Facebook e me mostrou um código que ele tinha programado com esse movimento aleatório e quase infinito das combinações entre as palavras. Eu pirei e na hora mandei meu poema pra ele e perguntei: o que podemos fazer com isso? E fomos testando, testando, experimentando várias formas até chegar na que ficou que realiza justamente meu gesto inicial de quebra do sentido, de frases que tensionam a linearidade lógica da frase: uma mulher menstruada, metida a espertinha. Uma mulher que não tem certeza de nada, não tem certeza de nada…

Agora estou experimentando outras coisas, com a lista do feminismo estamos fazendo sobreposições sonoras. O meu companheiro, o Fred (Frederico Pessoa), é artista sonoro então vivo imersa nesse ambiente dos sons há muito tempo e agora estamos experimentando algumas coisas. É um trabalho de programação, som e texto. Ou seja, eu sou escritora, mas eu também sou estou muito interessada em tirar o texto do livro e colocar ele para circular em outros espaços: seja na cidade (com os lambe-lambes), na internet (como aconteceu com o Uma Mulher) ou no espaço de uma instalação (como esse trabalho novo).

Você acredita que seu gênero influencia de algum modo seu ofício?

Eu acho que meu gênero influencia os meus temas e não o meu texto. Não tem nada no texto, na organização das palavras, na constituição das frases que possa ser feminino ou masculino. Só no lugar da heteronormatividade, só no lugar onde não aceitamos a fluidez dos gêneros é que podemos dizer que um texto é feminino ou masculino, mas como a heteronormatividade reina quase absoluta (infelizmente) ainda existem muitos textos com essas marcas do feminino e do masculino.

Convivendo com seus livros, percebemos que há um projeto de escrita e de publicação que envolve a sua produção. Pensando sobre a relação entre projetos de escrita e projetos editoriais (e possíveis projetos políticos que envolvem esses processos), acreditamos que seu trabalho, como escritora e professora, dialoga com essas questões. Como você pensa nesses dois estágios, publicar e escrever? Há questões políticas envolvidas nesses processos?

Quando eu era professora da Oi Kabum Belo Horizonte e por conta da gráfica que tínhamos lá, essa atuação com o editar e o publicar era muito intensa, mais cotidiana. Hoje, acompanho timidamente Laura e Elza (do selo Leme/editora Impressões de Minas aqui de BH), tenho uma atuação mais discreta… Porém me interessa bastante esse processo, hoje eu sou uma agente-não-oficial que fico colocando pilha para que as pessoas publiquem seus livros.

Tem uma fala que já escutei em alguns lugares — é meio um clichê, um lugar comum — que as pessoas deveriam ser mais autocríticas e escrever (e consequentemente) publicar menos porque existe muito livro ruim no mercado. Eu acho essa ideia quase fascista: só um tipo de escrita vale e merece ser publicada? Eu acho que as pessoas podem fazer o que quiserem, escrever o que quiserem, publicar o que quiserem se assim quiserem e eu convivo com muitas pessoas que querem. É tão libertador publicar, nos ensina a assumir riscos. E é um risco muito grande publicar, estamos arriscando nossa autoconfiança, a autoconfiança nas coisas que pensamos e sentimos, é um ato de coragem. Ainda bem que publicar é um ato coletivo que envolve mais gente e não apenas o autor, se não seria mais difícil ainda…

Já a questão política da escrita (e também da publicação) é algo que me interessa muito tanto que é o assunto que vou estudar no doutorado que começa em 2018, na Faculdade de Educação da UFMG, tendo como foco os processos de escrita e também os textos de jovens que foram meus alunos na Oi Kabum, que escreveram e publicaram livros que abordam o tema da diversidade sexual e de gênero, inventando novas subjetividades e resistindo a heteronormatividade. No mestrado também estudei gênero e literatura, mas agora pretendo entender como o processo de escrita no contexto escolar pode nos ajudar a ampliar os espaços (afetivos, éticos) de convivência e respeito.

Escrever é um ato que coloca em primeiro plano um desejo de fala e todo desejo de fala é um desejo político no sentido que o Rancière dá a essa palavra, ou seja, o gesto da escrita é uma forma de ocupar o sensível que conforma esteticamente este mundo que habitamos. Se pensarmos nos usos abusivos, autoritários e prescritivos que as palavras e os textos têm em alguns contextos, pensando especificamente no atual contexto brasileiro de golpe, censura, perda de direitos e forte imposição da religião nas decisões políticas e nas leis, nas artes e na escola a escrita tem também, em contrapartida, uma dimensão importante de resistência e insubordinação: mulheres que escrevem inventando (com seus textos, poemas, romances) novas formas de existir, outros imaginários sobre as mulheres, é um novo vocabulário e uma nova sintaxe. E as mulheres jovens, as mulheres negras jovens, as juventudes LGBTIQS estão nos dando uma incrível lição de como resistir pela via da palavra.

Para você, quais são os desafios e as novas possibilidades proporcionadas pelas tecnologias contemporâneas em relação à literatura e ao mercado editorial?

Auto-publicação e circulação mais ampla. Por exemplo, nunca nos encontramos pessoalmente mas todos os dias leio os textos e os conteúdos que vocês produzem.

Você tem alguma recomendação ou dica que daria para as escritoras que estão começando suas carreiras?

É uma dica obvia: não tenha medo de escrever, não seja crítica demais com você mesma e principalmente não se compare. Eu me comparo muito tá e é uma porcaria! Então falo com propriedade: não se compare com sua escritora favorita, cada um com seu cada qual e tem espaço para escritas diferentes no mundo, ainda bem! Imagina se todo mundo escrevesse como Clarice Lispector?

Quem são as mulheres que influenciam seu trabalho criativo?

Muitas: escritoras mas também artistas. Algumas mulheres são uma referência muito, muito forte: Sophie Calle e Yoko Ono, Susan Sontag por exemplo. Eu queria escrever como Yoko Ono e eu sou neurótica como Susan Sontag — meu próximo livro “Os Patos” (que será lançado em 2018) e que foi escrito em 2012, é uma resposta ou um diálogo com o primeiro volume dos diários da Susan Sontag publicados no Brasil, acho que em 2011. Amo as artistas autobiográficas, amo! Acho maravilhoso porque com elas percebi que o autobiográfico não precisa dizer “Eu”, pode dizer, eles, elas, nós, até “aqueles’, aquele eu. Aí tem uma lista grande: Lygia Clark, Sophie Calle, Ana Cristina César, mas também Tracey Emin.

Sou completamente apaixonada pelas poetas letra A do meu coração: Ana Martins Marques, Angélica Freitas, Alice Ruiz, Adélia Prado, Adília Lopes, Adelaide Ivánova (todas letra A…você já observou essa coincidência?) e também pelo experimentalismo da Marília Garcia (formalmente é minha grande referência, ela consegue um negócio extraordinário na poesia que é ser lírica e teórica ao mesmo tempo). “Um teste de resistores” é o livro de poesia que mais cito já há alguns anos. E também Conceição Evaristo, Paloma Vidal, Alejandra Pizarnik, Beatriz Bracher, Alice Munro, Natalia Ginzburg, Agnés Varda.

E as amigas escritoras, tão importantes na nossa vida: Laura Cohen, Eliza Caetano, Constança Guimarães! Todas mineiras. Laura este ano vai publicar seu terceiro romance, Eliza escreve poemas maravilhosos, foi semi-finalista do prêmio Oceanos, e Constança este ano publicou dois livros, estou terminando de ler “Ombros caídos olhando para o inferno” e é tsunami esse livro, mais emocionante do que série do Netflix.

Quando pensamos em referências, em mulheres que nos inspiram, pensamos sempre naquelas que estão mais próximas e esquecemos das mulheres que nos influenciaram na pré-adolescência e na adolescência. Teve uma mulher que foi muito importante na minha vida aos 14 anos e depois aos 18 e agora lembro dela com um carinho imenso e essa mulher é Rita Lee. Pensa o que é ter 14 anos e cantar, dançar e escutar: “Me cansei de lero-lero, dá licença, mas eu vou sair do sério…”

Quais são as suas inseguranças enquanto escritora?

Nossa, muitas! A primeira é que as pessoa não vão gostar do que eu escrevo: simples assim! É bobo, é ruim, é chato ninguém vai gostar…

Segundo: como eu escrevo pouco, frases curtas, sou direta, econômica tenho cá esta minha obsessão pela síntese (não nesta entrevista como já deu para perceber). Uma insegurança que tenho é que meus textos possam não interessar porque não tem história ali — ou não tem um enredo do jeito que conhecemos ou os versos não são “poéticos” e que ninguém está interessado em minhas tentativas de escrita. Às vezes fico achando que as pessoas (como eu de vez em quando também) só querem ler uma história com inicio meio e fim (não necessariamente nessa ordem) bem escrita pronto, mas eu nunca vou escrever um texto assim ou posso até escrever, mas o que eu vou querer publicar, no fim das contas, são as minhas histórias desconjuntadas, cheias de buracos.

Essas são as inseguranças, mas eu faço bastante terapia então eu cuido da insegurança com disciplina. A insegurança aparece e dou uma chapuletada nela e no fim das contas, apesar da insegurança, eu gosto das coisas que eu escrevo.

Quais são os seus prazeres enquanto escritora?

Gosto de ver as frases funcionando como frase, eu tenho uma obsessão pela frase, eu acho a frase curta a coisa mais perfeita e poderosa que existe e quando eu consigo escrever uma frase curta boa, que tem esse poder enunciativo, uma condensação mas também uma escapada para o poético e para o nonsense aí eu fico bem feliz da vida. Esse é meu maior prazer, não tenho prazer depois que o texto está pronto, na realidade, depois que finalizo o texto, o poema, ele me parece um alienígena. É uma relação muito estranha, não mobiliza minha energia, meu esforço, minha cabeça… Eu sempre estou interessada no texto que estou escrevendo naquele momento.

Qual pergunta você gostaria de responder? E qual seria a sua resposta para ela?

Posso responder com um poema que fiz recentemente?

Cinco perguntas para W.Z.

1. O que eu faço aqui?
Escrevo esses poemas que ninguém lê
sozinha na solidão da linguagem.

2. Quem sou?
Um jogo, um texto, um relógio, um álbum de fotografias velho.

3. Para onde vou?
Para casa, esse país estrangeiro.

4. Por que faço perguntas?
Porque preciso de respostas.

5. E se eu fosse diferente?
Teria escamas ou asas, olhos de águia, verdes de vento.

Para ouvir o podcast que gravamos com Laura Cohen sobre a poesia de Flávia Péret, clique aqui!

Esta entrevista foi publicada na iniciativa Mulheres que escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer colaborar com a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

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