Mulheres que Escrevem entrevista: Natalia Borges Polesso
Autora de Amora, livro vencedor do Prêmio do 58° Jabuti na categoria Contos e Crônicas, Coração à corda e Recortes para um álbum de fotografia sem gente
Natalia, conta pra gente como foi o processo de se descobrir escritora? Em que momento da sua vida você descobriu que era isso que queria fazer? O que te despertou o interesse pela escrita?
Natalia Borges Polesso: Eu queria ser médica. Mas desmaio quando vejo sangue e agulha (risos). Sempre gostei muito de escrever. É uma mania que tenho desde pequena. Antes disso, gostava de contar umas histórias. Lembro de encher o saco dos namorados das minhas tias e de passar tardes criando histórias com meu irmão e irmã. Depois, na escola, eu gostava de redação. Eu não era exatamente boa em português, mas isso não importa muito. Depois, vieram cadernos e cadernos cheios de anotações e poemas. Arquivos de computador com mais poemas, veio o blog. Comecei a me questionar sobre a escrita e tentar me inspirar naqueles que eu lia. Acho que foi aí nesse percurso que descobri. Descobri várias maneiras de contar histórias e de ser escritora.
Você tem objetivos específicos em relação ao seu trabalho como escritora?
N.B.P: Quero escrever. Acho que se eu tivesse objetivos específicos, eu seria engenheira ou trabalharia no controle de qualidade de algo. Mas to longe (risos). Apesar de ser a louca dos prazos e horários, não tenho objetivos assim. Quero entender por que acho algo relevante ou por que quero contar sobre algo, e então, começo a rabiscar. Depois de um tempo pensando, os rabiscos viram notas, as notas viram parágrafos, as coisa vão tomando uma forma e eu vou brincando de palavrear.
Como foi o processo de escrever o Amora? O que te inspirou para criar essas histórias?
N.B.P: Intenso, longo, fascinante e muito divertido. Tudo me inspirava. Remontei meu passado e distorci todo, roubei histórias, ouvi muitos causos e contei pedaços, fiquei por meses e meses ao redor dessas mulheres. Quis conhece-las, saber tudo sobre elas, para que então, elas me contassem sobre suas vidas.
Existe uma motivação específica para escolher escrever um livro de contos?
N.B.P: Não creio. Quer dizer, talvez seja estética. A narrativa curta te dá elementos para experimentar que são diferentes do romance ou da poesia. Na verdade, cada gênero te oferece elementos diferentes. Eu gosto de escrever contos, tem isso também.
E você sentiu que o livro estava pronto para ser publicado? Você já tinha contato com uma editora específica? Muitas escritoras ficam um pouco perdidas na hora de escolher uma editora e sem saber exatamente o que fazer quando livro está pronto. Como foi esse momento pra você?
N.B.P: Bem, tanto o Amora quanto o Recortes para álbum de fotografia sem gente, meu primeiro livro, foram viabilizados por um edital de financiamento aqui de Caxias do Sul (FINANCIARTE). É importante salientar isso, porque esses editais existem, estão por aí e têm dinheiro pra gente empregar em arte, em literatura. Então, o Amora, quando foi para uma editora, estava pago. É muito difícil hoje que uma editora publique um livro assim do nada, ainda mais autores novos. Que eu saiba, só o Eduardo, da Patuá, faz esse trabalho hercúleo! Ele publica um monte de autores novos em tiragens pequenas. É uma colaboração imensa para o cenário da literatura brasileira contemporânea.
Você tem alguma recomendação ou dica que daria para as autoras que estão começando suas carreiras?
N.B.P: Escrevam muito e sempre que tiverem vontade. A Escrita, antes de tudo, é exercício! Mostrem seus textos sem compromisso e com compromisso. Leiam amigos escritores, leiam tudo. Tenham parcerias. Busquem como viabilizar seus projetos.
E qual foi o impacto, pessoal e profissional, de ganhar o Prêmio Jabuti?
N.B.P: Eu nem consegui mensurar isso ainda. Logo que ganhei, foi uma euforia só (risos). Depois vi que aquilo não era só meu, comecei a receber muitas mensagens de mulheres dizendo que estavam se sentindo representadas e que era muito bom que o Amora estivesse circulando bem. Então me dei conta da importância deste livro no cenário. Foi muito lindo perceber isso. Fico muito feliz.
Você acredita que seu gênero influencia de algum modo sua escrita?
N.B.P: Acho que o modo como nos relacionamos com e no mundo influencia muito a nossa maneira de pensar e agir, logo, também influencia nossa maneira de escrever.
Você acredita que suas opiniões políticas influenciam de alguma forma o seu trabalho? Se sim, de que maneira?
N.B.P: Vivemos em sociedade, somos todos seres políticos. Fazemos política todo momento. Portanto, penso que isso seja um fator de influência sim. Mas não só pra mim, isso é para todos! E pode ser muito bom, como pode também ser catastrófico.
Quem são suas influências literárias? O que na sua opinião uma escritora iniciante precisa ler?
N.B.P: Tenho minhas leituras do coração como Clarice, Lygia, Cortázar, mas eu sempre tenho uma paixão literária diferente (risos) já amei a Marjane Satrapi, a Paloma Vidal, a Veronica Stigger, a Angélica Freitas, a Marília Garcia, agora estou em um relacionamento sério com a Svetlana Alexievich. E o que uma escritora iniciante precisa ler? Primeiro que acho que sempre somos iniciantes e pensar assim nos apresenta perspectivas maravilhosas de trabalho (e de vida)! Cara, leiam mulheres.
Para você, quais são os desafios e as novas possibilidades proporcionadas pelas tecnologias contemporâneas em relação à literatura?
N.B.P: Acho que as novas plataformas de divulgação e a questão do acesso melhoraram bastante. Tem muita gente publicando, dando vazão a suas ideias e projetos e isso é maravilhoso. Agora, acho que o desafio é não publicar coisas apressadamente, às vezes, falta uma boa edição no texto. Nessas plataformas, quando há auto publicação, o trabalho da editora muitas vezes desaparece e os trabalhos saem sem revisão, sem edição, sem projeto gráfico, sem registro, tudo isso. Cria-se um mercado informal de literatura, mas isso não é o problema, há zines, livretinhos e edições cartoneiras maravilhosas por aí, a questão é realmente o cuidado com o projeto.
O que você considera essencial para escrever? Existe alguma condição (seja com relação a local, materiais ou questões subjetivas), para que você realize seu ofício?
N.B.P: Para escrever basta querer. Agora para levar a escrita como profissão é preciso ter condições materiais, é claro. Eu não vivo de escrita, infelizmente, nosso trabalho não é bem remunerado e exige muito do nosso tempo. Então, para ser escritora eu sou muitas outras coisas: sou professora, sou oficineira, já fui garçonete, balconista e faxineira, enfim, a gente se vira como pode.
Como foi sua formação enquanto escritora? Você já fez alguma atividade como cursos, oficinas ou residências criativas voltadas para literatura? Quais? Qual foi o impacto dessas atividades em seu trabalho?
N.B.P: Fiz uma oficina há muito tempo com uma grande amiga. Era mais para ler e discutir textos, volta e meia produzíamos algo escrito. Mas como eu falei antes, sempre levei a escrita a sério na minha vida, comecei a mostrar para amigos e tentei alguns concursos que tiveram resultados positivos e me disseram para seguir. Assim, meu processo como escritora foi bastante autodidata, mas sempre muito reflexivo. Sempre pensei muito sobre a escrita. No doutorado, pela proximidade da minha linha de pesquisa (teoria da literatura) com a linha de Escrita Criativa na PUCRS, e por afinidade com os colegas escritores (risos) fiz uma ou duas matérias do pós em EC e participei por um ano de um grupo de escrita e leitura. Isso foi bem importante. Porque para além de pensar sobre os meus textos, os encontros me fizeram pensar, em termos teóricos e técnicos, sobre o processo de escrita integralmente.
Você tem uma rotina específica para escrever? Se sim, conte um pouco sobre ela. Se não, conte sobre o tempo que você dedica a essa atividade.
N.B.P: Eu adoraria ter. Eu amo as manhãs. Gosto de escrever cedo. Mas muitas das minhas atividades profissionais se concentram na manhã, dou aula. Não tenho um trabalho de horas regulares. Além de administrar as outras coisas da vida, tenho que cuidar muito para reservar um tempo para a escrita. Agora por exemplo, ando em falta com a dita. (mas também, acabo de terminar meu doutorado, acho que tá ok me dar umas férias de escrita (risos)).
Quais são as suas inseguranças enquanto escritora?
N.B.P: Aff… muitas. Mas eu as deposito n’A Escritora Incompreendida (uma tirinha tosca que faço e posto no facebook). Insegurança eu sempre tenho, na vida (risos), mas a gente trabalha os problemas, né? São coisas tão estranhas que não sei nem nominar e, neste caso, medo de que as pessoas não gostem do texto não vale.
Quais são os seus prazeres enquanto escritora?
N.B.P: Que pergunta boa! Criar, mas o ofício mesmo. A mão na massa disforme do pensamento, a mão no desenho da palavra, o espaço imenso da ponta do lápis encostado no papel. Adoro quando as personagens tomam vida também e tu tem que deixar que elas te guiem. Depois, ler para amigos, primeiros leitores, ver as reações, boas e não tão boas, tudo é parte do prazer da escrita.
Qual pergunta você gostaria de responder?
N.B.P: Natalia, você quer viver de escrita? (no caso, uma pergunta-proposta)
E qual seria a sua resposta para ela?
N.B.P: Sim. Com certeza.