O florescer da voz, por Mel Duarte

O filme é inspirado no cordel Anastacia, da escritora Jarid Arraes e nas obras da artista plástica Beatriz Corradi

Mulheres que Escrevem
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Gravado em 2017, durante a passagem da cineasta canadense Jaime Leigh Gianopoulos pelo Brasil, o filme “O Florescer da Voz”, inspirado no cordel Anastacia, da escritora Jarid Arraes e nas obras da artista plástica Beatriz Corradi, a Bea, e com participação da poeta Mel Duarte foi lançado ao público neste domingo — 13 de maio — como forma de provocar uma reflexão sobre o real sentido da lei áurea, também conhecida como lei da abolição, sancionada em 13 de maio de 1888. Há, de fato, liberdade para os negros? E para as mulheres negras?

A poeta Mel Duarte conta, com exclusividade a Mulheres Que Escrevem, como foi participar do vídeo:

Quis lançar o vídeo nesta data — quando comemoramos 130 anos de uma lei que deveria nos libertar — para provocar algumas reflexões, haja vista que a promulgação da lei áurea trouxe pouco ou nenhum benefício para o povo preto, especialmente para as mulheres negras. No final das contas, ela foi boa apenas aos senhores de escravos, desobrigando-os de qualquer responsabilidade com a população negra então escravizada. E, para além disso, ainda temos a nossa voz silenciada de forma brutal, seja com máscaras e mordaças ou com execuções, como o assassinato da vereadora Marielle Franco em março de 2018.

Poder, através da arte, trazer a mulher negra e este corpo de fala é muito importante. Nos faz pensar no quanto já fomos silenciadas, desde a atrocidade com a Anastacia até a Marielle. Foram silenciamentos dilacerantes e doloridos. Nos faz pensar no quanto já fomos silenciadas e no quanto continuamos. Apesar de termos uma voz muito mais ativa hoje, de termos essa representação, a depender do que falamos ou de como nos colocamos, sabemos que ainda há o patriarcado a nos silenciar.

Lançar o vídeo publicamente no dia 13 é uma tentativa de ressignificar a data e provocar um pensamento sobre a questão da voz da mulher neste contexto histórico. Somos silenciadas desde sempre, durante a escravidão e após a “abolição”. Não adianta estarmos “libertas” por uma carta assinada por uma princesa, se não há qualquer tipo de benefício ou garantia. Só seremos livres quando nossa voz for, de fato, ouvida. E respeitada.

Quando me convidaram, me explicaram a proposta e me mostraram o trabalho da artista plástica Beatriz Corradi, a Bea. Foi bem simples, diferente e ao mesmo tempo muito tranquilo. Eu gostei muito de ter participado deste filme, que teve a história da Anastacia contada de maneira bem poética. Me senti muito honrada de poder falar a respeito dela e de estar ali e protagonizar aquilo.

A proposta da diretora era comparar essa mulher negra — Anastacia — que foi escravizada e silenciada por conta de toda sua sabedoria, de todo cuidado, de todo amor, de toda a grandiosidade que era o ser dela. Ela foi tolhida de poder falar, de passar adiante esses ensinamentos, de poder perpetuar o seu trabalho. O filme traz essa comparação: depois de tanto tempo, essa outra mulher negra, ocupando um lugar de fala, de protagonismo e de vivência, que sou eu. São esses contrapontos que eu acho a sacada mais bacana do filme.

Por mais que a Anastacia seja um nome um pouco mais conhecido, que tenhamos mais referências, assim como Dandara, poucas pessoas, pensando no macro, conhecem realmente a história dela, então, acho que esse filme ajuda a expandir um pouco mais deste conhecimento, especialmente para o pessoal mais jovem.

O filme já foi apresentado em uma escola e foi muito bom, porque tinham várias mães e alunas, e as mães falaram: “Poxa, eu não conhecia a história dessa mulher e que incrível isso, que bonito, que forte”. Isso faz valer.

Para além da função social do vídeo, gostei muito da forma respeitosa como a Jaime trabalhou. Ela já tem outros trabalhos com audiovisual e foi super sensível e preocupada comigo. Me perguntava se eu estava confortável com o que era feito, se me agradava e isso foi muito importante também, porque o tempo todo ela respeitou meu lugar de fala e o preservou. O vídeo é todo construído a partir de narrativas femininas, o que também reforça a importância de termos mulheres envolvidas em todo processo. Ele traz a história de uma mulher negra, contada por outra mulher negra, interpretada por mim — uma mulher negra. E todo processo de produção, gravação e direção também foi conduzido por mulheres. Por isso, lançá-lo também em um site comandado por mulheres é um avanço no nosso processo narrativo e histórico.

Confira o vídeo:

Este texto foi publicado na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

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