Capa do livro querides monstres, ilustrado por Xuehka e publicado em 2021 pela editora Douda Correria

Quatro poemas de “querides monstres” de beatriz rgb

sumergide aunque jamás naufragade dance dance dance

Mulheres que Escrevem
4 min readMar 31, 2021

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CRIANÇAS INVENTAM ORÁCULOS COM QUALQUER COISA MAS NÃO CONSEGUEM AFASTAR O FANTASMA DO DUPLO E AGORA CHORAM

boto a testa no tronco d’acácia:
te sonho ah minha sombra
escorpião ocre dançando
dissimulada balla que balla
um lago dos cisnes zoado

um quarto perfect blue
entre o esqueleto triste
das sobras de uma criança
das Mädchen in Uniform

toca o xilofone, queride

tu m’ataca como defesa
m’escondo em outres
d’escudo
mas é nossa a hora e a vez
t’escuto

martela o xilofone, queride

isso eu vi e está visto
através da casca d’acácia

tota cosa é oráculo
a quem vê curiose
iniciade num saber
te juro que até tazo

mas o que protege ora aprisiona
então te rasga em carne
viva volta sem rabo
arrependide jamé

quebra o xilofone, queride

dentre os destroços do quarto
resgato um violão que não existia
dele dedilho drão todas as cordas
somente uma soa

sin conocer la verdad
yo la vi llegar sola
com/o uma só
componho minha canção

por que o xilofone, queride obsessive?

baila co teu duplo, Mima Kirigoe
até que vocês se tornem ume
y la santa fuerte cure es dues
com uma caixa d’água só

os rios e os coelhos seguem seus cursos

NA REAL O RITUAL INICIÁTICO NÃO DIMINUI O CAGAÇO MAS SOLTA OUTRAS COISAS

Olga bebe vinagre puro
dos dosis
recoge cinzas de difuntos
e mezcla
a maça
roca
con todo junto se besunta
el Gallo canta
nem cá, nem lá
y nada ácida, nada amarga
ella vive en la encrucijada
gargalha, laroyê, é mojubá

mas coçam as cicatrizes, ih-fi
se o que é dela segue guardado
doncs rasga de novo la misma llaga
foi lá que ela perdeu la llave
só vai, cariño, sova

à determinação,
placas da BR-101
ao que se imagina,
totens reconhecidos
ao salve entusiasmo,
o farol da noite
seja cachaça seja rum
trupica mas não cai
segue a carroça ruim

tantos ventos do norte
ah não movem moinhos
ah a ansiedade tanta
o peso da esperança
âncora nos afunda
para avivar el fuego
les falta el aire

sumergide aunque
jamás naufragade
dance dance dance

TRANSE, PERFORMANCE BREJEIRA
ONDE MORREM E RENASCEM TODES

Selene — do desejo
espumas de Ana C.
tu sonhasse a sereia
acorrentada e plúmbea

escavas a morte dela
na hipotermia das águas
que teu orgulho
transformou em tanque
fantasia de amor
entre as que se entendem
mulheres

controle destruidor
dos símbolos do prazer

ecoa entre sonhos de repetição
mas o mar, ah, espirala nas marés
já deu, queride monstre, troca o disco

no mar aberto arde
a pimenta dos cortes
daquela que gosta
de uns dedos-de-moça
revirando dentro juntos
gostoso naquela sentada
e ela no entanto renasce
rastejando pelas areias
pra se abrir bem mais a todes

ume maruje não tem
só um bem
tem mil amores
na beira do mar

TRANSE, BUG DO MILÊNIO AO VIA-DE-SER MONSTRE

se o fogo te fulmina
não te tornas fumaça
mas densidade derretida

desvia das balas e pega
transforma o que for em doce
em mel pra passar na cara
dessa gente tão violenta

lambuza o dedo na buceta
pra elu molhar e fechar seda
vamos defumar nossa casa

come biscoitos de arroz como
fichas de pôquer
tudo é aposta é ponto de fuga
que nem se quer

te ofereço garrafas com água
do mar maior, pra quem parte e
pra quem fica, ser porto seguro

não foge, queride monstre,
te faz colo te dá um mimo
refoga uma couve, come,
te revigora verdadeire
pra aceitar um repouso
e levantar forte pro dia

se Nanã não aceita Obaluaê
Iemanjá no mar é borda pra todes

beatriz rgb (Beatriz Regina Guimarães Barboza)

não binárie que pesquisa na área de Estudos da Tradução na UFSC — nos estudos feministas de tradução e/m queer~cu-ir — , assim como escreve, traduz, revisa e edita. querides monstres saiu há pouco (Douda Correria, 2021), publicou a plaquete with a leer of love (Macondo, 2019) e traduziu com Meritxell Marsal o livro Desglaç, de Maria-Mercè Marçal, como Degelo (Urutau, 2019). edita a Pontes Outras com Emanuela Siqueira e Julia Raiz — com elas traduziu Bash Back! Ultraviolência queer (Crocodilo e n-1 edições, 2020) — , e com Julia edita a revista Arcana.

Esses poemas foram publicados na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

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