Seis poemas de “Parkour” de Laura Assis

isso poderia ser uma história de amor, mas é exatamente o contrário

Mulheres que Escrevem
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3 min readMar 29, 2022

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Parkour, título do novo livro de Laura Assis, é uma palavra que tem origem no francês e significa “percurso”. Isso já diz muito dos poemas que encontraremos nessa coletânea da autora que, após Depois de rasgar os mapas e diversas publicações em revistas e sites no Brasil e no exterior, apresenta agora aos seus leitores uma obra que perpassa sua trajetória poética, ao mesmo tempo que aponta para lugares inéditos e urgentes.

O livro está em pré-venda no site da Edições Macondo e você pode ler seis poemas de Laura Assis aqui com a gente:

O desamparo é um labirinto perverso.
Onde nunca se imagina a saída,
é justamente o lugar em que ela está:

na entrada.

O princípio é isso:
duvidar de tudo sem saber
de nada.

Não alcançar o interruptor,
um vislumbre de móveis
e mágoas.

Crianças crescendo no escuro.

Perséfone
descendo
escadas.

(mas só bem mais tarde elas entenderiam essa metáfora)

Uma década com os olhos
cheios de névoa
e as mãos

tomadas por livros
errando

por corredores
onde as mulheres que se pareciam comigo
falavam baixo pediam
desculpas

sumiam

I

Nunca estou sozinha nos corredores
de lojas e supermercados;
isso poderia ser uma história de amor,
mas é exatamente o contrário.

II

Existem várias maneiras
de se livrar de um corpo:
obrigue o corpo
a esconder
seu corpo;
olhe pro corpo
como quem vê
outra coisa
no lugar
do corpo;
ensine ao corpo
que tudo bem
ser ferido e morto
por outro corpo;
convença o corpo
de que ele é
apenas um corpo
e nada mais.

SPACE SONG

foi quando percebi que o azul
esse azul
que se descola aí de dentro
poderia ser de outra cor
você sentada à mesa
não importa a fala
outro argumento
te entrego um objeto
qualquer para que
assim você
me escute

existe também esse espaço
outro espaço
de onde decolam as palavras
e efeitos a língua
nem sempre é legível
e eu me perco como se

você se levanta e só depois
quando entendo a lógica
do seu corte a sua vontade
você me ensina que até
para observar nuvens
é necessário encontrar
um método e só depois disso
seremos livres
para sobrevoar nosso desejo
a uma altura possível

possível mas nunca
nunca e isso é muito importante
possível mas nunca
perto demais

a bisavó limpava o chão
que os homens brancos sujavam
sua primeira filha
foi costureira
enquanto criava
as próprias filhas
que se tornaram operárias
as quatro na mesma
fábrica
a duas ruas da loja
onde mais tarde
a mãe
trabalharia como caixa
e é mais ou menos assim
que a história vai
até um dia chegar
aqui

por muito tempo puderam
ver pouco além das engrenagens
(apesar de tramarem um mundo
nas margens) e divisar
outras linhas
aviões cidades
entender
como e por que entrar
em certos lugares
projetados pra manter à parte
gente
como nós

a escolha esteve sempre
longe demais de casa
até que virou mais
que palavra
e quase tudo mudou

mas embora
alguns já tenham se esquecido
eu me lembro
(e talvez por isso
pense
o tempo todo
o tempo todo
o tempo todo
em espalhar pelo chão
os estilhaços
de toda e qualquer vidraça
à primeira luz
da revolução)

Para comprar olivro em pré-venda, com desconto, no site da Edições Macondo, é só clicar aqui: https://www.edicoesmacondo.com.br/produtos/parkour-pre-venda

Laura Assis (Juiz de Fora, 1985) é poeta, tradutora, editora e professora, com doutorado em Literatura pela PUC-Rio. É autora do livro Depois de rasgar os mapas (2014) e de três plaquetes de poesia. Integra o coletivo editorial Capiranhas do Parahybuna e dá aulas de Língua Portuguesa e Literatura no CAp. João XXIII/UFJF.

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