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Sexo Casual

Vanessa voltou e só precisa descolar uma transa sexta-feira

Seane Melo
Mulheres que Escrevem
10 min readMay 30, 2018

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Começou com o mantra “se for pra ser ruim, eu nem quero mais”. Tava focada na missão de evitar me meter em foda meia boca. Sabia que era difícil, mas queria tentar pelo menos sair só com caras por quem já me sentisse muito atraída e com quem realmente achasse que poderia me divertir. Começou assim e assim fiquei por três meses sem nem a remota possibilidade de transar, tava começando a parecer absurda a ideia de me divertir com um homem hétero. Então mandei o mantra pro espaço e encasquetei que queria transar na sexta e ponto final. Nem antes, nem depois, tinha escolhido aquele dia. Tava subindo pelas paredes, tava com fogo na bacurinha ou qualquer uma dessas expressões ridículas. E apesar de ser um suplício ficar naquela esfregação de coxa o tempo todo, confesso que me sentia eu mesma de novo. Vanessa voltou pra pista!

Passei a semana que antecedia a sexta-em-que-eu-ia-transar-com-fé-em-deus tentando fechar um esquema, mas o papo não tava fluindo com nenhum contatinho. Por sorte, Luísa queria ir prum bar depois do trabalho nessa mesma sexta-em-que-eu-ia-terminar-a-noite-dando-horrores-se-tudo-desse-certo e ia chamar mais amigos. Adiantou que tinha um gatinho e até me passou o link do Facebook (que ignorei), depois ainda comentou que ele também ia levar outros amigos. Luísa tava animada e eu tava fazendo questão de ignorar o fato de que nunca me dava bem nesse tipo de evento social.

Nada deu certo realmente. Comigo é assim, olho e decido se tem potencial pra me umedecer. E, naquela mesa de bar, só tinham dois caras que passavam no meu scanner vaginal. Um era o Nicolas, o amigo gatinho da Luísa, que sempre que levantava me fazia virar a cabeça automaticamente pra dar um avaliada na bunda. O outro foi o cara no qual eu escolhi investir. Não sei se isso é sorte ou azar, mas mal coloquei o cotovelo na mesa pra apoiar a cabeça mais pro lado dele e alguém perguntou: cadê a tua mulher, Guilherme? A Val estava a caminho, segundo informações do próprio.

Confesso que fiz um esforço para disfarçar minha decepção e desconforto. Afinal, tinha enfiado uma calcinha fio dental — nessa altura era ela que tinha se enfiado em mim — de tão confiante que me sentia com a noite. A parte boa é que, além de Luísa, Clara, uma amiga que não víamos há muito tempo, também apareceu e me obrigou a deixar a frustração pra lá.

Apollonia Saintclair

Nicolas tinha sentado perto de mim e de Luísa e, sempre que ele falava, eu me pegava pensando em como iniciar um flerte, mas o boy não parecia estar dando espaço pra ninguém. Os garçons do bar começaram a nos olhar feio e fomos convidados a pagar a conta. Chamei um uber pra casa e me despedi de todos. No carro, lembrei de comentar.

“Ei, o Nico é gato mesmo”, mandei no zap pra Luísa antes que esquecesse.

Devolvi o celular pra bolsa e fiquei me distraindo com o caminho. Talvez fosse chover, pensei notando a noite fresca. O motorista trafegou com facilidade pela Av. dos Holandeses, perguntei que horas eram, já passava um pouco da meia noite. Por isso que o trânsito tá bom, eu disse só por dizer ou só pra seguir com a minha mania de não querer parecer uma bêbada disfuncional. Pois é, ele concordou sem vontade de conversar, já virando na rua do meu condomínio.

Quando cheguei em casa, fui direto me deitar na cama. Peguei o celular pra me distrair. Luísa tinha respondido. Mas quase não consigo ler o que escreveu porque o contato de Nicolas ocupava a maior parte da minha atenção. Ela tinha me mandado o número dele, mas eu ainda não sabia o que fazer com aquilo.

“Ele também te achou gata hahaha”, finalmente consegui ler.

Já passava da meia noite e talvez fosse tarde demais praquelas revelações, mas ainda sentia como se fosse a sexta-feira-em-que-eu-só-queria-transar.

“Eita”, tentei enviar pra ele pensando no elogio que tinha me feito e Luísa tinha dedurado, mas o corretor transformou num “eira”.

Nervosa, digitei de novo “eita”. E fiquei olhando pra celular, esperando uma resposta. Passaram dez minutos e tudo que eu conseguia ver eram minhas duas mensagem:

Eira
eita
“maldito corretor”, decidi acrescentar.

Ele continuava sem visualizar e começava a me bater um desespero por ser uma mulher tão ridícula. Talvez devesse me explicar.

“Nicolas, isso sou eu dando em cima de você, não me deixa no vácuo! Vou te mandar duas opções de resposta, tá?”.

Apertei o botão de enviar e me sentei na cama pra digitar melhor.

“Você pode dizer: oi, Vanessa, pô, não vai rolar”, enviei.
“Ou”, continuei.
“Você teria um tempo livre amanhã, Vanessa?”, arrisquei o “amanhã” pois com certeza naquela madrugada não rolaria mais.

Terminei de digitar a última mensagem sem esperanças de que fosse me responder, mas, assim que apertei o setinha de enviar, todos os marcadores ficaram instantaneamente azuis.

“hahahahhaa”
“eu vou imprimir essas mensagens”

Filho da mãe, bem que podia ter respondido um pouquinho antes, né?, pensei paralisada de vergonha, querendo que a cama afundasse pra absorver meu corpo.

“Acredita que tava nesse minuto me perguntando onde você morava?”, acrescentou.

Ao ler essa pergunta, não pensei duas vezes e enviei a localização.

“Tô indo praí. Não dorme”.
“Podeixar! Vou logo avisar na portaria”.

Levantei da cama num pulo com medo de realmente pegar no sono e andei pelo quarto sem saber o que fazer por alguns minutos. Queria mandar mensagem pra Luísa contando que ia transar. Adivinha quem tá vindo pra cá? e vários emojis de boca aberta. Mas ela já tava dormindo com certeza e ele me disse que chegava rápido, seria uma boa jogar uma água lá embaixo. Corri pro banheiro e dei uma lavada caprichada na buceta e na bunda, porque odiaria sentir peso na consciência quando ele estivesse com a boca entre as minhas pernas. E, se eu tinha uma certeza naquela noite, era a de que ele ia colocar a boquinha lá.

Tentei procurar a sandália, mas percebi que ainda nem tinha tirado e, sem ter mais com que me ocupar dentro de casa, desci pro térreo do prédio por puro medo de capotar. Não podia dar nenhuma sorte pro azar, era uma raridade na minha vida eu escolher uma calcinha bonita e realmente conseguir transar. Vi o uber de Nicolas parar na entrada do condomínio e acompanhei ele passando pela portaria em câmera lenta. O sorriso quase pedia independência do meu rosto e se emancipava, indo embora sozinho. Eu rio muito quando tô nervosa, é foda. Quando foi se aproximando do prédio onde eu o esperava em pé, pensei que também podia ter ensaiado algo pra falar, mas agora era deixar rolar.

Rolou um oi sem graça e envergonhado dos dois lados e eu me adiantei em apertar o botão do elevador, que abriu as portas imediatamente. Subimos em silêncio até o quinto andar, eu meio rindo e meio olhando pro chão. Quando entramos, ele deu uma volta pela sala e elogiou a decoração. Expliquei que era coisa da minha mãe, quando eu morava aqui era só caixa de papelão mesmo. Sorrimos. Fui andando até a varanda e ele me acompanhou, paramos olhando pra fora por um instante, elogiei a piscina do condomínio, rimos mais e, pela primeira vez, nos demos a chance de olhar nos olhos. Mas também não demoramos nisso. Acho que fui eu quem passei o braço primeiro ao redor do corpo dele, mas antes que o braço sequer encostasse nas suas costas, nossas bocas já tinham se encontrado.

Os próximos passos pareceram uma dança ensaiada, passamos da varanda pra cama, sem muito mais contato. Me joguei ainda de vestido na cama e ele se sentou ao meu lado. Confessei que achava uma loucura que ele estivesse comigo naquele instante, Nicolas deu de ombros. Retomamos algumas conversas do bar para ganhar tempo. Falamos das pessoas e dos comentários polêmicos até ele se interromper e perguntar se reparei em como me olhou a noite inteira. Admiti que não, sentindo uma pontinha de orgulho. Eu tava com medo de parecer hipnotizado, me disse e, instantaneamente, senti meu corpo perdendo a tensão. Um ego massageado pré-sexo é tudo de bom.

Pareceu ler os sinais do meu corpo, pois passou a mão pelas tiras aparentes do meu sutiã e perguntou se não me incomodava. Respondi que podia tirar, mas me demorei na tarefa, primeiro rolei na cama e fiquei de bruços, deixando tempo para que ele aproveitasse pra levantar minha saia. Eu escolhi uma boa calcinha hoje, disse porque queria um elogio. Ele concordou e passou a mão na minha bunda sem pressa. Até que se lembrou do que fazíamos e me pediu pra tirar tudo, o vestido, depois o sutiã com suas mil tiras, a calcinha não deu tempo.

Foi como um roteiro que a gente ensaiou mil vezes com outras pessoas. Ele me agarrou, me apertou, me beijou e chupou meus peitos e, sem um minuto de hesitação, a gente girou na cama e era eu quem beijava, que roçava e lambia. Mas também não tinha pressa nenhuma e o sono que tive medo de sentir não mandou nem sinal de fumaça. Confesso que às vezes acho estranho tirar a cueca dos parceiros, mas ele se entregou sem constrangimento. Era o momento do meu solo e eu tava inspirada como nunca. Depois de três meses sem sexo, minha boca até se desesperava pra foder o pau dele. Sou eu que fodo, eu tinha isso bem claro pra mim quando tinha o pau dele nas mãos e na boca ou quando fazia suspense e simplesmente parava e o assoprava ou quando procurava seus olhos para que testemunhassem uma lambidinha sacana. Ele gemeu e me garantiu que eu era boa no que fazia, quase me detive pra dizer que boquete é um diálogo, mas deixei pra lá. Fui mudando o tom da conversa, passei a língua e os dedos também pelo saco e depois no períneo, só para vê-lo estremecer mais. Será que é hoje que faço um fio terra?

Apollonia Saintclair

Nicolas me parou e me deitou, como pra me avisar que era a sua vez. Perguntei porque não me deixou acabar, mas ele me calou com a primeira enfiada de língua entre os grandes lábios. Me ajeitei na cama e coloquei as mãos embaixo da cabeça, enquanto ele ajeitava a língua entre as minhas pernas. Quando percebeu minha posição, parou pra rir de mim e me xingar de cara de pau. A verdade é que me sentia imbatível mesmo e até fiquei me perguntando se tinha um desfecho melhor praquela noite que não a cena de Nicolas me chupando na cama gigante que mamãe me deu de presente. Até tinha. Ele continuou me chupando até me fazer arquear o tronco de prazer, mas eu também não queria gozar ainda. Pareceu ler meus pensamentos, porque subiu pra me beijar. Ficamos assim por alguns minutos enquanto nos masturbávamos.

Então eu disse vem. E ele disse não. Levantou, pegou uma camisinha na mochila e voltou pra cama me chamando de doida. Expliquei que “vem” era no sentido figurado, obviamente estava implícita a camisinha, Nicolas, quer ensinar o padre a rezar? Ele repetiu que eu era doida e muito danada e aí sim veio. E a gente fodeu grudadinho. Pensei que o que queria da vida era só nunca mais dormir, nunca mais tirar ele de dentro de mim e nunca mais parar de foder grudadinho, olhando nos olhos. Mas, no momento em que terminei de pensar isso, ainda com minhas pernas entrelaçadas ao redor dele, Nico levantou o tronco e começou a meter com mais força, deixando escapar olhares e gestos que, quase imediatamente, tentava ocultar.

Dos atos falhos, o que mais gostei foi a enforcadinha, que ele tentou disfarçar, na primeira vez, com um carinho improvisado no meu rosto. Tive vontade de dizer pra ir em frente, mas preferi ser cúmplice do gesto autocensurado. Na segunda vez em que, durante uma metida mais forte, esticou a mão inconscientemente para apanhar meu pescoço e recuou, envergonhado, antes mesmo de fechar os dedos sobre ele, eu já achava graça. Também reparei na mão contendo a força do impulso toda vez que estava a meio caminho de um tapa na minha cara. Os gestos interrompidos, no entanto, tinham o efeito do gesto concretizado. Eu fodia com ele e com o que poderia ser dele.

Depois que gozou, depois que ensaiei o recomeço da outra foda e ainda depois da segunda, quando me disse que eu precisava deixá-lo dormir, a gente se abraçou e se encarou como se admitíssemos a dificuldade de verbalizar uma certa incompletude.

“Amanhã eu vou acordar arrependido”, lamentou

“Por quê?”

“Porque a gente não fez tudo que podia”

“Não pensa nisso, eu tô bem satisfeita”, consolei, mas sabia que ia me sentir do mesmo jeito depois.

Para ouvir o podcast que gravamos com Seane Melo, clique aqui!

Esse conto foi publicado na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa não só debater questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

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Seane Melo
Mulheres que Escrevem

Jornalista e escritora maranhense, autora do romance “Digo te amo pra todos que me fodem bem”