Três poemas de “sobre as linhas extintas”, de Taís Bravo

Mulheres que Escrevem
Mulheres que Escrevem
3 min readOct 16, 2018

“Na inviabilidade, na indiferença e na intransitoriedade destes tempos, o poema torna-se o reduto possível da diferença, da transitoriedade, da sobrevivência (a escrita, também sobrevivente, se faz então possível entre os gestos que se perdem entre uma linha e outra, inscrevendo-se na possibilidade de perda ao mesmo tempo em que se sustenta nela), trazendo, na repetição dos gestos automáticos, um deslocamento inesperado, o amor como quebra do hábito”. — Danielle Magalhães, no posfácio de “sobre as linhas extintas”.

tiro uma foto da sua janela
porque quero lembrar
como era essa brisa
pergunto se venta assim até no verão
como quem se prepara para os dias difíceis
diz que depende da direção dos ventos
nunca entendi como se usa uma bússola
penso que poderia ficar
aqui feito os que esquecem dos trajetos
indiferente aos movimentos obsessivos
poderia não insistir
aceitar mais um café
me entreter com o que há
nessa posição propícia
longe do que pode ser ou não certo
guardo o recorte azul
até a próxima
partida
conto mais com a nostalgia do que com a sorte

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nos últimos inícios
você sempre
entre minhas mãos
todos os dias
o primeiro toque
antes de despertar
já pressiona uma marca
acumulada de gordura
desses ínfimos vincos
que tornam única a minha identidade
difícil de alcançar
entre o tumulto de utensílios
você é o que involuntariamente tateio
a qualquer momento
quase sem sentido
o que eu quero
principalmente quando me encontro
sem direção e sozinha
nunca a solução
mas o meio
a expansão dos meus territórios
às vezes o mais próximo de casa
agora que não reconheço um só chão
entre tantas saídas possíveis
janelas jogos mensagens
você às vezes me faz voar
desconectado me move
apenas pelo que guarda em sua memória
que eu tantas vezes excedi
entre os lugares sem volta
as células que gasto
os contatos mais frequentes
você é o elo que cria e salva
todo o meu dispositivo móvel

um conceito de entrega

crush
em inglês
é um verbo e um objeto
você pode possuir e quebrar algo
mas dizer que ele é seu
crush
só é possível na minha língua
onde as mutações são mais intensas
diante do tormento
que se inicia na queda
encaramos a suspensão
dos nomes que não evocamos
por um lugar aberto
na minha língua
crush se personifica
é uma multidão
impõe disputas
entre gestos efêmeros
pegar ou ficar
torna-se dominante
pelo ranger dos dentes
este ponto preciso
quase nada extenso
sussurrando
a irresistível forma
de um abandono

Taís Bravo

É escritora e uma das criadoras da iniciativa Mulheres que Escrevem. Autora do livro digital Todos os meus (ex) heróis são machistas e coautora da zine possível (Alpaca Press, 2016). Alguns de seus trabalhos podem ser lidos em veículos como Garupa, Subversa, Diversos Afins e Escamandro. É formada em Filosofia pela UFF e atualmente cursa Letras na UFRJ.

Para ouvir o podcast que gravamos com Taís Bravo, clique aqui!

Esses poemas foram publicados na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

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