Três poemas de Cristiane Sobral
Meu corpo nunca estará em liquidação
Retina Negra
Sou preta fujona
Recuso diariamente o espelho
Que tenta me massacrar por dentro
Que tenta me iludir com mentiras brancas
Que tenta me descolorir com os seus feixes de luz
Sou preta fujona
Preparada para enfrentar o sistema
Empino o black sem problema
Invado a cena
Sou preta fujona
Defendo um escurecimento necessário
Tiro qualquer racista do armário
Enfio o pé na porta e entro
Black Friday
Alguns homens sonham com meu corpo
Entre os seus lençóis
Eles desejam desesperadamente
Consumir meu sexo
Mas não suportariam meu banzo
Meu clamor
Não aguentariam vestir a minha pele negra
Nem por um segundo
Eles poderiam tomar posse de tudo que sou
E até germinar ali os seus filhos
Mas sairiam sem olhar pra trás
Esses homens devorariam o meu corpo
Com ardor
Como lobos sugariam o meu interior
Até secar meu ventre…
Impunes, voltariam para os seus lares brancos
Sem o meu menor pudor
Tenho medo desses homens
Que rezam para o criador
Que juram um falso amor
Eu tenho medo desses homens
Não aceito os seus sorrisos
Nem me iludo com as suas promessas
Não sou produto com desconto
Esqueçam as ofertas
Black Friday
Meu corpo nunca estará em liquidação!
Para vocês jamais venderei barato
O que sempre custará o dobro.
Tente me amar
Tente me amar
Enquanto a chuva não vem
Depois que o leite derramar
Ame como nunca amou ninguém
Tente me amar
Sem pensar em voltar
No balanço do trem
Esperando a hora certa
De fazer um neném
Tente me amar
Sem desculpas pra me deixar
De anel no dedo
Ame completamente sem medo
Tente me amar
Sem me confundir com ninguém
Enquanto seu lobo não vem
Tente me amar
E consiga.
Cristiane Sobral é carioca e mora em Brasília desde a década de 90. Escritora, poeta, atriz, diretora e professora de teatro. Ganhadora em 2017, do Prêmio FAC-Secult-DF de Culturas Afro-Brasileiras. Imortal cadeira 34 (Academia de Letras do Brasil). Mestre em Artes (UnB), Especialista em Docência Superior pela Universidade Gama Filho, RJ. Licenciada em Educação Artística; Bacharel em Interpretação Teatral (Universidade de Brasília). Professora da SEDF — Atuando como Coordenadora Intermediária na Regional de Ensino do Núcleo Bandeirante — DF. Diretora de literatura afro-brasileira no Sindicato dos Escritores. Começou a publicar em prosa e poesia em 2000 na antologia Cadernos Negros. Suas obras poéticas e ficcionais são O tapete voador (2016), Espelhos, Miradouros, Dialéticas da Percepção, Não vou mais lavar os pratos, e Só por hoje vou deixar meu cabelo em paz. Você pode ver o trabalho de Cristiane em seu blog e na página do Facebook. Cristiane foi uma das poetas indicadas por Jarid Arraes em nossa lista Poetas Negras da Literatura Brasileira.
Estes poemas, originalmente do livro “Só por hoje vou deixar o meu cabelo em paz”, foram publicado na iniciativa Mulheres que escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer colaborar com a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!
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