Três poemas de Brena O’Dwyer
II
é no equilíbrio frágil de certos silêncios que a gente vive
cada dia mais cansados de existir sempre politicamente
cada dia mais necessário
Assombrados por números. 33 agressores, 50 mortos, nenhum prefeito,
levanto copo e sorrisos pra instituições que não acredito
tão falida na minha geração
Assistimos a lenta derrogada das bodas de ouro
meu menos sincero foda-se
ás vezes acho que vou morrer engolida
não pela baleia
mas pelo ainda mais agigantado animal da burocracia
por menos matam-se onças
o fogo olímpico se alastra e somos deixados em estado de calamidade;
a ponte cai, o VLT descarrilha
a UERJ não, a UERJ resiste
seu desejo não é,
nem pode ser,
soberano
nas brechas eu duvido
Pai, a única coisa que te agradeço é ter me ensinado tão cedo as desigualdades de gênero.
O feminismo é coisa da minha mãe.
Três quartos do tempo
Um cansaço ancestral no meio da tarde e volto pra cama que acabei de deixar
os gatos, sempre tão atenciosos, me acompanham de fininho
andei tão distraída, mas o karma do atropelamento já está pago
e não foi a prestação
aquela desatenção perfeitamente calculada, que beira o descuido, tão irritante dos amantes
que jurei que nunca mais teria
e mordi a língua logo em seguida, como é de praxe
Ao descobrir o destino — através do oráculo — por intermédio das Deusas e Santas, decido
e tudo muda
ponto de ônibus: o inferno dos ansiosos
Eu queria ser bonita
Mas o tipo de bonita que precisa ser antipática
a questão não é narcísica,
mas egocêntrica
metade do tempo me odeio
mesmo assim, sempre obcecada, comigo mesma
talvez mais da metade
IV
como se já não fossemos muitas
talvez todas
mais do que nós mesmas
andrea se junta as mulheres que escrevem
só sobre amor
atormentadas pelo destino
que negamos por meio de todas as máquinas
sem artimanhas ou bruxarias
sem terra ou sementes
com a diferença que não vestimos branco
nem marchamos ao altar
cada vez que me olho no espelho arranco um cabelo branco
não sou a origem do mundo
mas o fim
(em tempo, menos arrogante; o prelúdio)
beijo minha melhor amiga no rosto — as vezes na boca — um pouco minha e sei o nome da avó de um menino que ela ficou uma vez, parece que estamos sempre na fila do banheiro, e em bares um pouco esquisitos, ninguém sabe mais contar histórias porque só mandamos prints, nossa revolução cultural da volta dos hieróglifos.
Juntamos as orelhas pra selfie e os cabelos se misturam um pouco.
Brena O'Dwyer é antropóloga, escritora, carioca e feminista. Não necessariamente nessa ordem. Colaboradora da Alpaca Press e escritora no Mulheres que Escrevem.