Uma trilha sonora para a Canção sem palavras

Oito intérpretes e músicas que me acompanharam durante a jornada dessa escrita

Laura Cohen Rabelo
Mulheres que Escrevem

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Canção sem palavras, como todos os livros que escrevo, é cheio de música. Dessa vez, a música é um personagem central da narrativa, com a qual a violonista Maria Teresa (ou Matê para as íntimas) entra em embate. Muitos dos meus amigos e conhecidos que leem o livro ficam buscando as músicas que são citadas durante o livro e me pedem para fazer uma playlist com as músicas citadas. Eu, de fato, tinha feito uma playlist de violão e outras coisinhas para entrar no clima da história (faço isso com todos os livros que escrevo, sempre com músicas diferentes), mas acabei deletando quando o livro foi para a gráfica. Desde então, não tenho escutado mais violão. Quando publico um livro, acabo não querendo voltar à narrativa, parece que ela não existe mais para mim, e me custa um pouco de tempo voltar a ouvir as músicas que eu ouvia escrevendo. Como não quero reler meu livro e fazer uma lista das músicas que a Maria Teresa toca, faço aqui agora uma lista de oito intérpretes e músicas que me acompanharam durante a jornada dessa escrita:

1. Fábio Zanon

O Fábio Zanon foi, com certeza, o intérprete que mais ouvi nesse período. Não só pelas coisas que ele tocou e eu ouvi sem parar (por exemplo, o Villa-Lobos completo), mas também por causa do programa de rádio dele, Violão com Fábio Zanon, que era tocado na rádio cultura entre 2006 e 2009. Além da seleção musical, havia muita narrativa, era uma conversa extremamente literária, no sentido que as falas dele eram fantásticas, com palavras muito bem escolhidas. Eu lavava louça ouvindo, arrumava a casa, andava de ônibus, imersa nisso. Ano passado, tive a oportunidade de encontrar o Zanon em uma masterclass, e quando eu disse que estava escrevendo um livro sobre uma violonista e fiz algumas perguntas, ele me contou que quando era mais jovem, não pensavam que ele se tornaria músico, mas escritor.

2. A Suíte Compostelana, do Federico Mompou

Eu me lembro de estar em um ônibus em Israel, atravessando o Negev e ouvindo essa composição do Federico Mompou, tocada pelo Andrés Segovia, a quem ela é dedicada. Quando ouço, ainda vejo o deserto. Vocês podem ouvir aqui o primeiro movimento, o meu preferido (e preferido da personagem Matê também), na mesma versão que eu escutei tanto.

3. Duo Abreu

Todo mundo falava do Duo Abreu como o grande must do violão, eu tinha escutado, mas não tinha achado muita graça. Sérgio e Eduardo Abreu são irmãos, tocaram desde cedo juntos, e muito jovens tiveram muito sucesso. No entanto, ambos acabaram com suas carreiras muito cedo, desistindo de fazer concertos e gravar. Eduardo largou o violão antes, e Sérgio seguiu sozinho, tocou, gravou, mas também abandonou a carreira, tornando-se um dos principais luthiers do Brasil. Rúbia, minha consultora musical número um, insistia para que eu ouvisse mais eles, e um dia ouvi usando fones de ouvido: era absolutamente perfeito, tão perfeito que dava até temor de ouvir, um negócio que paralisa o corpo da gente. Durante a narrativa, a personagem Matê flerta com a desistência e pensa nesse duo. Esse abandono de carreira ecoou em um livro novo que estou escrevendo, sobre uma desistência feliz (mas ainda não posso falar dele!).

4. Duo Siqueira Lima

Conheci o Dua Siqueira Lima — formado por um casal, a Cecília Siqueira, uruguaia, e o mineiro Fernando de Lima — em um festival de violão daqui de BH. Em entrevistas, o casal diz que se conheceu de forma inusitada: ambos empataram no primeiro lugar em um festival de violão, acabaram ficando juntos e passaram a tocar juntos. Acho que ao longo do livro, a Matê idealiza um casal que toca violão e se acompanha na vida, e isso é um eco desse casal. Para mim, esse duo é a música da alegria. Foi também através deles que conheci as canções sem palavras de Mendelssohn, que eles gravaram em um disco em homenagem ao professor Henrique Pinto, então foi por culpa deles o nome do livro. A canção sem palavras que embalou a escrita do último capítulo pode ser ouvida aqui. Ah, e os dois se tornaram muito famosos por conta do Tico-tico no fubá que tocam juntos em um violão só.

Infelizmente, a Cecília Siqueira foi uma das únicas violonistas mulheres que ouvi enquanto estava escrevendo o livro, e depois que ele foi publicado fui tendo contato com outras. Acho que o fato de eu ouvir tantos homens ajudou a criar um pouco o espaço ficcional da história: Maria Teresa é uma mulher em um mundo de homens.

5. Os doze estudos para violão, do Villa-Lobos

Todos os dias, quando eu começava a escrever, eu ouvia todos os doze estudos do Villa-Lobos para violão, às vezes em ordem, às vezes apenas o quinto e o décimo primeiro, meus dois preferidos. O gênero estudo na música é algo curioso para mim: sob o nome de “estudo”, me parecia ser algo banal, que não sou experimentada no assunto, mas tinham um resultado estético importante. Eu tentava mudar os intérpretes que tocavam os estudos do Villa, ouvi muito o Fábio Zanon, mas também ouvi muito uma violonista prodigiosa chamada Leonora Spangenberger de apenas treze anos (abaixo), que um amigo me apresentou. Canção sem palavras é um romance de formação, especificamente a formação de uma jovem violonista que cresceu cercada de música, então imagino que a minha personagem tocaria com a energia dela:

6. Duo Assad

Mais um duo formado por irmãos — em alguma passagem do livro, a Maria Teresa reflete sobre como os duos são formados muitas vezes por um casal ou por irmãos, pessoas que de alguma forma se ligam através da vida e escolhem prosseguir juntos na música. Penso que a minha personagem gosta muito do Duo Assad tocando Egberto Gismonti. Não sei se coloquei isso no livro (tenho quase certeza que sim), mas Matê gosta muito de música brasileira, tem um gosto mais popular e contemporâneo, por assim dizer, enquanto o seu companheiro-fantasma é mais clássico. Penso que ela gosta muito disso aqui:

7. Devendra Banhart

Não só de música erudita vivemos, não é mesmo? Em uma das primeiras cenas do livro, Maria Teresa está no apartamento do seu tio em Jerusalém, fuçando a estante de CDs dele, quando acha o novo disco do Devendra Banhart entre uma grossa camada de jazz e música erudita. Eu não coloco qual CD era, mas na minha cabeça, é o Mala, de 2013. A música que especificamente ilustra para mim a fuga que Matê realiza ali no inicinho do romance é Für Hildegard von Bingen, que narra uma mulher que deixa uma abadia e se torna uma VJ. É uma historinha bem banal, certo, história de muitas mulheres que resolvem mudar de vida, mas a música é demais:

8. Shlomi Shaban e Chava Alberstein

Por fim, música Israelense! Conheci Shlomi Shaban e Chava Alberstein por conta dessa faixa que alguém me mostrou durante a viagem, que ambos cantam juntos:

A Chava Alberstein é um ícone da música israelense e, para mim, das coisas mais legais que ela fez foi pegar uma canção popular, Had Gadya, que normalmente é cantada no pessach, e ressaltar o que ela tem de obscuro. É uma historinha cumulativa: o pai compra um carneiro, que é comido por um gato, que é mordido por um cachorro, que apanha de um pau, que é queimado pelo fogo e por aí vai…

E Shlomi Shaban tem me acompanhado nos meus estudos de hebraico até hoje. Pianista genial, deixo vocês com esse disco genial dele, em que só há voz e piano.

Para ouvir o podcast que gravamos com Laura Cohen, clique aqui!

No dia 18 de junho, a partir das 19h, na livraria Blooks de Botafogo, teremos o prazer de receber Laura Cohen para conversar sobre a jornada da protagonista de Canção sem Palavras. Saiba mais sobre o evento da Mulheres que Escrevem com Laura Cohen:

Esse texto foi publicado na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa não só debater questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!

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Laura Cohen Rabelo
Mulheres que Escrevem

Escritora, coordenadora do projeto Estratégias narrativas e editora do Selo Leme. Autora dos livros "História da água", "Ainda" e " Canção sem Palavras".