Do agosto que finda…
Ah, meu adorado Caio F., mais um agosto… Creia-me: um agosto mais ‘cachorro louco’ que dantes. Confesso, querido, que foi muito difícil atravessá-lo e foi necessária muita resiliência para conseguir chegar minimamente viva à nova estação que se prenuncia… Logo será setembro e a paisagem explodirá em cores vibrantes… A poda nas minhas ‘primaveras’ foi, contudo, severa demais neste agosto que finda… Não sei se conseguirei, novamente, florescer na primavera que se avizinha ali na esquina dos Mares do Sul. Não sei se conseguirei voltar inteira depois deste agosto em que dores antigas uniram-se a novas feridas das quais quase ninguém sabe…
Sei o que Cecilia Meireles diria: é preciso aprender “com as primaveras a deixar-se cortar e a voltar sempre inteira” [1]. Ah, meu querido, pensar sobre isso me traz à lembrança o refrão de uma bela canção: “Para que chorar o que passou / Lamentar perdidas ilusões?” [2]. Sei que não se pode chorar o que se foi, mas ficam as lições, as memórias e a necessidade de recomeçar… E, de preferência, um recomeço que me possibilite voltar inteira e plena. Para isso, é preciso, adorado Caio F., que eu não me esqueça de sempre me “levantar da mesa quando o amor já não [estiver] sendo servido” [3], como exorta Charles Aznavour em sua bela canção, e ter sempre em mente as palavras de Colleen Hoover [4]: “[…] coisas que nos derrubam na vida são testes, e esses testes nos forçam a escolher entre desistir, ficar caída no chão ou sacudir a poeira e se levantar com ainda mais firmeza que antes”.
Imersa nessas reflexões enquanto escrevo essa missiva a você, recordo-me de um trecho de uma carta que você me escreveu naquele longínquo 22 de maio de 1974, quando eu ainda era uma meninota de uns nove anos: “Eu me fui, eu me sou, eu me serei em cada um dos girassóis do reino a ser feito. E as coisas terão que ser claras” [5]. Naquela ocasião, a despeito de seu jeito taxativo, achei divertido imaginar seu rosto recobrindo a corola de cada um desses girassóis. Hoje, penso que você tinha toda razão: as coisas precisam ser claras e, acima de tudo, recíprocas. Não nego, contudo, que ainda me aflora um sorriso nos lábios ao imaginar seu rosto no lugar da corola dos girassóis e que sou uma bela florista a flanar no seu “Reino de girassóis”, acariciando suas belas pétalas solares.
(Texto autoral: © Maria Luiza Rosa Barbosa | Ilha da Magia, agosto de 2023.)
Notas
[1] Poema ‘Desenho’. In: MEIRELES, Cecília. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
[2] Versão em português da música Limelight [Luzes da Ribalta], composta por Charles Chaplin em 1952.
[3] Il Faut Savoir, composta por Charles Aznavour, em 1961.
[4] HOOVER, Colleen. Um caso perdido [Hopeless]. Tradução Priscila Catão. 1. ed. Rio de Janeiro: Galera Record, 2014. p. 262.
[5] ABREU, Caio Fernando [Caio F.]. Caio 3D: o essencial da década de 1970. Rio de Janeiro: Agir, 2005.