Sr.E
Sr.E sempre esteve comigo. Eu não consigo me lembrar do exato momento em que ele apareceu. Em algum dia perdido no tempo eu simplesmente acordei e ele estava ali, sentado na cadeira da mesinha do computador me observando dormir. Eu tinha uns 13 anos quando o vi pela primeira vez; mas assim que olhei pra ele, soube com um arrepio que não era a primeira vez que ele me observava.
Ele não gosta de lugares claros. Ele gosta da escuridão. Por isso apelidei ele assim. Sr.E, ou seja, Senhor Escuro.
No começo eu tinha medo. Muito medo. Um dia, no alto dos meus 17 anos, estressado e cansado, cheio de hormônios e de saco cheio das noites mal dormidas por conta do visitante noturno; eu resolvi enfrentá-lo. Indiretamente é claro. Me faltavam culhões para um confronto direto.
Peguei vários volumes da enciclopédia barsa na biblioteca dos meus pais e empilhei em cima da cadeira do computador com um bilhete em letras garrafais no topo da pilha: “CAI FORA ESQUISITÃO”.
Esperei um bom tempo para ver se o esquisito lia o bilhete, mas acabei pegando no sono antes dele chegar.
Algum tempo depois, senti algo se sentando no pé da cama. Eu olhei de soslaio e lá estava ele, dessa vez sentado aos meus pés. Como sempre, ele não falou nada. Nem se mexeu pelo resto da noite.
Pela manhã, vencido e abatido, recolhi as enciclopédias de volta nas estantes e joguei fora o bilhete.
Na noite seguinte ele voltou a ocupar a cadeira. No final das contas eu desisti de entender ou tentar me livrar dele; e me acostumei com a presença notívaga.
Ele nunca fez (ou disse) nada. Ele só fica ali, como um observador silencioso. Com o tempo eu só passei a enxergar ele como parte da mobília. Uma mobília que sempre me dá frio na espinha, mas ainda assim só uma mobília.
Um segredo?
Todo mundo tem um Sr.E.
Sabe aquele canto escuro entre a escrivaninha e a parede. Ou aquela parte que fica mais escura por conta da sombra que o guarda roupa faz. Geralmente o Sr.E fica ali.
Ele usa uma capa preta e um chapéu da mesma cor.
Nunca ninguém viu o rosto do Sr.E. Ou ouviu sua voz.
É quase como se ele fosse feito de sombras.
Ainda duvida de mim?
Quando se deitar essa noite, dê uma olhada ao redor do quarto com as luzes apagadas.
Ele vai estar ali.
Às vezes você só não reparou direito no escuro.