Como foi a participação feminina e como eram tratadas as mulheres ao longo do tempo

Paulo Moreira
Escritos Fantásticos
18 min readDec 15, 2018
A Rainha Branca avança - Photo by rawpixel on Unsplash

Pré-História

Durante muito tempo, os estudos de arqueólogos, paleontólogos e historiadores restringiram o mundo pré-histórico ao mundo dos “homens das cavernas”. Isso se deve ao fato de que a maioria dos ossos encontrados era do sexo masculino. Contudo, a descoberta dos fósseis femininos Lucy, da espécie Australopithecus afarensis, em 1974 na Etiópia, e Luzia, da espécie Homo sapiens, em 1975 no Brasil, logo mudam essa situação, voltando os olhares para como era a situação das mulheres na Pré-História.

De antes da descoberta da agricultura, temos vestígios de que as mulheres tinham um papel ativo no processamento da caça, como no corte das carnes e deslocamento dos animais que eram mortos com fins alimentares. Eram também responsáveis pela coleta de folhagens, frutos e raízes comestíveis. Dessa forma, acabavam garantindo o sustento de todo um grupo. Tudo indica que o trabalho delas foi um fator crucial para as primeiras economias agrícolas, uma vez que a coleta propiciou o aumento dos grupos populacionais em torno das terras férteis dos rios e, consequentemente, a formação das primeiras civilizações.

Pintura rupestre - Via Pixabay

Até a Idade do Bronze, que começou no Oriente Médio em, aproximadamente, 3.300 a.C., os braços das mulheres do passado eram mais fortes que os das atletas de elite do remo do presente, talvez devido ao comportamento intensivo e laborioso das mesmas na moagem de grãos.

O trabalho feminino, na agricultura e antes da invenção do arado, teria envolvido plantar, cultivar e colher todas as lavouras manualmente. Também eram as mulheres que davam comida e água para o gado doméstico, tiravam o leite e preparavam a carne, além de converterem peles e lã em tecido. Elas também parecem ter contribuído com pinturas, atividades artesanais e na fabricação de armas.

Grécia

Nas terras rodeadas por mares e montanhas onde nasceu a democracia, as mulheres não eram consideradas cidadãs (assim como estrangeiros e escravos), não podendo participar da vida política, como discursar na Ágora. Além disso, ocupavam uma posição de inferioridade social, exercendo atividades direcionadas, em geral, às tarefas domiciliares e à procriação. Seu ambiente “natural” estava confinado ao lar, no qual educavam e geravam os filhos de seus maridos, sendo que, assim, deveriam ser subservientes aos seus cônjuges e lhe prestar total fidelidade. Nos poemas atribuídos a Homero, Penélope, esposa de Odisseu, é um exemplo de fidelidade clássico. A mesma aguarda o retorno de seu marido, rei de Ítaca, por vinte anos, este que partiu para lutar na guerra de Tróia.

Ilustração de três mulheres gregas. A primeira, de cabelo preto e longo, segura um espelho. A segunda, de cabelos loiros, porta lança, escudo e elmo. A terceira, de cabelos pretos amarrados, porta um arco e uma flecha. - Via Pixabay

No entanto, algumas particularidades da Grécia precisam ser destacadas. Em Esparta, cidade da Península do Peloponeso conhecida por sua força militar, as mulheres desfrutavam de maiores “regalias” em comparação às atenienses. Aqui, elas possuíam maior liberdade para a prática de atividades físicas e, também, para o gerenciamento das terras de seus maridos, isso enquanto na ausência deles. Tinham uma educação similar aos homens para conseguirem melhores aptidões e atributos físicos a fim de serem capazes de gerar filhos guerreiros.

Na educação grega, as mulheres aristocratas aprendiam a ler, além das tarefas domésticas. Após o casamento eram proibidas de conviver com outros homens que não fossem seus parentes, sendo esse casamento muitas vezes arranjado pelo pai na puberdade para a formação de alianças entre as famílias. Já nas classes sociais mais baixas, era comum a prostituição feminina como uma forma de ascensão econômica.

De acordo com o filósofo grego Aristóteles, independente da idade da mulher, o homem sempre deveria conservar a sua superioridade. O pensador buscou justificar a inferioridade feminina ao hierarquizar a natureza da alma, colocando o homem livre num plano superior ao da mulher, a qual sofreria de uma carência e maturidade de espírito, sendo ela, portanto, incapaz de exercer qualquer outra função que não fosse a de obedecer ao seu marido, este que seria o responsável por governar a família. Aristóteles é conhecido pelas críticas às mulheres espartanas, especialmente aos seus corpos musculosos. Demócrito (460 a.C. – 370 a. C.) seguiu a mesma linha de pensamento e, associando a mulher à natureza, reduziu a função dela à satisfação sexual masculina, qualificando-a como uma mera fonte de prazer carnal.

Xenofonte, um autor do século IV a.C., retrata a condição feminina no casamento em sua obra Econômico, a partir da ótica de um marido, Iscomaco, que conta a Sócrates como instruiu sua esposa para que ela pudesse cuidar dos assuntos que lhe diziam respeito, mostrando-lhe os motivos do casamento e as tarefas do marido e da mulher:

“(…) eu te escolhi e teus pais me escolheram entre outros partidos. E nós cuidaremos de educar nossos filhos da melhor maneira possível, pois teremos a felicidade de encontrarmos neles os defensores e nutridores da nossa velhice. (…) Eu penso que os deuses escolheram o casal que chamamos macho e fêmea a partir de uma reflexão, e para o bem da comunidade. Em primeiro lugar os casais se unem para procriar; depois, entre os humanos, os pais, quando velhos serão alimentados pelos filhos; e como os homens não vivem ao ar livre como os animais, precisam de abrigos. E se os homens querem ter coisas para trazer para os seus abrigos, precisam fazer trabalhos ao ar livre, de onde se traz o que é necessário para a vida, a agricultura e a criação de animais. E quando as provisões chegam ao abrigo, é preciso alguém para conservá-las. Há outros trabalhos que só podem ser feitos em lugares fechados: cozinhar, tecer e educar as crianças. Ora, como essas duas funções, do interior e do exterior, exigem atividade e cuidado, os deuses tornaram a natureza da mulher própria aos trabalhos do interior, e a do homem própria para os trabalhos do exterior. (…) será necessário que fique na casa, que mande sair o grupo de empregados que tenha o que fazer fora, que supervisione o trabalho daqueles que ficam na casa, que receba as provisões que trouxerem, distribuindo as que precisarem ser consumidas e guardando as outras, cuidando para não gastar as reservas do ano em um mês. Quando trouxerem a lã, deverá cuidar para que teçam roupas para aqueles que precisam. Deverá também cuidar da conservação dos alimentos armazenados. Umas de suas ocupações, e da qual talvez não goste, será tratar dos empregados que adoecerem.”

Roma

As mulheres da Península Itálica podem ser consideradas mais livres do que as gregas. No período da República (509-27 a.C.), a mulher casada (matrona) quase sempre aparecia ao lado do marido, participando das festas, das honrarias da vida pública, da administração da casa, como fiel e colaboradora do marido. Já no Império (27 a.C. – 476 d.C.), aquelas que não podiam ou não queriam exercer as funções maternas, estudavam processos, discutiam política, falavam de novidades e expunham, na presença do marido, suas teorias e planos a generais. Com isso, a mulher romana ficou conhecida pelo seu firme caráter heroico de fidelidade.

A mulher romana estava sempre sob o poder de um homem, do pater familias (chefe do lar), do marido ou de um tutor. Um dado importante se trata da mortalidade das mesmas; mais da metade morriam antes de completarem 40 anos de idade, devido a complicações durante o parto. Somava-se a isto, nas classes subalternas (escravas ou plebéias pobres), a vida exaustiva que estas mulheres levavam no mundo do trabalho romano.

A diversão podia ser um forma de igualdade aos homens: junto com seus maridos nos anfiteatros, no meio dos espectadores, divertiam-se com as lutas dos gladiadores. Já as mulheres dos imperadores romanos e da nobreza senatorial travaram grandes lutas nos bastidores do poder, as quais defendiam o trono para seus filhos, irmãos e amantes.

Uma curiosidade que pode chamar atenção de alguns é a existência de gladiadoras, embora muito poucas, fato comprovado pela descoberta de túmulos, estatuetas e relíquias atribuídas a elas. Porém, as gladiadoras foram banidas pelo imperador Septimius Severus em 200 d.C.

Idade Média

Na Idade Média europeia, as mulheres tinham um papel tradicional dito pela sociedade de esposas, mães e filhas, mas também se ocupavam de diversos outros papéis sociais, como professoras, médicas, boticárias, tintureiras, copistas, miniaturistas, encadernadoras, arquitetas, chegando até mesmo a exercerem alguns papéis de liderança importantes, tais como abadessas e rainhas. E possuíam direito de voto nas comunas burguesas.

Ademais, o poder da Igreja Católica influenciou fortemente o papel da mulher no papel da boa esposa. A imagem de Maria intensificou a presença e promoção de mulheres na religião, assim como a figura de Eva, a primeira esposa, e Madalena, a pecadora arrependida. Mulheres mártires são santificadas. Entretanto, eram consideradas como a causa e objeto do pecado, portadoras de entrada para o demônio.

Ilustração de bruxas, possivelmente sendo torturadas, no Daemonologie (1597) - Via Wikimedia Commons.

"Toda mulher se regozija de pensar no pecado e de vivê-lo."(Bernard de Morlas, monge da Abadia de Cluny, século XII).

"A mulher é um verdadeiro diabo, uma inimiga da paz uma fonte de impaciência, uma ocasião de disputas das quais o homem deve manter-se afastado se quer gozar a tranquilidade." (Francisco Petrarca, poeta italiano, século XIV).

"Que se leiam os livros de todos aqueles que escreveram sobre feiticeiros e encontrar-se-ão cinquenta mulheres feiticeiras, ou então demoníacas, para um homem." (Jean Bodin, jurista, sociólogo e historiador, século XVI)

O casamento ocorria quando as mulheres ainda eram muito jovens em relação a seus maridos, o que forjava um domínio completo do esposo, conduzindo numa perda dos direitos legais que a mulher possuía quando solteira. Tinham a obrigação de manutenção do novo lar. Filhas eram completamente excluídas da linha de sucessão e a herança era passada apenas para os primogênitos homens.

Na classe dos camponeses, a situação dos dois sexos era quase igualitária em relação ao trabalho agrícola. Cuidavam das crianças, fiavam a lã, teciam e ajudavam a cultivar as terras.

A condição feminina na Idade Média sempre foi transmitida como uma condição de 'submissão' em relação aos homens, pelo menos entre a aristocracia feudal. O ensino era fora do meio privilegiado, a formação feminina era orientada antes de mais nada pelas compreensões do casamento, dos filhos, das responsabilidades e da vida privada. As mulheres deviam ser educadas para serem mães zelosas, educadoras da moral e da fé e exemplos para suas filhas.

Revolução Francesa

Mulher, carregando a bandeira francesa, guia o povo para a Revolução - Via Pixabay

A Revolução Francesa surgiu da necessidade de colocar fim a problemas crônicos dos franceses, acabando com os privilégios da nobreza, criando uma constituição laica e formulando uma das mais preciosas declarações já feitas: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. No entanto, nessa mesmo declaração, as mulheres foram um segmento excluído. Apesar de participarem dos movimentos revolucionários de 1789, tiveram seus direitos de participação política vetados. Nesse contexto, as mulheres começarão a reivindicar mais atenção para seus problemas e aparecerão para definir seu papel na sociedade.

Alguns artigos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.
Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo...

As mulheres foram capazes de “movimentar” a Revolução Francesa, pois eram elas que estavam por trás dos homens dando-lhes coragem e iniciativa. Segundo Michelet,

“As mulheres estiveram na vanguarda da nossa Revolução. Não é de admirar: elas sofriam mais.”

Foram elas, que reuniram-se para protestar contra a fome e pedir pão no Palácio de Versalhes, e em seguida foram seguidas pela Guarda Nacional (14 jul. 1789). Além disso, estavam sempre presentes nas tribunas abertas ao público, embora apenas como ouvintes.

A partir de 1789, as mulheres buscaram ser ouvidas através de textos manuscritos ou impressos e discursos orais. Em março de 1792, Pauline León, leu na tribuna uma petição assinada por trezentas mulheres, reivindicando o direito de se organizarem em Guarda Nacional. Mas os revolucionários não permitiram tal organização. Em 24 de julho de 1793, foi aprovado pela Convenção, o Sufrágio Universal Masculino, o qual excluía a mulher do direito de voto, ou seja, à mulher foi concedido apenas o direito de permanecer atuando indiretamente na política, como não-cidadãs. Logo, revolucionárias se reuniram para informar a Convenção da sua não aprovação ao Sufrágio Universal, exigindo o direito das mulheres também. O ato de revolta acabou atraindo pensadores (homens) para o movimento.

Merecem destaque três grandes autores que escreveram sobre os direitos da mulher: Olympe de Gouges, Condorcet e Mary Wollstonecraft. Para eles, era função da Revolução tratar da igualdade dos sexos, sendo esse um assunto de extrema urgência.
Segundo Condorcet,

“ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos; e aquele que vota contra o direito de outro, quaisquer que sejam a sua religião, a sua cor ou o sexo, abjurou, a partir desse momento, dos seus próprios direitos."

Algumas conquistas das revolucionárias:

1791: Olympe de Gouges escreve a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. Contudo, a declaração foi rejeitada, sendo completamente ignorada politica e academicamente, o que fez com que Olympe de Gouges ficasse quase desconhecida de pesquisas.
1792: As mulheres conseguem direitos sobre o estado civil e divórcio.
1793: mesmos direitos de autoridade paternal para o pai e para a mãe.

Vejamos alguns artigos da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã de Olympe de Gouges:

Artigo 1º A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum.
Artigo 2º O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.
Artigo 3º O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união da mulher e do homem, nenhum organismo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não provenha expressamente deles.
Artigo 4º A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão.

Revolução Industrial

O processo de Revolução Industrial substituiu o trabalho artesanal de produtos manufaturados de produção unitária pela produção industrial, com o uso de máquinas que produziam em série, portanto, mais barato, e inseriu a possibilidade da utilização de uma mão de obra menos especializada, assalariada e sem necessidade de uma grande força muscular. Com isso, a contratação de mulheres e crianças na indústria têxtil se tornou bastante comum, além de serem uma mão-de-obra barata. Muitas mulheres e crianças viam na indústria a única forma de complemento da renda familiar e os baixos salários e poucos direitos os obrigavam a trabalhar por várias horas e em indústrias diferentes. Em 1838, do total de operários na Inglaterra empregados nas fábricas de tecidos, 23% eram homens e 77% eram mulheres e crianças.

As operárias eram consideradas como “dóceis” pelos patrões, fáceis de manipular, acostumadas a obedecer. Ainda, a fraca organização sindical feminina contribuía para a formação de tal pensamento. A mão de obra feminina era monetariamente desvalorizada e, portanto, altamente lucrativa para o seu empregador.

No Brasil, em 1894, a participação de mão de obra feminina na indústria têxtil na cidade de São Paulo representava 67,62% do total de operários, e no levantamento do ano de 1901 totalizavam 49,95%, sem contar as crianças operárias do sexo feminino. Todavia, apesar do elevado número de trabalhadoras presentes nos primeiros estabelecimentos fabris brasileiros, não se deve supor que elas foram progressivamente substituindo os homens e conquistando mercado de trabalho fabril. Ao contrário, as mulheres iam sendo progressivamente expulsas das fábricas, na medida em que a industrialização e a incorporação da força de trabalho masculina avançavam.

As operárias brasileiras, assim como as europeias, lutavam por melhores salários, redução da carga horária – trabalhavam em média 12 horas por dia – melhores condições de salubridade, além de se posicionarem contrariamente ao assédio sexual e também ao controle disciplinar. Para isso, precisaram enfrentar barreiras comuns da sociedade, como variação salarial e intimidação física, desqualificação intelectual e assédio sexual, o pensamento de que o campo industrial era “naturalmente masculino” e a família tradicional, na qual o trabalho feminino era visto como “degradante”.

Além disso, as mulheres se viram objetos de estudos comparativos, tendo suas capacidades físicas e mentais medidas e comparadas às masculinas, sendo inferiorizadas pelo discurso científico da época e ainda colocadas em situação de submissão e tutela da autoridade masculina.

Seguindo os ensinamentos de Augusto Comte, os membros do Apostolado Positivista do Brasil entendiam que a mulher não deveria possuir dinheiro – um objeto sujo, degradante e essencialmente masculino, portanto, contrário à sua natureza. A mulher deveria se restringir ao seu “espaço natural”, o lar, evitando toda sorte de contato e atividades que pudesse atraí-las para o mundo público. A medicina fundamentava essas concepções em bases científicas, mostrando que o crânio feminino, assim como toda a sua constituição biológica, fixava o destino da mulher: ser mãe e viver no lar, abnegadamente cuidando da família. Muitos repetiam convictos os argumentos do médico italiano Cesare Lombroso: “O amor da mulher pelo homem não é um sentimento de origem sexual, mas uma forma destes devotamentos que se desenvolvem entre um ser inferior e um ser superior ”.

Guerras Mundiais

Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), tivemos uma interrupção dos movimentos feministas, devido ao mundo voltar os olhos para a ameaça das nações europeias. O trabalho feminino nas fábricas resumia-se aos setores têxteis, às escolas e a alguns postos do governo. No âmbito doméstico, trabalhavam como faxineiras, babás ou em creches.

Logo surgiu a necessidade de mobilizar as mulheres para a Guerra. Na Grã-Bretanha, elas começaram a trabalhar em fábricas e em serviços auxiliares, e também foram convocadas para compor o efetivo de grupamentos femininos das diferentes forças armadas. Entretanto, ainda recebiam bem menos que os homens pelo mesmo serviço.

Suas contribuições nas fábricas foram desde produção de armamentos e munições, embalagens e ferramentas, até serviços auxiliares, como bombeiras, guardas de trânsito, paramédicas e motoristas. Ademais, os exércitos criaram órgãos exclusivamente femininos para liberar os homens do serviço administrativo e deixá-los disponíveis ao combate físico. As mulheres quebraram recordes de produção e como exemplo de eficiência, construíram um legado que viria a se repetir na Segunda Guerra Mundial.

Porém, com o fim da Guerra, os órgãos femininos foram desmobilizados devido aos altos custos demandados para sua manutenção. O trabalho feminino nas fábricas diminuiu, uma vez que as mulheres voltaram ao ambiente familiar para cuidar dos parentes feridos pelos horrores do conflito.

Via Pixabay

Anos depois, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a quantidade de órgãos militares praticamente dobrou e, em todos os cantos do mundo, as mulheres apareceram como soldadoras, enfermeiras, pilotos de aviões, motoristas, secretárias, datilógrafas, etc. Nunca antes em toda a história, tantas mulheres, em diferentes países, foram chamadas a contribuir com um esforço de guerra. Se na Primeira Guerra Mundial elas estiveram em fábricas e foram enfermeiras, agora fabricavam e até pilotavam aviões.

Na Grã-Bretanha, inicialmente o alistamento consistiu no voluntariado, tendo preferências as mulheres solteiras para não comprometer a harmonia do lar. Mais tarde, em 1941, casadas também passaram a ser recrutadas. Em 1942, 6 milhões e 769 mil mulheres estavam envolvidas no esforço de guerra na Grã-Bretanha.

Em relação aos países do Eixo, a Alemanha e a Itália, resistiram à ideia de ter mulheres envolvidas no conflito. O número de mulheres que atuaram direta ou indiretamente na Segunda Guerra foi muito menor, principalmente na Alemanha, comparado ao dos Aliados.

A URSS possui registros de mulheres combatentes desde o século XIX. A União teve em sua história, a franco-atiradora Lyudmila Pavlichenko e Marina Raskova, pilotos bombardeiros. Raskova também liderou um dos esquadrões de bombardeio noturno, (Bruxas da Noite), tamanha a destreza dos pilotos nos ataques aéreos. Muitas foram condecoradas como heroínas de guerra.

O Canadá chegou a mobilizar 50.000 mulheres em suas forças armadas, chegando a representar 25% da mão de obra envolvida no esforço de guerra. Em 1944, o número de mulheres trabalhando era de 812 mil, das quais 261 mil trabalhavam nas fábricas de armamentos. 30% desse número trabalhava na indústria aeronáutica, sendo responsável pela produção de 16 mil aviões. A Força Aérea Canadense seria uma das primeiras a admitir as mulheres. Em julho de 1941, foi criada a Força Aérea Feminina Auxiliar do Canadá (CWAAF). Ainda naquele ano, o exército criou o Serviço Feminino armado Canadense (CWAC). A Marinha seria a última a aceitar as mulheres em seu efetivo, em 1942, com a criação da Reserva Feminina da Marinha Real do Canadá (WARCNS).

Já no Brasil, a participação das mulheres se deu por meio do envio de 73 enfermeiras para ajudar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), em missão na Itália.

Mas em todos os países havia um problema em comum: as mulheres ainda recebiam os menores salários, executando a mesma atividade dos homens.

8 de março: o Dia Internacional das Mulheres

Seria inadequado falar da luta das mulheres por reconhecimento sem citar Clara Zetkin (1857-1933), alemã, membro do Partido Comunista Alemão, deputada em 1920, que militava junto ao movimento operário e se dedicava à conscientização feminina. Ao participar do II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagem, em 1910, Clara Zetkin propôs a criação de um Dia Internacional da Mulher sem definir uma data precisa. Contudo, vê-se erroneamente afirmado no Brasil e em alguns países da América Latina que Clara teria proposto o 8 de Março para lembrar operárias mortas num incêndio em Nova Iorque em 1857.

Foi em 1903, no contexto do movimento operário nos EUA, que formou-se, pela ação de sufragistas e de profissionais liberais, a Women’s Trade Union League para organizar trabalhadoras assalariadas. No último domingo de fevereiro de 1908, mulheres socialistas dos Estados Unidos fizeram uma manifestação a que chamaram Dia da Mulher, reivindicando o direito ao voto e melhores condições de trabalho.

Com o intuito desmobilizar o crescente apelo das organizações e controlar a permanência dos trabalhadores/as, muitas fábricas trancavam as portas dos estabelecimentos durante o expediente, cobriam os relógios e controlavam a ida aos banheiros.
Assim, o início do conflito se deu quando algumas trabalhadoras que reclamavam contra as condições de trabalho e salário foram despedidas e pediram apoio. Trabalhadoras da Triangle (outra fábrica), sensibilizadas pela situação dessas mulheres, quiseram retirar alguns recursos do sindicato interno para ajudar as companheiras mas não conseguiram. Em resposta, houve manifestações nas portas da Triangle e, em seguida, greve para melhorar as condições de trabalho nas indústrias de roupas – o que ocasionou o fechamento de mais de 500 fábricas. Essa greve chegou a se encerrar só após 13 semanas.

Foto em preto e branco do incêndio na fábrica de tecidos Triangle em 25 de março de 1911. - Via Wikimedia Commons.

Mesmo com as manifestações, a reação dos proprietários repetia-se: portas fechadas durante o expediente, relógios cobertos, controle total, baixíssimos salários, longas jornadas de trabalho. O dia 25 de março de 1911 era um sábado, e às 5 horas da tarde, quando todos trabalhavam, irrompeu um grande incêndio na Triangle. Na hora do incêndio, algumas portas da fábrica estavam fechadas. Dessa forma, morreram 146 pessoas, 125 mulheres e 21 homens, na maioria judeus. No dia 5 de abril, houve um grande funeral coletivo que se transformou numa demonstração trabalhadora. Cerca de 100 mil pessoas acompanharam o enterro.

Em 8 de março 1917, trabalhadoras russas do setor de tecelagem entraram em greve e pediram apoio aos metalúrgicos. Na década de 60, o 8 de Março foi sendo constantemente escolhido como o dia comemorativo da mulher e se consagrou nas décadas seguintes.

No Brasil, vê-se repetir a cada ano a associação entre o Dia Internacional da Mulher e o incêndio na Triangle, quando na verdade Clara Zetkin o tenha proposto em 1910, um ano antes do incêndio. Nas primeiras décadas do século XX, surge uma nova personagem, Berta Lutz, responsável pela reivindicação do direito ao voto feminino e por conscientizar as mulheres sobre a importância da sua participação na política. O direito ao voto feminino foi concedido em 1933 por Getúlio Vargas e garantido na Constituição de 1934, mas só veio a ser posto em prática com a queda da ditadura getulista, e as mulheres brasileiras votaram pela primeira vez somente em 1945.

REFERÊNCIAS:

ALVES, Ana Carla Farias; ALVES, Ana Karina da Silva. As trajetórias e lutas do movimento feminista no Brasil e o protagonismo social das mulheres. IV Seminário CETROS, 2013. Disponível em: <http://www.uece.br/eventos/seminariocetros/anais/trabalhos_completos/69-17225-08072013-161937.pdf> Acesso em: 02 set. 2018.

BLAY, Eva. 8 de março: conquistas e controvérsias. Estudos feministas, v. 9, n. 2, p. 601, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n2/8643> Acesso em: 02 set. 2018.

DE SOUZA, Itamar. A mulher e a revolução francesa: participação e frustração. REVISTA UNI-RN, v. 2, n. 2, p. 111, 2008. Disponível em: <http://www.revistaunirn.inf.br/revistaunirn/index.php/revistaunirn/article/viewFile/81/93> Acesso em: 02 set. 2018.

FERNANDES, Cláudio. Grandes mulheres da história. Brasil escola. 2009. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/historia/grandesmulheres.htm> Acesso em: 02 set. 2018.

NASCIMENTO, Maria Filomena Dias. Ser mulher na idade média. 1997. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/43565532.pdf> Acesso em: 02 set. 2018.

NOGUEIRA, Natania. A participação feminina na segunda guerra mundial. História hoje. 2015. Disponível em: <http://historiahoje.com/a-participacao-feminina-na-segunda-guerra-mundial/> Acesso em: 02 set. 2018.

PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, história e poder. Rev. Sociol. Polít. v. 18, n. 36, p. 15, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v18n36/03.pdf> Acesso em: 02 set. 2018.

RODRIGUES, Paulo Jorge et al. O trabalho feminino durante a revolução industrial. XII semana da mulher. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/xiisemanadamulher11189/o-trabalho-feminino_paulo-jorge-rodrigues.pdf> Acesso em: 02 set. 2018.

--

--

Paulo Moreira
Escritos Fantásticos

Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.