Pessoa vestida de preto sentada em um banco atrás de uma mesa redonda. Está de cabeça abaixada e com as mãos escondendo o rosto, talvez chorando. Atrás dela, no canto superior esquerdo, há um pôster pregado na parede.
Pessoa vestida de preto sentada em um banco atrás de uma mesa redonda. Está de cabeça abaixada e com as mãos escondendo o rosto, talvez chorando. Atrás dela, no canto superior esquerdo, há um pôster pregado na parede. Photo by Trần Toàn on Unsplash

Seus Personagens Sofrem?

5 Dicas para deixar a Dor Física mais Realista

Paulo Moreira
5 min readMar 26, 2021

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1. Considere o Grau da Dor

Antes de começar a escrever, ou melhor, na edição de seu texto, considere a seguinte divisão para a dor que seu personagem vai sentir/sentiu:

Leve: o personagem a percebe, mas ela não é capaz de distraí-lo (picadas, beliscadas).

Moderada: o personagem é distraído, mas ainda pode fazer coisas (pulsação, angústia).

Severa: o personagem não conseguirá fazer qualquer coisa (tortura, agonia).

Incapacitante: o personagem só sentirá dor e fará de tudo para aliviá-la (rasgar, contorcer).

Separe palavras específicas para cada grau. Como dor é algo subjetivo, você está livre para usar adjetivos e metáforas que transmitam melhor a sensação. Mas tenha cuidado! Como já vimos no artigo sobre metáforas originais, não misture imagens que não fazem sentido. No caso da dor, não misture graus diferentes em uma só metáfora.

Exemplo: Uma picada lacerante de motosserra.

“Picada” é de grau leve. Não faz sentido usar uma metáfora para grau incapacitante como “motosserra”.

2. Lembre o leitor da frequência da dor

Quando você escreve um personagem que está com dor ou sofre de dor constantemente, é natural querer falar sobre ela para que o leitor não se esqueça da característica. No entanto, falar sempre de uma mesma maneira torna a leitura tediosa e previsível. Então, trabalhe essas 3 formas de como lembrar o leitor sobre a dor.

Contando: forma mais fácil, porém menos criativa, limite-a ao mínimo possível. É ideal quando você não precisa se estender em descrições que tirarão o ritmo da cena. Se a dor não é o foco aqui, apenas um detalhe a mais, use o contar.

Exemplo: “Rodrigo deixou toda a papelada do caso jogada na mesa. Mesmo com dor de cabeça, Rachel guardou todos os arquivos antes de ir para casa.”

O que importa aqui é o ato da Rachel. A dor foi apenas um detalhe a mais. Podemos usar o “conte”.

Mostrando o sofrimento: um pouco mais complexa, mostre as reações dos personagens diante da dor. Crie uma cena visual do que está se passando.

Exemplo: “Barbosa levou a mão ao peito, arranhou-o com as unhas. Começou a arfar. Caiu da cadeira e ficou se debatendo no chão, a boca transbordando de sangue.”

Mostrando as consequências da dor: mostre que alterações a dor trouxe à vida do personagem. Se seu personagem vive com uma dor frequente, claro que ele adaptou sua vida para diminuí-la. Um garoto de braço quebrado não poderá jogar futebol. Um idoso evitará escadas. O Dr. House anda de bengala, de vez em quando toma analgésicos.

Exemplo: “Luzia abriu a porta com a mão esquerda.”

Supondo que Luzia seja destra, o natural seria ela abrir com a mão direita. Talvez ela tenha um corte na mão direita, ou se queimou. O leitor vai lembrar da verdade, pois acompanha a história.

3. Menos é Mais

Como todo sentimento, a dor é subjetiva. Às vezes, deixar que o leitor imagine a sensação fará com que ela seja ainda mais intensa. Você só precisa dar indícios de que a dor existe. Se eu digo que “ela mordeu os lábios”, indico que ela está nervosa, não preciso me estender mais no nervosismo. O mesmo vale para “o machado abriu sua cabeça ao meio”. A gente já sabe que isso dói.

Exemplo: “Ele era um Lannister de Rochedo Casterly, Senhor Comandante da Guarda Real; nenhum mercenário o faria gritar.

A luz do sol correu, prateada, pelo gume do arakh quando ele desceu tremendo, quase depressa demais para ser visto. E Jaime gritou.” (As Crônicas de Gelo e Fogo, Tormenta de Espadas, G. R. R. Martin)

Martin termina o capítulo aqui, em um corte abrupto — desculpe a piada. Talvez ele não tenha conseguido descrever muito bem essa dor, então deixou para os leitores imaginarem. E deu certo.

Um extra: Perceba também como o último parágrafo é bem visual. Se pergunte: por que Martin escreveu que “a luz do sol correu pelo gume do arakh”? Se ele escrevesse apenas “a luz do sol correu pelo arakh”, haveria diferença?

4. Estabeleça um limite para tolerância

Estabelecer um limite de dor que seu personagem pode suportar gera mais tensão/realismo à cena e um significado maior à resistência/superação. Obras menos realistas, como fantasia e ficção científica, podem ter personagens que suportam dores maiores que os de obras mais realistas.

Esse limite não precisa ser necessariamente um desmaio, pode ser loucura, esquecimento, ou simplesmente perder a razão e querer sair matando todo mundo à sua frente — modo berserk.

Exemplo: (…) então Harry estava de pé mais uma vez, enchendo o cálice enquanto Dumbledore voltava a gritar mais desesperadamente do que nunca:

— Eu quero morrer! Eu quero morrer! Faça-o parar, faça-o parar, eu quero morrer! (…)

Dumbledore bebeu, e assim que acabou, gritou: ME MATE! (Harry Potter e O Enigma do Príncipe, J. K. Rowling)

5. Utilize o Cenário

Com bastante criatividade e tentativa e erro, é possível utilizar a descrição do cenário para falar da dor dos personagens. Jogo de palavras com adjetivos, metáforas e comparações focando no que o personagem está sentindo podem enriquecer a descrição, mas tenha cuidado no excesso. Poemas usam disso também. Vale recomendação de leitura? Veja como o Inferno é descrito em A Divina Comédia de Dante Alighieri ou em Paraíso Perdido de John Milton.

Exemplo: Você pode descrever uma prisão com gritos, mencionar instrumentos de tortura. Unhas e arranhões na parede já serão o suficiente para trazer repulsa aos leitores — para alguns, claro.

O filme Silent Hill também é uma recomendação minha. Perceba como o cenário foi construído. As casas metálicas, queimadas e semidestruídas nos remetem a sofrimento constante sem morte; a atmosfera poluída a agonia, a dificuldade em respirar; e os sons cortantes e agudos, como a inesquecível sirene, a gritos de dor. Vale lembrar os arames, choros, hospitais, mas… deixo a experiência para você. É de terror, você deve ter percebido, então, tire as crianças da sala quando for assistir, ok?

Mulher loira e de cabelos curtos gritando. Ela se pressiona contra uma grade, tentando se afastar de várias mãos cinzentas e afiadas.
Cena do Filme Silent Hill, que me representa ao ver aqueles monstrinhos. (Mulher loira e de cabelos curtos gritando. Ela se pressiona contra uma grade, tentando se afastar de várias mãos cinzentas e afiadas.)

Gostou das dicas? Bora fazer nossos personagens sofrerem?

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Paulo Moreira

Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.