Um braço encasacado de uma mulher escreve em um caderno com uma caneta azul. Na frente do caderno, há uma xícara e um óculos.
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Voz Ativa e Voz Passiva: Quando Usar?

Paulo Moreira
Escritos Fantásticos
7 min readDec 14, 2020

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A clareza da Voz Ativa

A voz ativa é bastante recomendada pelos escritores por dar clareza e impacto à cena com ações rápidas. Trata-se de uma sentença em que o sujeito é o agente da ação verbal, diferente da voz passiva, em que o sujeito sofre a ação verbal.

Estrutura da Voz Ativa: autor + ação + alvo da ação

Exemplos: Gabriel chutou a bola. Filmaram o acidente.

Estrutura da Voz Passiva: alvo da ação + ação + autor (pode ser omitido)

Exemplos: A bola foi chutada por Gabriel. O acidente foi filmado.

Caso deseje gerar impacto, opte pela voz ativa.

O físico Leonardo Vetra sentiu cheiro de carne queimada e sabia que era a sua. Levantou os olhos, aterrorizado, para a figura sombria que o dominava.(…) O intruso curvou-se de novo para a frente, pressionando com mais força o objeto em brasa no peito de Vetra. Ouviu-se um chiado de carne grelhando. (Anjos e Demônios, Dan Brown)

Com a voz ativa, você sabe quem está fazendo a ação, não é preciso adivinhá-lo como no caso de uma omissão do autor na passiva.

Bast soltou um ganido de susto e foi violentamente atirado do outro lado da sala, onde desabou numa das mesas de madeira sólida.(O nome do vento, Patrick Rothfuss)

Quem empurrou Bast, afinal?

Ainda, a voz ativa é geralmente menor que a voz passiva. Compare:

Voz Ativa:

Denyel contemplou o céu. (…) Os fachos de sol cortavam as nuvens, desciam em feixes dourados, penetrando como lanças na superfície do mar. (Anjos da Morte, Filhos do Éden, Eduardo Spohr)

Voz Passiva:

O céu foi contemplado por Denyel. As nuvens eram cortadas pelos fachos de sol enquanto eles desciam, dourados, penetrando como lanças na superfície do mar.

Resumindo, evite a forma passiva o máximo que puder. Contudo, sempre é bom testar as duas opções e conferir qual a forma mais adequada para transmitir a emoção que você deseja, ou se você quer realmente dar clareza à cena. Utilize-a sempre nos prólogos ou nos primeiros capítulos, uma vez que facilita a imaginação do leitor que ainda está se habituando à sua história.

Mas há momentos que a voz passiva supera a voz ativa.

Despertando curiosidade com a Voz Passiva

Enquanto a a voz ativa clarifica as ideias e facilita imaginar determinadas cenas, a voz passiva deixa a cena mais nebulosa. E qual a vantagem de obscurecer uma cena? Despertar a curiosidade do leitor sobre ela.
O contexto é importante e a emoção quer você quer passar ainda mais.

Quando o autor da ação não é mencionado, o leitor se pergunta como e por qual razão algo aconteceu. Se você ouvir “A joalheria foi roubada”, já se pergunta por quem, por que e como a ação ocorreu.

A casa número 3 de Lauriston Gardens tinha um aspecto agourento e ameaçador. Juntamente com outras três, ficava um pouco recuada: duas delas estavam ocupadas e duas, vazias.(…) Um pequeno jardim, salpicado aqui e ali de plantas mirradas, separava da calçada cada uma das quatro construções, e era atravessado por uma vereda estreita, amarelada, que parecia uma mistura de saibro e argila. Todo o terreno estava muito mole em conseqüência da chuva caída durante a noite. O jardim era fechado por um pequeno muro, com cerca de um metro de altura, rematado por grades de madeira. Apoiado a esse muro via-se um bravo policial, rodeado por um grupo de desocupados, que espichavam o pescoço e aguçavam o olhar na vã esperança de ver o que acontecia no interior da casa. (Um estudo em vermelho, Arthur Conan Doyle)

Pergunta que surge: Por que este lugar é tão protegido?

A Voz Passiva também é capaz de diminuir o peso de uma ação, tirando um pouco o foco de quem cometeu o erro. Compare “Perdemos todas as gravações” com “Todas as gravações foram perdidas”. A voz passiva neutraliza a sentença, e por isso é bastante utilizada em artigos científicos.

O Sr. Dashwood a queria mais pela esposa e pelas filhas do que por si mesmo ou pelo filho — mas para o filho dele e para o filho do filho, uma criança de quatro anos de idade, a propriedade foi assegurada, de tal modo que não lhe restaram poderes de prover aquelas que lhe eram mais caras e que mais necessitavam ser providas, fosse por uma divisão do espólio, fosse através da venda de seus valiosos arvoredos. O total estava atrelado em benefício dessa criança, que, em visitas eventuais com o pai e a mãe a Norland, havia conquistado a afeição do tio. (Razão e Sensibilidade, Jane Austen)

Compare com: A criança havia conquistado a afeição do tio e recebeu o total de espólio.” Não parece que a criança planejou isso? Com a voz passiva, nenhum deles é culpado. Foi uma coisa natural.

Com um contexto adequado, a voz passiva também pode criar sentenças cômicas ou irônicas.

O filho, um rapaz pacato e respeitável, fora fartamente abonado pela fortuna da mãe, que era vultosa, (…) a mãe não tinha posses, e o pai dispunha de uma renda de apenas sete mil libras; o restante da fortuna da primeira esposa também fora assegurado ao filho, (…) o velho cavalheiro morreu; seu testamento foi lido e, como quase sempre acontece, provocou doses iguais de frustração e prazer. (Razão e Sensibilidade, Jane Austen)

O inverno do nosso descontentamento foi convertido agora em glorioso verão por este sol de York (Ricardo III, Shakespeare)

Quando é preciso enfatizar a última parte da frase, gerar expectativa, use a voz passiva. Compare “Esse crime vil foi cometido por ninguém mais que nosso querido amigo Capitão Charles!” com “Ninguém mais que nosso querido amigo Capitão Charles cometeu esse crime!”. Sem dúvidas, a primeira sentença é a mais chocante. A frase é estendida, despertando a curiosidade do leitor para a informação essencial.

Uma soprano bem conhecida estava cantando uma velha canção escocesa e, no meio dela, algo estranho aconteceu. A música de repente foi interrompida por um chiado e estalos, que continuaram por um período e depois cessaram. Houve um silêncio completo, e então um zumbido baixinho foi ouvido. (O receptor de radio, Agatha Christie)

A voz passiva traz o foco para a ação realizada e não em quem fez a ação. Isso é útil para quando não é necessário imaginar seus autores. Exemplo: “O estudo foi conduzido em um experimento controlado no quinto andar da universidade.” Não é preciso dizer que foram os cientistas quem fizeram o experimento.

Sam sentou-se no banco. Outros chegaram e partiram. Alguns entregaram mensagens e se retiraram. Alguns falaram como homem no estrado e foram mandados entrar pela porta atrás e por uma escada em caracol. Alguns se juntaram a Sam nos bancos, à espera de que seus nomes fossem chamados. Tinha quase certeza de que alguns dos que foram convocados tinham chegado depois dele. (O Festim dos Corvos, G. R. R. Martin)

Ainda, quando você quer demonstrar que os personagens não podem fazer nada diante ou contra os acontecimentos, ou seja, passividade, use o que? A voz passiva!

Era o ano de Nosso Senhor de 1775. Revelações espirituais eram concedidas à Inglaterra nesse período privilegiado da mesma forma que hoje em dia. A senhora Southcott havia recentemente atingido seu abençoado vigésimo quinto aniversário, e nessa época um profético soldado raso da Guarda Real fazia-se arauto de sublime figura, ao proclamar que arranjos já haviam sido feitos para que Londres e Westminster fossem tragadas pelo abismo. No mesmo passo, o fantasma de Cock-Lane fora exorcizado havia apenas uma dúzia de anos (Um conto de duas cidades, Charles Dickens)

A história se move, e não há nada que o personagem possa fazer contra isso.

Estava estendida num catre, sob uma pilha de peles de ovelha, com rocha acima da cabeça e raízes perfurando as paredes. (…) Estava vestida com uma combinação de lã marrom, pouco espessa, mas limpa. Uma tala tinha sido colocada em seu antebraço, enfaixado com linho. (O Festim dos Corvos, G. R. R. Martin)

Compare com: “Vestia uma combinação de lã marrom. Colocaram uma tala em seu antebraço”. Com a voz passiva, percebemos melhor que a personagem não pediu para fazerem isso com ela.

Problemas da Voz Passiva

Você já deve ter ouvido que usar a voz passiva é inadequado porque ela cai em repetições do verbo ser e seus particípios em algum momento vão acabar rimando. Sim, isso acontece, no inglês! O particípio no português se altera devido ao verbo (veja “amar:amado”, “descobrir:descoberto” e “entregar:entregue”) e ao gênero do alvo (“O museu ficou deteriorado pelo tempo” e “A casa ficou deteriorada pelo tempo”), o que evita as rimas.

Em relação ao verbo ser, ele não é obrigatório se você utilizar a voz passiva sintética (verbo na terceira pessoa + pronome apassivador “se”).

Exemplos:

Vejo andorinhas no horizonte. (voz ativa)

Andorinhas são vistas no horizonte. (voz passiva analítica)

Vê-se andorinhas no horizonte. (voz passiva sintética)

Mas claro, para usar a voz ativa, passiva analítica e passiva sintética você precisa entender que sensação deseja transmitir. Perceba nesse resumo a sutil diferença entre elas:

Cena: Um exército é pego de surpresa pelo exército inimigo.

Os inimigos tocaram as trombetas. (voz ativa, perde-se a surpresa)

Trombetas foram tocadas. (voz passiva analítica com autor da ação oculto, a surpresa foi preservada, mas é preciso um contexto para sabermos quem tocou as trombetas, corre o risco da repetição e das rimas)

Tocou-se trombetas. (voz passiva sintética, surpresa preservada, no ambiente há o som das trombetas)

Se você quiser ainda que o leitor também seja pego de surpresa, é preciso trocar o verbo por algo mais subjetivo.

O exército ouviu trombetas. (voz ativa, surpresa preservada, precisamos aproximar ainda mais o leitor)

Trombetas foram ouvidas. (voz passiva analítica, surpresa preservada, se não há menção ao autor da ação, o leitor pode ser esse autor, risco de repetições e rimas)

Ouviu-se trombetas. (voz passiva sintética, surpresa preservada, qualquer um do ambiente ouve as trombetas, tanto o leitor quanto o exército, sem risco de repetição e rimas)

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Paulo Moreira
Escritos Fantásticos

Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.