1. Apresentando o batalhão: Imunidade Inata e Imunidade Adquirida

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
10 min readMay 8, 2020

Imagine que o corpo acaba de ser invadido. A partir deste momento há várias perguntas que podemos fazer:

  • Como se sabe disso?
  • O que vai acontecer primeiro?
  • Entre muitas outras.

Cada questionamento vou destrinchar ao longo dos textos, mas saibam que a partir do momento que um invasor chega, o sistema imune prepara uma resposta.

Essa reação é coordenada, ou seja, vários elementos irão agir juntos, cada um com sua função, para se atingir o objetivo final: eliminar a ameaça.

Mas antes de entrarmos de cabeça, imaginem um prédio corporativo: concordam comigo que lá já existem defesas previamente instaladas? Temos os seguranças, câmeras de vigilância, portaria, travas de catraca, etc.

Não é atoa que o nosso corpo possui, então, uma defesa natural, que sempre existiu mesmo na ausência de alguma ameaça. Para essa defesa chamamos de imunidade inata: ela já está a postos caso seja preciso entrar em ação. Ou seja, é uma resposta rápida.

Por outro lado, vamos imaginar um cenário completamente diferente, onde tudo está um caos, guerra e tiro pra todo lado, confusão e caos. A imunidade inata já está em campo, utilizando todas as suas armas para combater a invasão. Precisamos, então, de reforços especiais para auxiliar o campo de batalha.

É aí que entram nossos heróis: a imunidade adquirida. Imaginem ela como as forças especiais do exército: são letais. Se entram em campo não tem brincadeira: chegam para resolver. Contudo, como não costumam ficar na linha de frente, elas precisam primeiro saber que existe uma ameaça para então poderem agir. Ela é estimulada e só vai adquirir corpo e função no momento que for notificada que existe um agente estranho. Assim, concluímos que é uma resposta lenta.

Não importa a velocidade, ambas vão entrar em campo. A primeira às vezes dá conta sozinha, mas tem vezes que precisa do apoio da segunda. Tudo vai depender da “força” do agressor.

E antes de começarmos a entrar a fundo, queria trazer um conceito bastante importante que irá nos acompanhar em todos os artigos: o conceito de antígeno. Quando eu colocar esse termo, vou me referir a qualquer substância estranha que irá gerar uma resposta do nosso sistema imune.

O que isso quer dizer? Toxinas e outras substâncias são “incomuns” ao nosso corpo, ou seja, nunca estiveram lá e se apareceram, provavelmente é porque quer nos “destruir”. Assim, prontamente o sistema imune irá reagir a elas. Porque uma bactéria pode ser letal? Ela, por exemplo, gera substâncias químicas que afetam nossos tecidos. O sistema imune tem a missão de neutralizar esses antígenos.

A comunicação imune

Em tempos de whatsapp sabemos o quanto é importante a comunicação. E se eu te falar que o sistema imune possui seu próprio meio de se comunicar entre si? Imagina só o seguinte cenário: um vírus super potente acabou de nos invadir e algumas poucas células estão tentando combatê-lo. Como o inimigo é muito forte, precisamos chamar reforços para ajudar na causa.

E como fazem? Através da comunicação imune: são substâncias que as células imunes produzem. Essas substâncias (como as citocinas e quimiocinas) vão viajar pelo sangue buscando ajuda de mais soldados para a batalha.

Há vários tipos de citocinas, mas não se preocupe em saber o papel de cada uma agora e como elas agem. Por enquanto, basta saber que elas existem e são fundamentais.

Esse primeiro artigo da série é uma introdução à imunologia e, abaixo, vou deixar as principais características de cada tipo de imunidade, para que depois entremos de cabeça mais a fundo.

Simbora?

A Imunidade Inata

Ela é composta por vários agentes diferentes, que possuem suas próprias funções:

  • Sistema complemento.
  • Macrófagos.
  • Neutrófilos.
  • Células dendríticas.
  • Células NK.

Quando algum invasor nos ataca, esses agentes irão agir de prontidão, garantindo uma resposta rápida, mas igual: não importa qual seja a ameaça, a imunidade inata irá sempre responder da mesma forma. Por exemplo, o macrófago (que iremos ver mais a frente) sempre irá fagocitar, independente se estiver lutando contra um vírus, bactérias, etc.

E a imunidade inata não é boba: como é a nossa barreira primitiva, além das células com suas funções, existem as barreiras físicas do corpo: são linhas de defesa primária que, caso queiram invadir nosso corpo, precisam primeiro ultrapassar essas barreiras:

  • Pele.
  • Mucosa.
  • Pêlos.
  • Alterações de pH, etc.

Macrófago

Ele é uma célula que tem uma habilidade especial: a capacidade de fagocitar.

Seu passado é um livro aberto: uma vez que é produzido, temos origem ao “baby macrófago” chamado de monócito. Só depois de viajar bastante no sangue e aprender as técnicas milenares do Batalhão Imune é que amadurece, cresce e desempenha a função de macrófago, com a skill de conseguir fagocitar células.

O que essa habilidade faz? A célula de um macrófago consegue englobar, para dentro de si, partículas estranhas, impedindo que ela avance para contaminar nosso organismo.

Dessa forma o papel deles é muito importante: precisam estar na linha de frente, sempre vigiando a entrada de organismos invasores. E por onde eles podem entrar? Pele, mucosas, etc.

Caso penetrem o macrófago está no tecido, de prontidão, a postos para fagocitar o inimigo. Assim, diferente de quando estavam amadurecendo enquanto monócitos, os macrófagos não são encontrados em nosso sangue.

E como reconhecem um organismo estranho? Em suas membranas existem vários tipos de receptores diferentes, que são específicos para substâncias que vão existir nas membranas e paredes celulares das bactérias, por exemplo. Uma vez que reconhece, estará pronto para “devorá-las”.

Vamos agora para um exemplo:

O macrófago, ao ser estimulado pela bactéria através do receptor de membrana que possui, vai fagocitá-la. Simultaneamente a isso, começará a produzir os comunicadores imune: secretará citocinas e quimiocinas que irão provocar uma série de ações em nosso organismo, como se estivesse “gritando por ajuda”:

  • Elas vão provocar vasodilatação. Com os vasos mais dilatados, mais sangue poderá irrigar a região que está sendo invadida, permitindo a chegada de mais soldados no local.
  • Também aumentarão a permeabilidade dos capilares: o que adianta chamar reforços se eles não conseguirem chegar na região? Assim, essas substâncias vão facilitar o acesso, permitindo que mais células entrem para aumentar a resposta àquele patógeno.

E é assim que se desenrola uma ação da imunidade inata. Teremos um artigo totalmente focada em explorar isso.

Imunidade adquirida

Agora vamos pincelar um pouco os agentes especiais. Como vimos anteriormentes, é uma resposta altamente eficaz, mas que é lenta, porque precisa ser avisada sobre a invasão, para depois agirem. E quem são esses soldados especiais?

  • Os linfócitos e seus vários tipos (linfócitos T, linfócitos B, etc.). Como são agentes especiais, possuem também substâncias especiais que só eles produzem, como, por exemplo, citocinas específicas e os famosos anticorpos.

A resposta da imunidade adquirida é construída em cima da inata, refinando-a e a tornando mais eficaz. Basicamente a lógica é a seguinte: é fundamental que tenhamos a inata para agir primeiro e depois avisar a adquirida. Ela, notificada, entra em ação, melhorando ainda mais a inata e também combatendo o agente estranho de maneira eficaz e específica.

Por que específica? A imunidade adquirida consegue reconhecer diferentes tipos de patógenos e montar respostas diferentes para cada um deles. É como se tivesse um protocolo de ação: “ah, foi a dengue que invadiu? Bora agir de acordo com as diretrizes A161” — “hum, agora foi a febre amarela? A diretriz A263 é a ideal”. Mais pra frente irão entender isso melhor, prometo.

Além de específica, outras propriedades merecem atenção:

  • Capacidade de formar memória: a primeira vez que o inimigo nos ataca a gente nunca esquece, não é mesmo? Eles entram pra Lista Negra do Corpo. O que isso quer dizer? Quando somos expostos à um patógeno que gera resposta da imunidade adqurida, ela vai gerar uma memória à exposição, de forma que se eu for exposto no futuro à ele, vou montar uma resposta bem mais rápida e intensa do que aquela gerada na primeira exposição. O lema é: “no primeiro ataque somos lentos, mas efetivos. E se tiver a ousadia de atacar pela segunda vez, não vai sobrar história para contar”.
  • A diversidade: porque os agentes especiais são tão bons? Porque eles estão aptos a responder a uma grande quantidade de antígenos diferentes. Os linfócitos T, por exemplo, usam a técnica da recombinação somática, tornando-os capazes de reconhecer uma gama diferente de antígenos. A bactéria XYZ do furdúncio do mundo quis nos invadir? A resposta adquirida encontrará o linfócito T certo para combatê-la.
  • A expansão clonal: os linfócitos T não são bobos. Uma vez que se acha o específico para combater o seu alvo, ele utiliza uma de suas habilidades: a expansão clonal. Simplesmente começam a se multiplicar, montando uma resposta grandiosa e específica àquele antígeno.
  • E a autolimitação: e, ufa, depois de uma batalha intensa que resultou na morte do inimigo, vão sobrar vários linfócitos T específicos no corpo, certo? O que fazer com todos eles? O excesso acaba morrendo. Seria a “morte” das cópias. Mas o original agora estará sempre à espreita, alerta, como uma memória, para caso formos invadido por seu antígeno alvo, prontamente o matará.

Detectando linfócitos

Como vimos acima, há vários tipos de linfócitos. Mas como saber quem é quem?

Quando tornam-se agentes especiais, eles ganham em sua membrana celular o que chamamos de cluster: é um conjunto de proteínas específicas para aquele tipo de linfócito. Esses clusters são usados para diferenciar os diversos tipos de linfócitos.

  • Os linfócitos T auxiliares possuem um conjunto de proteínas só deles, chamados de cluster de diferenciação 4 (CD4). Assim, precisamos convocar para ação os linfócitos T auxiliares, recrutamos através do cluster CD4.
  • Já os linfócitos T citóxicos (um outro tipo e que veremos em outro artigo), possuem outro conjunto de proteínas só deles, o cluster de diferenciação 8 (CD8).

Tudo isso é importante: os linfócitos CD4 (auxiliares) vão desempenhar uma função completamente diferente dos linfócitos CD8 (citotóxicos). São da mesma patente (linfócito T), mas possuem habilidades e funções bem diferentes.

Os tipos de imunidade adquirida

Já vimos as propriedades da resposta adquirida e como diferenciar seus soldados. Agora, para fecharmos, vamos entender seus tipos.

Como são agentes especiais, precisam estar estrategicamente posicionados no organismo. E para entendermos essa parte, vamos voltar um pouco. Como o corpo foi feito? Temos o sangue, o canal de irrigação que leva as coisas para os diferentes órgãos e tecidos. E temos as células, que recebem os nutrientes e outras substâncias (por meio do sangue) para desempenharem suas funções.

Assim, a imunidade adquirida se divide em duas áreas: a primeira irá cuidar do sangue (e outros fluídos do corpo) e a segunda das células.

Assim, a imunidade adquirida humoral é responsável pelos fluídos, possuindo linfócitos próprios. Já a imunidade adquirida celular, com seus próprios linfócitos, vai vigiar as células.

Imunidade adquirida humoral

É a que está presente no sangue, linfa, saliva, etc.

O principal agente é o linfócito B. Ele é um tanto especial, por ser o único capaz de produtos proteínas mortíferas chamadas de anticorpos. Quero que todo mundo, quando ouvirem falar de resposta humoral, rapidamente associam com as ações dos anticorpos que os linfócitos B produzem.

O anticorpo é o principal mecanismo de defesa contra os antígenos que estão em fluídos. Como ele lida com um antígeno? Ele vai denunciar sua presença. Nada de matar, destruir, imobilizar. Ele simplesmente irá grudar no antígeno e marcá-lo como um corpo estranho ao nosso organismo, de forma que outros elementos do sistema imune reajam àquele microorganismo.

Por exemplo, o macrófago, por si só, não é tão específico. Mas ao ver o antígeno marcado pelos anticorpos, rapidamente irá fagocitá-lo e destruí-lo.

Outra ação de um anticorpo é a de neutrilizar uma toxina. O próprio ato de marcá-la faz com que a função nociva dela se perca e deixa-a exposta para a ação do macrófago.

Mais detalhes sobre os anticorpos veremos num artigo focado a eles.

Imunidade adquirida celular

Esta irá agir nos patógenos que estão dentro de uma célula. Os agentes que cuidam dessa área são os linfócitos T (tanto os auxiliares/CD4 quanto os citotóxicos/CD8).

A principal função deles é defender nosso organismo contra patógenos intracelulares.

Vamos ver dois casos da ação destes linfócitos:

  • O primeiro é quando a própria célula infectada age contra o patógeno que a invadiu. Os linfócitos T irão dar instrumentos para tornar aquela célula capaz de se defender.
  • O segundo é quando a célula não consegue, de jeito nenhum, vencer a batalha. Os linfócitos T, então, induzem aquela célula à morte, matando o patógeno por consequência.

Quem auxilia? São os linfócitos T auxiliares. Elas ativam linfócitos B (a produzirem anticorpos, por exemplo), macrófagos, eosinófilos e mastócitos. Todos eles são agentes que, com as melhorias entregues pelos T auxiliares, combaterão os invasadores de forma muito mais eficaz.

Por exemplo, quando o macrófago fagocita o inimigo, ele acaba produzindo em sua membrana uma proteína sinalizadora: ela alerta o linfócito T de que existe um inimigo dentre dele. O linfócito, então, chega e se liga ao macrófago, ativando regiões que o tornarão apto a montar uma resposta ao invasor que possui em seu interior.

E quem destrói? São os linfócitos T citotóxicos. Diferente de um macrófago, que deixa o invasor preso dentro de uma vesícula em seu interior, podem ter células incapazes de fazerem isso, deixando, por exemplo, um vírus solto em seu citoplasma. A célula infectada, então, também emite uma proteína sinalizadora, mas que avisa ao citotóxico de algo vai errado. Este recebe o sinal, gruda-se à célula e a induz à apoptose por meio de duas substâncias: as perforinas e as granzimas.

A perforina faz um buraco na membrana da célula para deixar a granzima entrar e provocar a morte programada da célula.

É ideal que a morte seja por apoptose, uma vez que é um fim “limpo”, sem que o conteúdo intracelular extravase. Se fosse por necrose, por exemplo, aconteceria um extravasamento que induziria uma nova resposta imune.

Ufa, ein? Acho que está bom para o primeiro artigo.

Ele teve a intenção de passar um apanhado geral da imunologia. O que vocês precisam ter em mente é: o combate à invasão se dá sempre com a resposta inata e a adquirida juntas, mas como possuem velocidades diferentes de ação, existe toda uma janela de ação que a figura abaixo ilustra muito bem:

Vamos, então, explorar um pouco sobre os quartéis generais do corpo.

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