3. Os astros: a imunidade inata

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
8 min readMay 8, 2020

Vou construir esse artigo com uma lógica que tudo irá se encaixar no final, para que fique o menos confuso possível.

O que precisamos lembrar da imunidade inata: ela é uma resposta rápida e poderosa, mas ela não reconhece substâncias específicas como a adquirida faz. Ela simplesmente ataca, chama reforços e pede ajuda das forças especiais.

Quem compõe a imunidade inata?

  • Barreiras físicas.
  • Macrófagos.
  • Neutrófilos.
  • Células NK.
  • Basófilos.
  • Eosinófilos.
  • Mastócitos.
  • Células dendríticas.
  • Sistema complemento.

Antes de apresentá-los aos soldados de forma mais detahada, precisamos nos alinhar sobre alguns conceitos.

O terreno e as linhas de ação

Como as células imunes conseguem reconhecer que algo está errado?

Quais partes da célula são responsáveis por ver que algo está errado?

Que tipos de comunicação podem fazer?

Essas e outras vocês verão aqui, no Globo Repórter.

Zueiras à parte, precisamos entender, antes de se aprofundar nas células, o cenário e as formas que as células costumam agir para montar uma resposta contra o inimigo.

Os PAMP’s

É o nome dado aos padrões, estruturas que se repetem em determinados grupos de microorganismo. Por exemplo, como conseguimos identificar um torcedor do palmeiras? Embora nem todos os torcedores se vestem da mesma maneira, caso eles estiverem com a camiseta do palmeiras, conseguimos concluir com 90% de chances que trata-se de um torcedor deste time.

O mesmo para as bactérias: existem padrões, moléculas que um grupo de bactérias possui. Podem causar doenças diferentes na gente, mas todo esse grupo produz uma substância chamada LPS.

Podemos, então, afirmar que o LPS é um PAMP. Outros podem ser:

  • RNA fita dupla.
  • Manose, etc.

As células da imunidade inata são treinadas para reconhecer esses padrões e caso identificá-los, prontamente saberão que estão lidando com um invasor e provocarão uma resposta contra ele.

E como um macrófago, por exemplo, sabe que ali na sua frente está um PAMP?

Os receptores Toll

Sabe-se que na membrana de qualquer célula existem proteínas chamadas de receptores. Para entendê-los, basta associá-los com uma antena: tudo que se liga ao receptor é um sinal que vai fazer a célula adotar determinado comportamento.

Existe uma classe de receptores presentes nas células do sistema imune (tanto na membrana quanto dentro do citoplasma) chamada de receptores do tipo Toll. Eles tem a função de captar os padrões (PAMPs).

Assim, o PAMP LPS é identificado por um receptor Toll e, a partir deste momento, induz um determinado comportamento à célula.

É importante dizer que cada tipo de receptor Toll reconhece um PAMP diferente. Veja abaixo a relação dos receptores Toll de membrana:

  • Receptor TLR1 (Toll 1) — reconhece lipopeptídeos de bactérias gram positiva.
  • Receptor TLR2 — reconhece lipopeptídeos de bactérias gram positiva.
  • Receptor TLR6 — reconhece lipopeptídeos de bactérias gram positiva.
  • Receptor TLR4 — reconhece o LPS.
  • Receptor TLR5 — reconhece a flagelina de uma bactéria.

Já os receptores Toll intracelulares (que estão dentro da célula) reconhecem PAMPs de vírus (como o RNA fita simples e o RNA fita dupla) e alguns outros PAMPs de bactérias. Temos:

  • TLR3.
  • TLR7.
  • TLR8.
  • TLR9.

A dinâmica

Vamos ver como funciona a ativação de um TLR?

Por exemplo, o TLR4, quando ligado à LPS, torna-se ativo. Essa ligação provoca uma série de reações químicas intracelulares que o produto final ativa uma molécula encontrada no núcleo da célula, chamada de fator nuclear kappa beta (NF-kB), um fator de transcrição.

Quando ativado, ele entra no núcleo e ativa o funcionamento de genes específicos, que até então encontravam-se inativos. Estes genes são responsáveis pela produção dos comunicadores imunes: as citocinas, quimiocinas e outras moléculas. Tudo isso coordenado pelo NF-kB.

Assim, a produção dessa maquinária de “comunicadores” é o começo da montagem de uma resposta àquele patógeno que foi reconhecido inicialmente pelo TLR4.

Os intérferons

São citocinas que desempenham dois papéis importantes:

  • Interferir na invasão de um vírus — intérferons alfa e beta (IFN-a e IFN-b).
  • Ativar células NK — interférons gama (IFN-y), que veremos mais a frente.

O estado antiviral

As células infectadas conseguem perceber que são invadidas por patógenos e assim, reagem ao produzir os intérferons. Estes podem agir na própria célula (ação autócrina) ou nas células ao lado (ação parácrina).

Se um IFN produzido pela célula 1 age nas vizinhas, vai induzi-las ao estado antiviral. Esse estado vai provocar várias modificações na célula, como: inibição da síntese das proteínas virais, aumento da degradação do RNA viral, inibição da expressão de genes dos vírus, etc.

Agora que estamos alinhados com os termos, podemos ir às células.

As células da imunidade inata

Podemos dividi-las em dois grupos: as células combatentes e as células apresentadoras de antígeno.

As células combatentes

Chamei elas por esse nome por não apresentarem antígeno. O termo será explicado mais a frente. Temos:

  • Neutrófilos.
  • Eosinófilos.
  • Basófilos.
  • Mastócitos.
  • Células NK.

Os neutrófilos

Possuem papel fundamental na inflamação e são células granulares.

Eles nascem na medula óssea sob o nome de bastonete e quando este torna-se maduro, vira neutrófilo. Como possui uma vida curta (cerca de 6 horas), constantemente é renovado.

Quando agem, viajam pelo sangue e se infiltram no tecido. Podemos comparar um neutrófilo como um soldado comum. É o que está na linha de frente, dando a cara a tapa, saindo pra luta. Além de conseguirem fagocitar, também excretam substâncias que os auxiliam em combate.

A pus, conhecida por muitos, nada mais é do que o acúmulo de neutrófilos com seus lindos troféus: os microorganismos mortos.

Nas infecções agudas, por exemplo, há a presença massiva de neutrófilos.

Quando a infecção torna-se crônica, há a participação da resposta adquirida e assim, conseguimos ver os neutrófilos lutando ao lado dos linfócitos.

Os eosinófilos

São ligeiramente grandes e com poucos lobos nucleares. Seus grânulos são grandes e básicos.

Na imagem ao lado podemos ver a célula rosa. Isso acontece porque em laboratório, para identificá-los, utilizam-se de corantes específicos e um deles é a eosina, um corante ácido.

Os eosinófilos tem a função de combater invasores pluricelulares. Podemos dizer que adoram lutar contra parasitas. Isso é verdade porque seus grânulos possuem a Proteína Básica Principal, que tem afinidade com parasitas.

Os basófilos

Estão relacionados com processos alérgicos. Não cabe a essa série de artigos falar sobre alergias, mas em qualquer uma existe o envolvimento dessas células.

Os mastócitos

Das células até então citadas, as únicas que não se encontram no nosso sangue são os mastócitos.

Como veem ao lado, coram-se de roxo sob a ação de corantes de laboratório.

Tem a função de coordenar o sistema imune com as substâncias que produz. Seus grânulos possuem uma série de sinalizadores e comunicadores químicos, que irão coordenar várias respostas: quimiotaxia, infiltração celular, vasodilatação, ativação de eosinófilos, etc.

Desempenham um papel chave nas alergias, junto com os basófilos.

As substâncias de seus grânulos são:

  • Histamina.
  • Serotonina.
  • Leucotrieno B4.
  • Citocinas, etc.

As células NK

Como faz parte do sistema inato, as células NK não possuem especificidade, mas são muito boas em eliminar os invasores: conseguem lisar células infectadas, matar células tumorais e dar fim às células sob estresse.

Tem dois jeitos de agir:

  • O primeiro é induzindo uma célula infectada à apoptose, por meio da perforina e granzima (vistas no artigo anterior a título de exemplo). Como ele sabe que a célula precisa ser destruída? As NK patrulham as células imune em combate. Quando chega a inspeção de um macrófago, por exemplo, a NK se liga ao receptor ligante de NK (do macrófago). Este receptor diz: “célula NK, pode me matar”. Mas caso o macrófago tiver em sua membrana um segundo receptor chamado de MHC-1, ele diz: “célula NK, está tudo bem, não precisa me matar” e assim, mesmo recebendo o sinal positiva, a confirmação negativa já basta para ela ir embora. Acontece que uma célula infectada não consegue produzir direito o MHC-1 em sua membrana. É então que quando a NK se liga, ela recebe o sinal de morte, mas ao ver que o negativo não chega, entende que tem algo de errado com aquela célula e a destrói, induzindo apoptose.
  • O segundo é ativando macrófagos, intensificando a ação deles contra os patógenos. Lembra quando falamos sobre a ativação do receptor Toll? No fim ele ativa várias substâncias, dentre elas as citocinas. Uma citocina que é secretada pelos macrófagos é a IL-12, que tem a função de fazer as células NK acordarem. Estas ativas, produzem outra citocina chamada de interferon gama (INF-y), que age sob o macrófago, capacitando ele para produzir mais enzimas e compostos para destruir aquele patógeno. É um sistema que se retroalimenta.

As células apresentadoras de antígeno

De quem estamos falando?

  • Macrófagos.
  • Células dendríticas.
  • Linfócitos B (os únicos que não fazem parte da imunidade inata e assim, falaremos deles em outro artigo).

Elas desempenham uma função muito importante no organismo: a de apresentar um antígeno. Teremos um artigo totalmente focado nessa apresentação, mas em poucas linhas tentarei dar uma pincelada no assunto.

Lembram que a imunidade adquirida é uma resposta lenta, que precisa ser avisada da invasão? Chama-se esse “aviso” de apresentação de antígeno. As células responsáveis por isso pegam o antígeno e o levam até os linfócitos, apresentando o antígeno a eles. Só então que a resposta adquirida é ativada e entra em ação.

Os macrófagos

Eles já são nossos conhecidos. São produzidos na medula óssea e quando estão no sangue são chamados de monócitos. Ao entrarem no tecido é que recebem o nome de macrófago. Basicamente são os especialistas em realizar fagocitose, mas além disso possuem outras funções:

  • Apresentação de antígenos.
  • Reparo tecidual. Após uma intensa batalha, a região fica repleta de células mortas e danificadas. O macrófago, então, fagocita esse cenário, além de produzir fatores de crescimento que reparam o tecido danificado.

As células dendríticas

É uma célula sentinela, patrulha. De origem mielóide (lembram das linhagens das células tronco?), tem como principal função fagocitar um antígeno para apresentá-lo aos linfócitos.

Aqui está a diferença dessas células com os macrófagos. Elas tem a crucial missão de apresentar um antígeno. Enquanto estiverem “de mãos vazias”, patrulham as regiões do corpo para achar um antígeno. Uma vez achado, fagocitam e ganham a habilidade da apresentação. Até seu fenótipo muda quando capturam o antígeno.

Em outro artigo veremos a função dessas células com mais detalhes.

Nos artigos seguintes iremos ver o papel da inflamação e do sistema complemento, duas coisas ainda inerentes da imunidade inata.

Mas sempre tenham em mente: os inimigos, quando menos esperarem, terão a surpresa de também batalhar contra a imunidade adquirida. Isso porque, para surgir, precisa de dois sinais:

  • O primeiro é a própria imunidade inata no campo de batalha, secretando diversas citocinas e quimiocinas.
  • E o segundo é o trabalho silencioso de alguns agentes, indo apresentar antígenos para chamar o reforço.

E falando em reforço, o próximo artigo conta sobre um muito bem-vindo na batalha. Let’s go?

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