4. O reforço: sistema complemento

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
6 min readMay 8, 2020

Neste artigo iremos nos debruçar sobre um recurso que a imunidade tem ao seu dispor para ajudá-la no combate: é o sistema complemento.

Ele é um grupo de proteínas capaz de realizar uma série de funções:

  • Destruir uma célula-alvo infectada.
  • Facilitar a fagocitose.
  • Remover imunocomplexos (são aglomerados formados pela ligação de um antígeno com seu anticorpo).
  • Ativar a resposta inflamatória (tema do próximo artigo).

O sistema complemento ronda o plasma sanguíneo e uma vez que são ativados, vão provocar a morte das células infectadas e garantir que a inflamação se instale, para potencializar a resposta imunológica. O termo “inflamação” é muito ouvido por aí e vou guardar seus segredos por enquanto, mas saibam que é um processo benéfico ao corpo, embora tenha suas exceções.

E agora vem a questão? Como se ativa o sistema complemento? Existem 3 jeitos diferentes e nos detalharemos a respeito mais a frente. Por agora, quero esclarecer duas coisas:

  • A necrose: quando o sistema complemento destrói a célula alvo e/ou patógeno, utiliza-se da necrose. Dessa forma há extravasamento do conteúdo celular no meio e isso, consequentemente, provoca uma resposta inflamatória.
  • Opsonização: é o nome dado ao processo de marcar uma célula para que ela seja fagocitada. Gravem muito bem esse nome. Isso porque existem outros agentes do sistema imune que também realização opsonização, que é o caso dos anticorpos. E, para concluir, o termo opsonina refere-se à moléculas que realizam a opsonização. Assim, moléculas do sistema complemento e os anticorpos atuam como opsoninas.

Neste artigo veremos muitas letras e números: C3, C4, C5, C3a e por aí vai. Toda vez que lerem isso imaginem que são as proteínas deste complexo chamado “sistema complemento”. A maioria dessas letras possuem uma função dentre as descritas acima e elucidarei elas ao longo do artigo.

Visto isso let’s go para o conteúdo. Ele é um pouco complexo, mas tentarei passá-lo da forma mais fácil possível.

A ativação do sistema complemento

Pode ser ativado por 3 vias (jeitos):

  • A via clássica.
  • A via alternativa.
  • E a via das lectinas.

Imaginem o sistema complemento (um conjunto de proteínas) vagante pelo sangue. O que difere cada via é a sequência de reações químicas que acontecem a partir desse conjunto de proteínas. Mas todas essas reações acabam, no final, originando um resultado: a clivação (quebra) da molécula de C3.

O C3 é uma proteína do complexo. Basicamente:

O resultado

Como as diferenças estão em cada via é mais fácil eu começar o que todas tem em comum: o que acontece depois que o C3 é clivado.

Quando ele é quebrado, dividi-se em duas partes: C3a e C3b.

  • C3a: ativa processos inflamatórios.
  • C3b: é uma opsonina e um recrutador.

O C3b chama uma enzina que irá clivar o C5 (outra proteína do sistema complemento) em duas partes também: C5a e C5b.

  • C5a: ativa processos inflamatórios.
  • C5b: recrutador.

O C5b chama outras proteínas: C6, C7 e C8.

Todas essas proteínas juntas vão atrair uma quinta, o C9, para juntos, formarem um grande complexo na membrana da célula-alvo (lembra que o sistema complemento mata as células? É isso que iremos presenciar já já). Este “grande complexo” é chamado de MAC (complexo de ataque à membrana).

O MAC forma vários buracos na superfície da célula, a desestabilizando e causando lise por desequilíbrio osmótico.

Temos que ter em mente uma coisa: nas reações apresentadas acima, vimos a formação de algumas proteínas importantes:

  • C3a e C5a: ambas estimulam a inflamação.
  • C3b: o excesso dele é utilizado como opsonina.

E tudo isso acontece simultaneamente: enquanto há a formação de MAC, também temos C3a e C5a estimulando a inflamação e o C3b que não é usado para formar MAC está realizando opsonização para facilitar a fagocitose.

A regulação

É vantanjoso ter a formação de todo esse complexo no sangue? Imagine várias vezes esse complexo sendo formado. Isso aumentaria demais a chance de entupir algum vaso do corpo.

Por isso que existe um mecanismo de regulação. Várias moléculas regulatórias estão presentes para controlar as diversas vias do sistema complemento. E também garantem que elas não sejam ativadas no sangue, apenas no local da infecção.

Encarem esse sistema de regulação como um pedal de freio. O sistema imune, como um todo, é acelerado. Viu o inimigo chegando e já está recrutando neutrófilos, fagocitando, secretando citocinas e indo apresentar antígenos. Então, para nada sair do controle, precisa-se “pisar no freio” (através da regulação) para não deixar, por exemplo, que a inflamação se manifeste em lugares que não precisa.

As vias de ativação

Agora é a parte “chata” do artigo. Vamos ver com mais detalhes as particularidades de cada via. São algumas diferenças, mas o essencial de sistema complemento já foi passado acima.

A via alternativa

A marca registrada dessa via é que, de forma espontânea, o C3 é clivado no plasma. No sangue sempre está acontecendo uma clivagem espontânea dele, mas a uma taxa bem pequena. Se não houver nada a se combater, os fragmentos do C3 vão ser inativados e degradados e não vai existir uma continuação da resposta do complemento pela via alternativa.

Mas o cenário é outro se tiver o inimigo: o C3b liga-se à superfície do patógeno e recruta uma proteína chamada de fator B. Está é clivada em duas:

  • Ba: não tem função e assim, é degradado.
  • Bb: é a parte que sobrou do fator B. Como está ligado ao C3b, forma-se um complexo chamado C3 convertase.

A C3 convertase vai começar a clivar várias moléculas de C3, só que a uma taxa muito mais rápida que a forma espontânea. É como se a C3 convertase acelerasse o processo.

E assim, o restante já sabemos.

A via clássica

É uma via ativada quando já existe o envolvimento de um anticorpo.

Este, ao se ligar ao seu antígeno, forma um complexo antígeno-anticorpo.

Uma proteína do sistema complemento (que até agora não foi falada) é a C1, que irá se ligar ao complexo acima. Os anticorpos Igg e Igm são os capazes de iniciar a via clássica.

A ligação C1 + complexo vai chamar outras moléculas onde o resultado final é a formação da C3 convertase, que acelera o processo de quebra de C3 em C3a e C3b.

A via da lectina

Essa via se inicia com a ligação da lectina (uma proteína ligadora de manose) com a superfície de um patógeno, por meio da ligação com um resíduo de manose que existe na membrana do inimigo.

A partir daí dá-se um processo idêntico à via clássica, mas a lectina fazendo o papel de C1: o complexo lectina e manose chama outras moléculas para que, no fim, formem a C3 convertase, acelerando o processo de quebra de C3 em C3a e C3b.

O essencial do sistema complemento foi passado.

Espero que eu não tenha confundido tanto a cabeça de vocês, mas saindo daqui sabendo as funções e a formação do complexo MAC, já está de bom tamanho.

Agora lembram que o sistema complemento tem um importante papel no início da inflamação?

Que tal vermos ela agora?

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