5. O primeiro ataque: a inflamação

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
7 min readMay 8, 2020

A grande obra prima da imunidade inata é provocar a inflamação.

Ela é uma resposta do tecido à qualquer injúria que ele recebe, desde uma lesão até uma invasão. Podemos dizer que é a maneira pela qual a imunidade inata age frente à uma lesão ou invasão de microorganismos.

Mas o que é a inflamação, de fato? É uma série de alterações locais desencadeadas pelas substâncias químicas que o sistema imune produzem. Essas alterações damos o nome de sinais cardinais da inflamação:

  • Calor na região.
  • Rubor (vermelhidão) na área afetada.
  • Edema (inchaço).
  • Dor localizada (às vezes até irradiada).
  • Perda de função daquele tecido.

Posso comprovar: se você joga basquete, por exemplo, sabe que dói demais quando uma bola bate certinho no seu dedo. Na hora você começa a sentir o membro pulsar, ficar quente e vermelho. Depois de algum tempo, seu dedo dói, está inchado e o mais curioso: você não consegue mexê-lo direito. Essa é a perda de função: o que antes realizava um movimento, agora, até se curar, vai ter sua mobilidade natural restrita.

E o que está acontecendo ali? Um processo inflamatório. O sistema imune está agindo para consertar a lesão que aconteceu no dedo.

Por isso ela é benéfica. Ela tem o poder curativo em lesões e o poder destrutivo contra patógenos. É o funcionamento interligado de todas as peças da imunidade inata que garante isso.

Assim, o objetivo de se inflamar determinado local é para recrutar elementos do sistema imune para ajudarem a combater aquela situação anormal (de lesão ou infecção, por exemplo).

Construindo o cenário

A inflamação é uma resposta inespecífica (não tem aquele grau de acuracidade da resposta adquirida), por ainda se tratar da inata, mas é uma resposta muito potente. Antes de entrarmos na dinâmica da inflamação, precisamos levantar alguns termos.

Os mediadores químicos

São substâncias químicas que são liberadas no tecido, a partir da lesão/invasão, para desencadear a resposta inflamatória. São esses mediadores, secretados pelas células imunes locais, que iniciam tudo.

Quais células são responsáveis?

  • Macrófagos.
  • Mastócitos (são células que tem grânulos em seu interior recheados de histaminas. Dependendo do estímulo gerado nos mastócitos, eles as liberam, com papel importante na inflamação).

Essas células quando reconhecem algo estranho no local, são ativadas e começam a secretas os mediadores (histamina, citocinas, etc.) que irão agir na modificação tecidual e no recrutamento de novas células imune. Quando caem na circulação sanguínea, acabam tendo dois tipos de efeito:

Efeito protetor:

  • Na medula óssea vai estimular a produção de leucócitos, para recrutar mais soldados.
  • No fígado vai estimular várias proteínas (como a proteína C reativa) que ativarão o sistema complemento.
  • No hipotálamo provocará a febre, que inativa enzimas dos microorganismos e aumenta a eficiência do sistema imune.

Efeito patológico: o excesso de mediadores exarceba os efeitos abaixo.

  • Diminuição da pressão, o que afeta o coração.
  • Maior tendência à formação de trombos nos vasos sanguíneos.
  • Queda do estado geral da pessoa, que vai ficar com muito desânimo, etc. (é uma forma encontrada pelo corpo para deixá-lo parado, mais quietinho, poupando energia para usá-la na batalha que acontece).

E como é que um macrófago consegue identificar que há uma lesão tecidual?Sabemos que reconhece um microorganismo pelos PAMPs. E como se dá na lesão?

Os DAMPs

São padrões moleculares associados ao dano. São parecidos com os PAMPs, mas seriam os padrões de moléculas reconhecidos pelos macrófagos para saberem que no local está tendo algum tipo de lesão.

Que padrões são esses? São moléculas que existem dentro de uma célula saudável e que não deve existir fora dela. Caso um macrófago ache, em sua patrulha, uma dessas moléculas, ele logo entende que ali está acontecendo uma lesão e começa a formar a inflamação.

Os receptores

Os macrófagos identificam um PAMP por meio do receptor Toll em sua membrana.

Agora uma outra classe de receptores é especialista na identificação de DAMPs: os receptores semelhantes a NOD.

Já os mastócitos vão ser ativados por estímulos mecânicos ou a presença do sistema complemento. Uma vez ativados, liberam as histaminas, causando vasodilatação e dor.

Por que os sinais cardinais?

E por que existe o calor, o rubor e o edema? Por que precisamos sentir dor e termos uma perda de função?

Cada sintoma é importante para cumprir com o objetivo inflamatório: recrutamento de células imune para o local da injúria.

Precisa existir dor e perda de função para que o jogador de basquete não cutuque a região e não piore sua lesão. E como há a necessidade de que várias células imunes no local cheguem, um vaso sanguíneo em seu calibre normal não daria conta.

Dessa forma, os mediadores químicos irão provocar uma vasodilatação, fazendo o vaso aumentar de tamanho. Com ele maior, mais sangue passa na região (calor e rubor). Esse sangue traz células do sistema imune. Para entrarem massivamente no tecido, os mediadores químicos aumentam a permeabilidade do vaso, o que faz células e água entrarem no tecido. A presença de água é o que incha o local.

A vasodilatação

Como a inflamação é um processo que recruta moléculas e células para agirem no local desejado, há uma modificação dos vasos ao redor daquele tecido para facilitar essa chegada.

São 4 mudanças importantes e todas são ocasionadas pelos mediadores químicos liberados pelas células que participam do início inflamatório.

  1. Vasodilatação: tem como objetivo trazer mais sangue para aquele lugar. Isso causa a vermelhidão (rubor) e calor.
  2. Aumento da permeabilidade vascular: isso permite que as células e moléculas saiam mais facilmente do vaso e realizem suas ações no tecido alvo. Mas nesse meio tempo acaba saindo mais água para o lugar, o que causa o edema. Esse excesso de líquido causa a compressão de terminações nervosas que existem por lá, ocasionando a dor.
  3. Liberação de fatores de coagulação: além de serivrem como mediadores inflamatórios, vão provocar a coagulação de microvasos no local, com o intuito de isolá-lo. Isso serve para impedir que aqueles vasos acabem transportando o agente causador do processo inflamatório (seja um PAMP ou DAMP) para outras regiões do corpo.
  4. Ativação endotelial: o endotélio, que forma as paredes dos vasos sanguíneos, vão passar a expressar as moléculas de adesão e isso vai ser muito importante para atrair as células àquele local.

Esse último item merece uma atenção especial. Com o recrutamento, os monócitos do sangue (quando chegam ao tecido viram macrófagos) e os neutrófilos precisam chegar à área lesada.

Quando, levados pelo sangue, se aproximam, eles dão de cara com a parede do vaso sanguíneo (endotélio) um pouco modificada: está emitindo 3 moléculas — VCAM-1, ICAM-1 e selectina-P.

Ao mesmo tempo, os monócitos e neutrófilos, por terem sido atraídos pelas quimiocinas, vão expressar em suas membranas receptores para VCAM-1, ICAM-1 e selectina-P.

É então que ocorre o fenômeno da diapedese: a célula liga seu receptor à molécula do vaso sanguíneo. Uma vez aderido, a célula vai passar pelo endotélio para o tecido num processo conhecido por diapedese. Essa passagem já está faciltiada, uma vez que houve o aumento da permeabilidade do vaso.

A célula chega pelo sangue e desacelera. Rola no endotélio, se fica e entra no tecido.

O processo inflamatório na prática

Vamos supor que somos perfurados por um espinho, que atinge o tecido embaixo do epitélio. Isso provoca uma lesão das células do epitélio e também abre caminho para uma possível invasão de agentes patológicos. Como o espinho da nossa história não é estéril, as chances dessa invasão aumentam.

Isso tudo gera a ativação de macrófagos e mastócitos, por existir PAMPs e DAMPs no tecido lesionado. Essas células ativadas passam a secretar os mediadores, que vão gerar toda a resposta inflamatória.

Algumas citocinas liberadas merecem atenção:

  • IL-1.
  • IL-6.
  • TNF-alfa.

São citocinas ativadoras do endotélio para estes expressarem as moléculas de adesão (VCAM-1, etc.).

Junto com essas citocinas os macrófagos também liberam quimiocinas, moléculas que promovem a quimiotaxia (atraindo, assim, mais células do sistema imune para o local da inflamação).

E a cereja do bolo é a atuação do sistema complemento: o C3a e o C5a são anafilatoxinas, que ligam-se a receptores específicos da superfície de uma célula e promovem a inflamação por meio da quimiotaxia (ou seja, mais recrutamento).

O fim do processo inflamatório se inicia com a reparação do tecido. Quando o combate se resolveu e não há mais injúrias (seja de DAMPs ou PAMPs), os neutrófilos começam a ficar ociosos. Começam, então, a sofrer apoptose e os macrófagos percebem isso e entendem que o processo inflamatório está resolvido (que o fator causador daquela inflamação já foi combatido).

Esses macrófagos, então, se diferenciam daquele perfil clássico de macrófago que a gente conhece (macrófago M1, que é o que fagocita, gera inflamação e mata invasores).

Conhecemos então o macrófago M2, um que produz citocinas que tem como função diminuir a resposta inflamatória e recuperar aquele tecido lesado:

  • TGF-beta.
  • IL-10.

Acima, são citocinas que inibem, por exemplo, o TNF, reduzindo a atividade das células inflamatórias e induzindo os processos de reparação tecidual.

É claro que o foco, até agora, foram dos agentes da imunidade inata.

Mas a inflamação, conforme vai perdurando, acaba tendo a presença dos agentes especiais: aqueles da imunidade adquirida.

Finalmente nossos estudos começam a convergir para eles.

--

--