A esquizofrenia

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
5 min readAug 10, 2019

A esquizofrenia é uma doença incapacitante que precisa ser tratada, que se enquadra em um estado de psicose.

Uma psicose é um estado em que o indivíduo perde o contato com a realidade, tendo como sintomas:

  • Alucinações: alteração da percepção visual, olfativa, etc.
  • Ilusões: percepção distorcida de objetos.
  • Delírios: alterações de pensamentos.
  • Transtornos do pensamento formal.

Assim, dividi esse artigo da seguinte maneira:

  • Os sintomas da esquizofrenia.
  • As hipóteses da esquizofrenia — geral.
  • As vias dopaminérgicas.
  • A hipótese neuroquímica.

Os sintomas da esquizofrenia

A esquizofrenia apresenta sintomas positivos (presentes no esquizofrênico e ausentes na população sadia) e sintomas negativos (presentes na população sadia e ausentes no esquizofrênico).

Sintomas positivos:

  • Delírios (alterações de pensamento).
  • Ilusões (percepção distorcida de objetos).
  • Despersonalização (sensação que o corpo está sofrendo mudanças, como criando asas, etc.).
  • Exagero de linguagem.
  • Pensamento fragmentado (expressa-se incoerentemente, etc.).

Sintomas negativos:

  • Ausência de emoções.
  • Falta de motivação.
  • Isolamento social.
  • Dificuldade na abstração dos pensamentos.
  • Deficiência de memória.
  • Anedonia (incapacidade de sentir prazer).
  • Alogia (discurso podre de palavras).

Tanto os sintomas positivos quanto os negativos podem existir ao mesmo tempo ou podem predominar dependendo do tipo de esquizofrenia que a pessoa tiver.

O primeiro episódio da doença acontece na adolescência, quando algumas estruturas do cérebro estão ainda em desenvolvimento. A última estrutura a se desenvolver é o córtex pré-frontal, que é fundamental para a fisiopatologia da doença. A prevalência da esquizofrenia é menos de 1% na população geral.

Os principais fatores de risco são estresse, privação de sono e uso de psicoestimulantes. A questão da hereditariedade também tem grande influência.

O geral das hipóteses da esquizofrenia

Temos alguns modelos mais comumente utilizados para explicar a patogenia da esquizofrenia. Abaixo, vamos ver rapidamente os existentes.

Abordagem da disfunção no neurodesenvolvimento: são alterações na gestação que causam problemas no desenvolvimento do feto. Os problemas podem ser:

  • Exposição fetal ao vírus influenza durante o segundo trimestre.
  • Complicações obstétricas.
  • Baixo peso ao nascimento.

Abordagem neuroanatômica: são alterações na anatomia que podem levar à doença, como o aumento do tamanho ventricular cerebral, diminuição dos neurônios do córtex pré-frontal e do hipocampo.

Abordagem genética: acontece uma alteração no gene neurotrofina-3 (fator trófico essencial para o crescimento de células embrionárias). Esses genes estão associados com a produção de enzimas que vão metabolizar as catecolaminas e serotonina. Assim, se o gene estiver alterado, essas enzimas também estarão, afetando os neurotransmissores citados.

Abordagem neuroquímica: tem como base o mecanismo de ação dos psicóticos, fármacos utilizados para tratar psicoses. Essa abordagem envolve a hipótese dopaminérgica e serotoninérgica, abordadas mais a frente.

As vias dopaminérgicas

Veja o esquema abaixo:

Temos 4 vias, em nosso SNC, para a dopamina, como veremos abaixo.

Via nigroestriatal: começa na substância negra e vai até o estriado (região formada pelos núcleos caudado e putâmen). Esta via possui 80% da dopamina do cérebro e está envolvida com os movimentos motores e intencionais.

Via mesolímbica: começa da região AVTM (área tegmental ventral do mesencéfalo) e vai até o núcleo accumbens. Esta via está associada com as sensações de prazer, motivação e sintomas de alucinação.

Via mesocortical: também começa na região AVTM e vai até o córtex pré-frontal. Via envolvida com os pensamentos orientados por metas, com o julgamento e a tomada de decisões.

Via túbero-infundibular: começa no hipotálamo e termina na hipófise.

Tudo o que acabamos de ver são vias onde existe a presença da dopamina. Esta é produzida em um neurônio pré-sináptico e liberada na fenda sináptica, para interagir com seus receptores.

Os receptores de dopamina são membros da família de proteínas acopladas à proteína G. Podemos ter D1, D2, D3, D4 e D5.

Por que é importante sabermos tudo isso a respeito da dopamina? Porque, a seguir, veremos um pouco mais detalhada a hipótese neuroquímica, que tenta explicar a esquizofrenia do ponto de vista dos neurotransmissores. E a dopamina é o personagem principal nesta história.

A hipótese neuroquímica

É uma hipótese sustentada por 3 outras:

  • Hipótese dopaminérgica.
  • Hipótese serotoninérgica.

A hipótese dopaminérgica

É a teoria mais aceita para explicar a esquizofrenia.

Essa hipótese foi baseada na observação de que certas drogas tinham a habilidade de estimular a neurotransmissão de dopamina (DA), como a anfetamina.

E quando a anfetamina é administrada em doses altas e frequentes, observou-se que causa sintomas positivos semelhantes aos da esquizofrenia (chama-se psicose anfetamínica).

Assim, a hipótese fala que os sintomas positivos da esquizofrenia ocorrem devido ao aumento da atividade dopaminérgica mesolímbica. E os sintomas negativos estão relacionados com a diminuição da atividade dopaminérgica mesocortical.

Veja, também, os achados científicos que relacionam a dopamina com a esquizofrenia:

  • Tratamento com antagonistas de receptores dopaminérgicos fazia o paciente melhorar de vários sintomas da esquizofrenia.
  • Na doença de Parkinson você trata a pessoa com um fármaco que aumenta a dopamina e um dos efeitos colaterais disso são as alucinações.
  • Anfetaminas, cocaína e apomorfina são substâncias que aumentam a dopamina (DA) e elas desenvolvem um estado esquizofreniforme, que desaparece quando a dose da droga é diminuída.
  • Níveis diminuídos de DA melhoram clinicamente os sintomas da esquizofrenia.

Como acontece em uma pessoa normal: tem 3 vias importantes a serem consideradas: via dopaminérgica, via gabaérgica e via glutamatérgica. Siga abaixo o raciocínio:

  • No córtex pré-frontal temos os receptores de dopamina D1 (são acoplados à proteína Gs). A dopamina estimula D1 e este neurônio vai ativar projeções glutamatérgicas (neurônios glutamatérgicos que estão pela região) que se estendem até AVTM. O glutamato, na AVTM, vai estimular um neurônio gabaérgico a liberar GABA e este inibe a via dopaminérgica mesolímbica. Assim, dopamina não é liberada lá.

Hipótese formulada para a esquizofrenia: ocorre disfunção dopaminérgica cortical, ou seja, tem menos dopamina estimulando os receptores D1, o que leva à diminuição da ativação da via glutamatérgica e menos glutamato é liberado na AVTM. Assim, em consequência, teremos menos GABA inibindo a dopamina na via mesolímbica.

Dessa maneira, a via mesolímbica é estimulada, o que aumenta a liberação de dopamina nessa via, causando os sintomas positivos da esquizofrenia.

Já no córtex pré-frontal há diminuição de dopamina, o que leva aos sintomas negativos da esquizofrenia.

Hipótese serotoninérgica

Essa hipótese baseia-se na observação de que o uso de LSD causa sintomas como desrealização, despersonalização e alucinações visuais, experiências semelhantes a alguns sintomas da esquizofrenia.

Veja os achados para essa hipótese:

  • Os receptores de serotonina são os 5-HT2a. O LSD (dietilamida do ácido lisérgico) mexe com esses receptores e provoca alucinações.
  • Bloquear esses receptores geralmente melhora os sintomas de esquizofrenia.
  • A classe dos antipsicóticos atípicos são agonistas inversos do receptor 5-HT2a e melhoram os sintomas da esquizofrenia.

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