Introdução à transmissão Colinérgica e Adrenérgica

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
8 min readAug 10, 2019

O Sistema Nervoso Periférico Autônomo controla toda a parte de movimentos involuntários, com o sistema simpático e parassimpático coordenando isso, de forma antagônica. Assim, enervam a maioria dos tecidos do nosso corpo.

E, como vimos no artigo de sistema nervoso, serão os neurônios os responsáveis por gerar um potencial elétrico (a nossa informação) e transmiti-la para seu devido lugar, tudo isso com o auxílio da liberação de neurotransmissores.

Assim, fica claro que antes de uma abordagem farmacológica, é importante entendermos como funciona a mecânica dos sistemas simpáticos e parassimpáticos, os neurotransmissores e receptores envolvidos e o que vem a ser os termos adrenérgicos e colinérgicos.

Por isso dividi esse artigo da seguinte maneira:

  • Sistema Simpático e Parassimpático.
  • Funcionamento das respostas.
  • Os neurotransmissores e receptores envolvidos.
  • O sistema adrenérgico e o sistema colinérgico

Vamos, então, ao que interessa.

O Sistema Simpático e Parassimpático

Como dito, coordenam as atividades involuntárias do nosso corpo, aquelas que a gente não tem decisão sobre. Logo, a respiração, digestão, batimento cardíaca e outros são atividades regidas por esses dois sistemas.

Vamos pegar o batimento cardíaco: este pode ser rápido ou devagar, certo? A respiração a mesma coisa. Assim, quando eu digo que o simpático e o parassimpático são sistemas antagônicos, me refiro justamente a essas diferenças: enquanto um aumenta a frequência cardíaca, o outro é responsável por diminuir ela.

E o que vai determinar qual sistema sobressai frente ao outro é o momento fisiológico em que o indivíduo se encontra. Se ele precisar de maior volume de sangue oxigenando os tecidos, por exemplo numa situação de luta e fuga, o sistema simpático estará lá estimulando o coração para bater mais rápido. Quando esse “perigo” passa, o parassimpático entra em ação, estimulando o coração a bater mais devagar.

E tudo isso é possível graças à ação dos neurotransmissores: entenderemos isso mais à frente, mas aqui vai um spoiler. Os tecidos do nosso corpo possuem receptores. No coração há uma diversidade deles e dependendo do neurotransmissor que se ligar ali, o coração apresentará uma resposta de aumento ou diminuição de sua frequência.

Tendo essa visão geral, gostaria que observasse uma imagem:

Imagem que ilustra as ações antagônicas dos dois sistemas

Essa imagem mostra muito bem as ações que cada sistema tem. Enquanto o parassimpático contrai a pupila, o simpático vai dilatá-la. A maioria das ações descritas são antagônicas, mas algumas são apenas diferentes, como podemos ver na ação sobre o sistema reprodutor masculino: o parassimpático promove a ereção, enquanto que o simpático a ejaculação.

Isso só evidência ainda mais o que foi falado anteriormente: os tecidos tem diversos receptores e dependendo do neurotransmissor que se ligar a esses receptores, teremos uma determinada resposta — uma simpática ou parassimpática.

Sistema Simpático

É relacionado com a luta ou fuga:

  • ↑ frequência cardíaca.
  • ↑ pressão.
  • ↑ glicose sanguínea.
  • ↓fluxo sanguíneo da pele e demais órgãos.
  • ↑ frequência respiratória.
  • Dilatação da pupila.
  • Relaxamento do músculo bronquiolar.
  • ↓ digestão e motilidade urinária.

Ou seja, se você prestar atenção são efeitos que ajudam o indivíduo numa situação de luta ou fuga: preciso aumentar a respiração, para oxigenar mais tecidos. Relaxo os brônquios para aumentar a captação de oxigênio, diminuo a parte gástrica para poupar energia que será usada na luta ou fuga e por aí vai.

Sistema parassimpático

Relacionado com uma situação de repouso ou digestão:

  • ↓ frequência cardíaca.
  • ↓ pressão sanguínea.
  • ↓ frequência respiratória.
  • ↓ fluxo sanguíneo do músculo esquelético.
  • ↑ fluxo sanguíneo da pele e demais órgãos.
  • ↑ atividade digestiva (promove secreção gastrointestinal e estimula movimentos peristálticos).
  • Contrai a pupila.
  • Contrai a musculatura da bexiga.
  • Relaxa o esfíncter urinário.

Como funcionam as respostas simpáticas e parassimpáticas

Bom, sabemos que os neurônios estão no SNC. Ele é formado pelo corpo celular, onde se produz o estímulo elétrico, que percorre toda a “cauda do neurônio”, o axônio, até chegar no terminal sináptico, a região que vai interagir com o próximo neurônio.

Chamamos, então, de neurônio pré-ganglionar esse primeiro neurônio que gera o estímulo elétrico e de neurônio pós-ganglionar o segundo neurônio que recebe esse estímulo elétrico, levando a informação diretamente para um tecido.

Como as ações do simpático e parassimpático são involuntárias, temos apenas os nervos motores presentes. Relembrando: os órgãos do sentido captam informações, estas são levadas ao SNC pelos nervos sensitivos (aferentes, que “sobem” até o SNC) e lá, tudo será processado. Após isso, são os nervos motores (eferentes, que “descem” do SNC) que com as instruções do SNC, levam a nova informação para os tecidos, provocando aumento ou diminuição da frequência cardíaca, movimento gástrico, aumento ou diminuição da frequência respiratória e por aí vai.

A imagem abaixo representa, então, como está estruturada essa resposta dos nervos motores para o resto do corpo: perceba que tudo se inicia no SNC, com o neurônio pré-ganglionar lá e termina com o neurônio pós-ganglionar, que entrega a informação aos receptores presentes nos tecidos.

Se atente aos neurotransmissores: toda vez que o impulso elétrico chega à um neurônio, ele responde com a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica.

Assim, podemos ter a seguinte trajetória:

  1. Informação é processada no SNC.
  2. O neurônio pré-ganglionar, no SNC, gera um impulso elétrico em seu corpo celular.
  3. O impulso elétrico percorre o seu axônio e chega ao terminal sináptico.
  4. A chegada do impulso induz a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica.
  5. Esses neurotransmissores vão interagir com receptores do neurônio pós-ganglionar, estimulando a geração de um novo potencial elétrico.
  6. Este novo potencial percorre o axônio do neurônio pós-ganglionar e chega ao terminal, induzindo a liberação de novos neurotransmissores.
  7. Estes últimos vão, agora, interagir com os receptores teciduais, induzindo determinada resposta naquele tecido.

Logo, o que vai determinar o aumento ou diminuição da frequência cardíaca é qual neurotransmissor chegará ao coração: será o neurotransmissor do sistema simpático (SNS) ou será o neurotransmissor do sistema parassimpático (SNP)? E em qual receptor esse neurotransmissor se ligará? Ao nicotínico ou ao muscarínico? Porque cada um vai gerar uma resposta diferente.

Os Neurotransmissores e Receptores

A imagem resume muito bem o explicado anteriormente. Perceba, também, que o sistema somático (o primeiro), que tem as ações voluntárias, é um único neurônio que sai do SNC e vai diretamente para o tecido. Já dos sistemas autônomos, precisamos de 2 neurônios: o pré-ganglionar e o pós-ganglionar.

E assim, podemos elencar algumas diferenças entre os dois sistemas:

  • 1ª diferença — Neurônio pré-ganglionar: as fibras pré-ganglionares do SNS são mais curtas (pois os gânglios estão localizados próximos à medula espinhal). Já as fibras pré-ganglionares do SNP são mais longas (pois os gânglios estão localizados mais próximos ao tronco encefálico).
  • 2ª diferença — Neurotransmissão: SNP tem como principal neurotransmissor a acetilcolina (ACh) e o SNS tem como principal neurotransmissor a norepinefrina (NE).

Assim, serão esses os neurotransmissores responsáveis por enviar os sinais e eles chegarem aos receptores. Logo, aqueles presentes nesse sistema são:

  • Receptores nicotínicos.
  • Receptores muscarínicos.
  • Receptores adrenérgicos.

E agora quero organizar a lógica de tudo isso, acompanhe:

Para o Sistema Nervoso Simpático: a primeira sinapse que acontecerá será feita mediante acetilcolina em um receptor nicotínico que estiver no neurônio pós-ganglionar. Este, gera um novo impulso elétrico e libera nos tecidos, geralmente, norepinefrina, que se liga aos receptores adrenérgicos. Assim, quando a NE se ligar à um receptor adrenérgico, provocará as respostas já comentadas referentes ao SNS.

Temos uma exceção, que acontece nas glândulas sudoríparas: ao invés da NE ser liberada lá, será a ACh. E a ACh interagirá com o receptor muscarínico da glândula sudorípara, ao invés do adrenérgico.

Para o Sistema Nervoso Parassimpático: a primeira sinapse vai acontecer igual ao simpático: ACh será descarregada e se ligará com o receptor nicotínico do neurônio pós-ganglionar. Este gerará o estímulo elétrico, liberando mais ACh só que agora nos tecidos. E a ACh interagirá com os receptores muscarínicos presentes nestes tecidos, provocando as resposta já comentadas referentes ao SNP.

O Sistema Adrenérgico e o Sistema Colinérgico

Visto isso, estamos aptos a entender a última parte desse artigo: ver o que, de fato, é algo adrenérgico e algo colinérgico.

As coisas relacionadas com a acetilcolina tem a ver com o sistema colinérgico (por causa da colina). Logo, a via colinérgica é a via da acetilcolina. E como o SNP é quem a usa, podemos entender que quando falamos em transmissão colinérgica, nos referimos ao sistema nervoso parassimpático e como ele regula da sua maneira os tecidos.

Por outro lado, temos o neurotransmissor norepinefrina (ou noradrenalina, um sinônimo). As coisas relacionadas à norepinefrina tem a ver com o sistema adrenérgico (por casa do termo adrenalina, sinônimo de epinefrina). Assim, a via adrenérgica é a via da norepinefrina e como é o SNS quem a usa, toda transmissão adrenérgica tem a ver com o sistema nervoso simpático.

Veja, existem muitos outros neurotransmissores no nosso sistema nervoso, mas falando de simpático e parassimpático, são os citados os importantes, os nossos protagonistas.

E assim, todo receptor ou molécula que participa de uma dessas duas vias vai receber o termo colinérgico ou adrenérgico como referência. Se a ACh participa, vou me referir com colinérgico. Se for a NE, vou me referir como adrenérgico. Veja abaixo:

Receptor colinérgico: é um receptor que gera uma resposta a partir da molécula de ACh.

  • Receptor muscarínico (receptor de proteína G).
  • Receptor nicotínico (receptor de
    canal iônico).

Neurônio colinérgico: é quando ele produz ACh.

Fármacos colinérgicos: são aqueles que vão atuar sob os receptores colinérgicos (muscarínicos e nicotínicos).

Receptor adrenérgico: é um receptor alvo das catecolaminas (epinefrina e norepinefrina). É um receptor ligado à proteína G.

Neurônio adrenérgico: é quando ele produz NE.

Fármacos adrenérgicos: são aqueles que vão atuar sob os receptores adrenérgicos.

Considerações finais

Eu sei, muito nome e detalhes, mas espero que da maneira que as informações foram organizadas, tenha ficado um pouco menos confuso de entender.

Uma dica para estudar: com uma folha de papel, prepare um super resumo com as principais informações daqui. Destaque as diferenças, as semelhanças e vá fundo. Por exemplo, a parte dos neurônios pré-sinápticos, tanto para o SNS quanto para o SNP tem receptores nicotínicos e ACh como neurotransmissor. Ou seja, acontece da mesma maneira! Já a parte do neurônio pós-sináptico é onde a diferença começa e, organizando dessa maneira, talvez o assunto se torne mais simples.

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