Neurotransmissores e receptores colinérgicos

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
7 min readAug 10, 2019

O termo colinérgico tem a ver com a acetilcolina (ACh).

Ela é um neurotransmissor produzido tanto pelo sistema simpático quanto pelo parassimpático, mas possui uma presença muito mais forte na modulação parassimpática e assim, a transmissão colinérgica tem a ver com o sistema nervoso parassimpático.

Para relembrar, vamos ver um resumão mostrando os receptores e neurotransmissores colinérgicos e adrenérgicos:

Tanto do simpático quanto do parassimpático vemos os gânglios saindo do SNC. E o que é comum aos dois sistemas é o neurônio pré-ganglionar:

  • Liberam neurotransmissor acetilcolina.
  • A acetilcolina se liga ao receptor nicotínico do neurônio pós-ganglionar.

E assim, acontece a diferenciação:

  • Parassimpático: segue com a ACh, que se liga ao receptor muscarínico ou nicotínico tecidual.
  • Simpático: segue com a norepinefrina (NE), que se liga ao receptor adrenérgico tecidual.

Neste artigo, então, falaremos a respeito dos neurotransmissores e receptores que competem à transmissão colinérgica, do sistema nervoso parassimpático:

  • A produção de acetilcolina e sua liberação na fenda sináptica.
  • Os receptores colinérgicos (muscarínicos e nicotínicos).
  • Efeitos da acetilcolina.

A produção da acetilcolina (ACh) e sua liberação

Vou olhar a produção da acetilcolina no neurônio pós-ganglionar. Assim, veremos a ACh agindo nos receptores colinérgicos teciduais (muscarínicos e nicotínicos).

E vamos entender como é a formação da acetilcolina, a sua liberação e a sua receptividade pelos receptores biológicos. Observe a imagem abaixo:

A acetilCoA (vinda da glicólise) junto com a colina (captada de fora da célula) vão formar a conhecida acetilcolina. Para isso temos a enzima colina acetiltransferasecatalisando este processo.

Quando a ACh estiver formada, ela será internalizada em vesículas. Uma vesícula irá abrigar diversas ACh dentro dela.

Em determinado momento, chegará na célula um potencial de ação, que é justamente a informação vinda do SNC.

A chegada do potencial elétrico provocará a abertura de canais iônicos dependentes de Ca+2. Em termos mais simples: um sinal elétrico abre o canal iônico e uma vez aberto, Ca+2 entrará dentro da célula.

Com sua entrada, induzirá o processo de exocitose das vesículas, liberando ACh na fenda sináptica.

Uma vez liberada, a ACh vai interagir com os receptores da fenda, tendo uma ação (esta pode ser excitatória ou inibitória, dependendo de qual tecido for).

Mesmo depois da sua interação com os receptores, pode ser que tenhamos um excesso de ACh na fenda sináptica, o que é ruim, pois acontecerá um hiperestímulo da sinalização colinérgica. Para impedir isso, precisa acontecer uma recaptação de ACh de volta para o neurônio pós-ganglionar.

Contudo, nosso corpo não é capaz de recaptar ACh. Assim, a enzima acetilcolinesterase vai quebrar ACh de volta em colina e acetilCoA e assim, ambas as moléculas serão reinternalizadas.

Os receptores colinérgicos

Estamos falando de dois:

  • Receptores muscarínicos.
  • Receptores nicotínicos.

São esses dois receptores que a acetilcolina interagirá, produzindo seus efeitos.

Como já dito podem ser efeitos excitatórios ou inibitórios. Isso vai depender do tecido que a ACh estiver e de qual receptor ela se ligará.

Vamos ver tudo isso agora.

Os receptores muscarínicos

São receptores presentes nos neurônios pós-ganglionares do parassimpático e em alguns sítios simpáticos, como no caso das glândulas sudoríparas.

Formados por uma única proteína e possui 7 domínios transmembrana. Quando a acetilcolina se liga a ele, teremos uma transdução do sinal que provocará os efeitos associados à proteína G (ativar o efetor e, posteriormente, o segundo mensageiro, como já vimos em outro artigo). Veja a imagem abaixo dessa interação:

São receptores acoplados à proteína G e possuem 5 tipos:

  1. Receptor M1 (ímpar): acoplado à proteína Gq estimulatória. Está presente no estômago, por exemplo.
  2. Receptor M3 (ímpar): acoplado à proteína Gq estimulatória. Está presente nos vasos e músculo liso, por exemplo.
  3. Receptor M5 (ímpar): acoplado à proteína Gq estimulatória. Está presente no SNC, por exemplo.
  4. Receptor M2 (par): acoplado à proteína Gi inibitória. Está presente no coração e músculo liso gastrointestinal, por exemplo
  5. Receptor M4 (par): acoplado à proteína Gi inibitória. Está presente no SNC, por exemplo.

Vale ressaltar uma coisa importante: o que acontece se o SNA é estimulado, mas os receptores muscarínicos estiverem bloqueados por alguma razão (antagonistas, etc.)? Tanto os gânglios simpáticos quanto os parassimpáticos são ativados, mas como os receptores muscarínicos estão bloqueados, teremos o predomínio do SNA simpático.

Relembrando: sinalização da proteína Gq

Isso vai servir para entender a sinalização celular quando a proteína Gq é ativa. Serve para os receptores ímpares (M1, M3 e M5).

Vejamos, passo a passo, o que acontece:

  1. Agonista se liga.
  2. Troca do GDP por GTP.
  3. GTP, com alfa, se desloca pela membrana até encontrar o efetor biológico.
  4. Ativação do meu efetor: PLC (fosfolipase C).
  5. A PLC, ativa, vai servir como catalisador para transformar o PIP2 em DAG (diacilglicerol).
  6. Ao mesmo tempo, a PLC também é capaz de formar o meu IP3.
  7. O IP3 vai até o retículo endoplasmático e vai culminar no aumento de Ca+2 para o citosol da célula.
  8. Enquanto isso acontece, a DAG vai ser capaz de catalisar a ativação da PKC.
  9. A PKC ativa com o aumento de Ca+2 intracelular culminam na fosforilação de proteínas.

Relembrando: sinalização da proteína Gi

Isso vai servir para entender a sinalização celular quando a proteína Gi é ativa. Serve para os receptores pares (M2 e M4).

Como é uma proteína Gi, ela é inibitória. Então seu efeito final será gerar uma resposta biológica inibida devido à diminuição da fosforilação de proteínas.

Aqui, de forma resumida:

  • Efetor biológico: AC (adenililciclase).
  • Segundo mensageiro: AMPc.

Os receptores nicotínicos

São receptores presentes nas placas terminais neuromusculares esqueléticas e membrana dos neurônios (como é o caso dos neurônios pré-ganglionares). Devido a isso, acaba sendo um receptor responsável pela propagação do estímulo em todos os circuitos nervosos que possuem a acetilcolina como neurotransmissor (inclui o pedaço pré-ganglionar simpático e todo o sistema parassimpático).

Formados por 5 subunidades que compõe o canal iônico Na+/K+ (entra Na+ na célula e sai K+ dela, ao mesmo tempo. É como se fosse uma troca). A acetilcolina se liga à duas porções do receptor e, quando isso acontece, o canal se abre, despolarizando a célula muscular.

Aqui, é preciso de duas moléculas de ACh para abrir o canal, enquanto que o receptor muscarínico apenas uma.

Veja abaixo a interação do neurotransmissor com o receptor nicotínico:

Observando a imagem, o que significa Nn e Nm? O receptor nicotínico pode ser dividido em:

  • Receptor nicotínico neuronal (Nn), aquele presente no neurônio pré-ganglionar simpático e parassimpático.
  • Receptor nicotínico da junção neuromuscular (Nm), aquele presente no neurônio pós-ganglionar parassimpático, que se liga às placas musculares esqueléticas.

Afinidade da acetilcolina com receptores

Podemos fazer uma rápida comparação de afinidade entre o receptor muscarínico com a ACh e o receptor nicotínico com a ACh.

A muscarina, como o próprio nome diz, tem alta afinidade pelos receptores muscarínicos e o mesmo posso falar da nicotina pelos receptores nicotínicos.

Mas ambos os receptores comportam a ligação com outras moléculas, como é o caso da ACh, que possui afinidade intermediária com ambos.

Efeitos da acetilcolina

Vamos, então, resumir o processo colinérgico (parassimpático): os órgãos sensoriais captam informações, que são transmitidas ao SNC e processadas lá. Em seguida, uma resposta é enviada via neurônio pré-ganglionar e passada ao pós-ganglionar. Este libera ACh, que interage com receptores muscarínicos (M) ou nicotínicos, dependendo do tecido.

A interação da ACh com um dos 5 tipos de muscarínico (M1, M2, etc.) e um dos dois tipos de nicotínicos (Nn ou Nm), vai gerar alguma das respostas colinérgicas.

Os efeitos gerados são aqueles associados ao SN parassimpático:

Uma das principais ações da acetilcolina, também, é provocar a vasodilatação, mesmo sem existir inervação parassimpático nos vasos sanguíneos.

Isso acontece porque há receptor M3 nos vasos. Dessa forma, quando a ACh se liga, ela induz a liberação de NO (óxido nítrico), um potente vasodilatador. A liberação de NO ativa a guanilato ciclase, uma enzima que catalisa o GTP em GMPc, dilatando o vaso sanguíneo. Veja a imagem:

Isso só acontece nos vasos que possuem endotélio, já que só há M3 no endotélio. Esse é um caso que não ocorre fisiologicamente, pois não há inervação parassimpática nos vasos, como já dito. Porém, posso utilizar fármacos que vão provocar esse efeito (ésteres de colina são clivados, liberando ACh).

E é importante destacar que a ACh possui uma ampla ação sistêmica. Como existem diversos receptores muscarínicos espalhados pelo corpo, a ACh terá efeitos em todos esses lugares caso ela passar por eles.

Vamos, então, ver com mais detalhes alguns efeitos da ACh em determinados tecidos: sistema cardiovascular e sistema respiratório.

Acetilcolina no coração

O coração possui receptores M2 e os efeitos associados são:

  • Diminuição da frequência cardíaca.
  • Diminuição da contratilidade.
  • Diminuição da velocidade de condução.

Isso porque o receptor é acoplado à proteína G inibitória, e assim, teremos a resposta biológica inibida no coração.

Acetilcolina no pulmão

O pulmão possui receptores M3 e os efeitos associados são:

  • Broncoconstrição.

O receptor M3 é acoplado à proteína Gq (estimulatória), aumentando a resposta biológica nos pulmões.

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