Os receptores biológicos

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
7 min readAug 11, 2019

Vamos falar sobre os principais tipos de receptores biológicos e conseguir organizar eles em grupos, para entendermos como a maior parte dos receptores localizados na maior parte do nosso corpo pode funcionar.

Quando tomamos um fármaco, geralmente ele consegue atuar em várias partes diferentes do nosso corpo. Essa capacidade pode ser importante, em determinados casos e em outros, nem tanto. Isso está relacionado com a quantidade e a distribuição de vários tipos de receptores em nosso corpo.

O que eu preciso conhecer é o meu alvo terapêutico para entender como vou modificar, com o fármaco, o receptor. A partir disso teremos uma modificação celular e quando um conjunto de células forem modificadas, estarei modulando o meu tecido, produzindo algum tipo de efeito fisiológico.

Assim, um receptor biológico é qualquer molécula (geralmente proteína) alvo capaz de interagir com fármacos e produzir um efeito. E quanto mais complexos fármaco-receptor eu formar, mais intensa será a minha resposta.

Essa resposta é o que chamamos de transdução do sinal. O fármaco é o sinal que, ao ligar no receptor, propaga efeitos no interior da célula. Mas como saber quais alvos terapêuticos o meu fármaco busca dentro do organismo? Basta, então, olharmos para alguns exemplos:

  • Receptores.
  • Enzimas (o final do artigo trata um pouco).
  • Transportadores (não iremos abordar aqui).
  • Membrana celular (não iremos abordar aqui).
  • Ácidos nucleicos (não iremos abordar aqui).

Podemos, então, dividir todos os receptores biológicos em 4 grandes grupos:

  • Receptor do tipo canal iônico (A).
  • Receptor do tipo acoplado à proteína G (B).
  • Receptores do tipo enzimático (C ).
  • Receptores do tipo nuclear (D).

A graça é: dependendo de qual receptor o fármaco se ligar, ele produzirá determinado efeito. Ou seja, o fármaco produz o efeito 1 quando se liga ao receptor de canal iônico (por exemplo) e o efeito 2 quando se liga ao receptor acoplado à proteína G.

Tudo isso é novo, eu sei, mas agora finalmente entraremos um pouco mais afundo nos nossos alvos terapêuticos centrais: os receptores biológicos.

Veja a imagem abaixo que ilustra melhor isso:

O receptor de canal iônico (A) é aquele que se abre quando um agonista se liga a ele. Não deixa de ser uma proteína, integrada à membrana plasmática, mas quando fica ativado, ele de fechado passa a ficar aberto, permitindo a entrada ou saída de íons da célula. Dependendo do íon vai provocar uma resposta diferente na minha célula.

O receptor acoplado à proteína G (B) é uma proteína ancorada na membrana em forma de serpentina e na terminação de sua cauda, temos um grupo de subunidades de uma proteína que formam a proteína G (alfa, beta, gama e GDP). O ligante, fora da célula, ao interagir com o receptor, vai provocar uma mudança de conformação nele de tal jeito que vai ativar a proteína G. A modificação da proteína G ativam outras proteínas.

O receptor enzimático (C ) atravessa a membrana e possui sítios de ligação com o agonista, fora da célula. E ancorados ao receptor, só que na parte de dentro da célula, temos mais sítios de ligação (são os retângulos na parte de dentro). Assim, quando o agonista ativa do lado de fora, provoca uma ativação da parte interna enzimática, culminando na ativação de outras proteínas.

E, por fim, temos o receptor nuclear (D), onde o fármaco terá que ter a capacidade de, por si só, atravessar a membrana plasmática da célula e se ligar ao receptor lá dentro. Esse é o único caso em que o fármaco adentra uma célula.

Receptor de canal iônico

Um exemplo legal é o receptor nicotínico, onde ele fica acoplado à membrana plasmática. Quando a acetilcolina se aproxima, ela interage com os sítios ativos do receptor, induzindo a abertura do canal iônico. Quando isso acontece, o Na+ adentra a minha célula.

Na imagem conseguimos ver o receptor sendo uma proteína pentamérica (com 5 subunidades, mas só 3 sendo representadas: 1 gama e 2 alfas). Os sulcos nas subunidades alfa são os lugares de interação com o agonista (acetilcolina).

E o que acontece com a entrada de Na+? Bom, como ele é um íon positivo, pode acabar polarizando ou despolarizando a membrana, acarretando em várias modificações na célula.

Receptor acoplado à proteína G

Vamos olhar a imagem abaixo onde podemos visualizar o geral do mecanismo que se dá nesses receptores.

Na letra A vemos o receptor, com uma parte voltada para fora, o seu corpo serpenteando a membrana plasmática e sua cauda final na porção interna da célula.

Aí acontecem os passos ditos:

  1. Ligação do agonista.
  2. Isso faz com que a cauda final do receptor interaja com a proteína G. Isso induz a saída da subunidade GDP e a entrada, em seu lugar, da subunidade GTP.
  3. E assim, a proteína G se ativa.

A proteína G funcionando vai ativar outras proteínas que, por fim, ativam o segundo mensageiro. É a partir destes intermediários é que eu vou ter uma resposta amplificada na célula.

Perceba, ainda na imagem acima, que o GDP sai e entra, em seu lugar, o GTP. Este interage com a subunidade alfa e juntos, vão ativar o efetor biológico, que tem o papel de ativar o segundo mensageiro.

Como vários receptores biológicos são acoplados à proteína G, precisamos entrar um pouco mais afundo nesse assunto e entender melhor da cascata molecular que acontece, para compreendermos os dois principais exemplos de segundo mensageiros que são ativados.

Segundo mensageiro — AMPc

O efetor biológico dessa via é a adenilciclase. Quando ativamos esse efetor biológico, será o AMPc o segundo mensageiro.

Vejamos, passo a passo, o que acontece:

  1. Agonista se liga.
  2. Troca do GDP por GTP.
  3. GTP, com alfa, se desloca pela membrana até encontrar o efetor biológico.
  4. Ativação do meu efetor: a adenilciclase.
  5. Com a adenilciclase ativa, a partir do ATP, vai produzir o AMPc (adenosina monofosfato cíclico).
  6. Com o aumento substancial de AMPc no interior da célula ativa uma proteína chamada PKA (proteína quinase A).
  7. Essa proteína PKA sai fosforilando outras proteínas pela célula.

Perceba que tive apenas 1 ligante, o meu agonista e no fim, tive várias proteínas sensibilizadas (o PKA que fez isso ao fosforilar elas).

Segundo mensageiro — Ca+2

O efetor biológico dessa via é o PLC. Quando ativamos esse efetor biológico, será o Ca+2 o segundo mensageiro.

Vejamos, passo a passo, o que acontece:

  1. Agonista se liga.
  2. Troca do GDP por GTP.
  3. GTP, com alfa, se desloca pela membrana até encontrar o efetor biológico.
  4. Ativação do meu efetor: PLC (fosfolipase C).
  5. A PLC, ativa, vai servir como catalisador para transformar o PIP2 em DAG (diacilglicerol).
  6. Ao mesmo tempo, a PLC também é capaz de formar o meu IP3.
  7. O IP3 vai até o retículo endoplasmático e vai culminar no aumento de Ca+2 para o citosol da célula.
  8. Enquanto isso acontece, a DAG vai ser capaz de catalisar a ativação da PKC.
  9. A PKC ativa com o aumento de Ca+2 intracelular culminam na fosforilação de proteínas.

O glucagon e a epinefrina são exemplos de ligantes de receptores acoplados à proteína G.

Receptores enzimáticos

Observe a imagem abaixo:

Em A os meus agonistas interagem com os meus receptores voltados para fora da célula. Isso faz com que meus resíduos de tirosina (Tir) internos se liguem à fosfatos, tornando-se ativos e se desgrudando do receptor.

Já em B vemos uma ação diferente: o meu agonista interage do lado de fora e provoca a atividade da tirosina fosfatase, tirando fosfato da minha tirosina, que vai empregar ações internas na célula.

E, por fim, em C, o meu agonista promove a junção dos dois receptores que, quando juntos, ativam a quinase, que vai ser responsável por fosfatar meu resíduo de tirosina.

Nesses 3 casos podemos perceber que meu ligante do lado de fora vai provocar, também, a ativação de várias proteínas dentro da célula. Quando era protéina G, essa ativação em massa se dava pela ativação do segundo mensageiro. Já agora a ativação em massa se dá pela ativação de enzimas (tirosina).

Um exemplo de ligante é a própria insulina, que funciona desse jeito.

Receptores nucleares

Vamos, novamente, observar uma imagem:

Um exemplo aqui de ligantes são os hormônios esteróides. Estes penetram a membrana plasmática e interagem com um receptor interno (no caso, é citoplasmático). O receptor, uma vez sensibilizado, vai para o núcleo e lá dentro ativa fatores de transcrição, promovendo a atividade de genes e, posteriormente, a produção de proteínas.

Outros alvos para os fármacos

São alvos que não estão ligados à membrana plasmática, mas que podem ser visados para ação de fármacos. Nesse caso estamos falando de enzimas extracelulares. Alguns fármacos que miram essas enzimas são:

  • Inibidores da ECA.
  • Inibidores da acetilcolinesterase.

Ou seja, estes ligantes vão ter como alvo a ECA ou a acetilcolinesterase. Veremos como essa ação nelas acontece em artigos posteriores.

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