MERCOSUL: uma arquitetura de integração regional (ainda) significante ao contexto das relações internacionais

Editoria Mundorama
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8 min readAug 1, 2024

Murilo Chaves Vilarinho

Fonte: MERCOSUL. Edifício MERCOSUL.

Resumo: O MERCOSUL ainda pode ser considerado instrumento notável para o regionalismo Sul americano e relações internacionais. Embora haja reveses [low politics] que atenuam sua plena realização, cooperação e concerto das diplomacias envolvidas seriam plausíveis para seu sucesso.

Se, no passado, líderes como Bolívar vislumbravam a significância da união regional, com vistas à manutenção do status quo de independentes das nações recém-constituídas em contraposição ao jugo metropolitano (Donghi, 1975); hoje, a preocupação de chancelarias como a do Brasil trata-se de buscar a manutenção copiosa de uma agenda política internacional dinâmica com esse ativo de poder, conformando parte da estratégica administração governamental do Estado, e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) deve ser, sem dúvida, um dos alvos da empreitada política externa brasileira.

Em face do exposto, este texto busca, de modo não exaustivo, tecer algumas reflexões que mais parecem perenes sobre o MERCOSUL, uma arquitetura de integração regional ainda significante ao contexto das relações internacionais americanas, na presente década do século XXI. Acredita-se que forças profundas, por exemplo, relacionadas aos aspectos espaço geográfico; demografia; economia; mentalidade coletiva, correntes sentimentais entre outras, como bem-ensinou a Escola Francesa em Renouvin e Duroselle (1967), em Introdução à História das Relações Internacionais, podem apresentar-se, hodiernamente, como elementos-chave que vão ao encontro ou de encontro a essa integração regional, bem como sua projeção para além-mar.

Desde o estabelecimento do Tratado de Assunção para a estruturação do MERCOSUL, no ano de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e, mais recentemente, Venezuela e Bolívia [em processo de adesão] têm intentado, em face de encontros e desencontros conformarem uma arquitetura de integração regional. As nações sul americanas, com o fito de pensar uma estrutura capaz de fortalecer desenvolvimento econômico, bem como instituições democráticas, ainda, em termos de integração, ocupam a etapa da integração aduaneira.

O MECOSUL, de fato, apresenta-se como esse espaço que deveria se pretender mais articulador; muito embora, há algum tempo, parece mais se pautar por uma lacônica desarticulação, em se tratando da convergência de mecanismos de política externa dos países membros e, até mesmo, de uma tímida percepção das sociedades sobre os seus efeitos econômicos e culturais, bem como os desdobramentos disso (Vigevani, 2022).

Recentemente, o Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, participou da LXIV Reunião do Conselho do Mercado Comum — CMC Assunção. Na reunião, o chanceler declarou que “O MERCOSUL, nos seus mais de 30 anos de existência, é, ao mesmo tempo, uma obra consolidada e um projeto inacabado.” (MRE, 2024a). Assim sendo, o estabelecimento do bloco pode ser observado por meio da tentativa de avanço no que diz respeito à atualização e ao aprofundamento dos acordos entre Estados Associados, principalmente em relação aos setores automotivo e açucareiro, portanto áreas de interesse comercial, econômico, industrial. Eis um dos muitos aspectos que balizam a importância da integração.

Em face disso, é coerente e atemporal a percepção do professor Alcides Costa Vaz (2002, p.17):

Ao mesmo tempo, o regionalismo econômico possui dimensões políticas que são igualmente importantes e emolduram as relações internacionais contemporâneas. A sua consecução e o seu aprimoramento exigem a prática permanente de negociação em que se mobilizam múltiplos atores, interesses e objetivos a ser acomodados e atendidos sob arranjos cooperativos que transcendem, não raras vezes, seus domínios originais. Por outro lado, envolvem conflitos distributivos domésticos e externos que reclamam a atenção e a ação coordenadas dos governos e das sociedades, convertendo-se igualmente tais conflitos em fatos políticos relevantes. Assim, a integração regional representa componente fundamental das relações internacionais contemporâneas, particularmente de seu substrato econômico. Seu estudo propicia oportunidade de contemplar duas outras dimensões que vêm despertando interesse crescente tanto do ponto de vista teórico como do empírico: a cooperação e a negociação internacional.

Também, na 64ª Cúpula do MERCOSUL, ocorrida neste ano, que contou com a participação do Chefe do Executivo, Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando a presidência pro tempore do bloco passou ao Uruguai de Luis Lacalle Pou, o esforço de reconstrução das relações bilaterais na região, em alguma medida, mitigadas e/ou desaceleradas em gestões anteriores, foi a tônica da delegação brasileira (MRE,2024b).

Essa postura proativa da política brasileira para o MERCOSUL talvez seja atinente à perspectiva defendida pelo professor Alcides Costa Vaz, há alguns anos (2001, p.53), para quem:

A alternativa restante ao Mercosul que não a estagnação e o retrocesso associa-se ao esforço de avançar parcial e gradualmente no sentido de seu objetivo original, o que o levará a assumir uma configuração híbrida, espelhando os desafios, os dilemas e impasses do trânsito de um esquema preponderantemente comercial, hoje materializado na união aduaneira imperfeita, para formas mais abrangentes e profundas de integração, as quais, mesmo não chegando a configurar cabalmente o pretendido mercado comum, o diferenciarão qualitativamente de sua configuração atual.

Acrescenta-se à concepção de Vaz que a integração sul americana ainda conta com a força profunda da diferenciação política doméstica e internacional entre governos, levando-se em consideração que se tem configurado, há alguns anos, um continente pautado por governos de direita e de extrema direita, o que atenua qualquer estrutura de governança que dependa do multilateralismo, confiabilidade entre as partes, compromisso, cooperação, portanto elementos integradores. A dança de cadeiras dos Chefes de Estado pode ilustrar essa percepção, desde Dilma e Macri, Fernandez e Bolsonaro, até Lula e Milei.

Além dessas questões relativas à agenda política doméstica, há contextos fora da América que precisam ser abordados com cautela para a projeção do bloco. Um dos principais seria o Acordo UE-MERCOSUL. É verdade que o tratado chegou a ser concertado no ano de 2019, contudo jamais foi ratificado por qualquer dos dois blocos de poder. Acrescenta-se a esse quadro, as novas exigências de cunho ambiental, com a economia verde, com respeito aos padrões ambientais, as quais, de alguma sorte, têm reaberto as tratativas desde 2023.

A inquietação brasileira e, em tese, do bloco, com o acordo, perpassa a essência ambiental, já que o dispositivo de direito internacional poderia, por exemplo, levar a economia brasileira à uma teia de acordos de cunho neoliberal ultrapassados. Outrossim, uma abertura comercial do mercado brasileiro, por meio da atenuação dos impostos para importação, concorrência assimétrica com corporações e outras empresas do Velho Mundo que congregam em seu modus operandi a tecnológica de ponta [recursos da Indústria 4.0], sólida escalada de produção, acesso ao crédito entre outras peculiaridades.

A inquietação europeia fica a cargo, também, de um cenário não muito cooperativo, em que, após as eleições do Parlamento Europeu, neste ano, suporte do legislativo na União Europeia (UE), houve um avanço de partidos de extrema-direita em alguns dos mais importantes Estados do bloco, tais como França, Alemanha e Itália. Soma-se a isso, protestos dos agricultores europeus, uma vez que esse setor produtivo poderia, em tese, ser impactado com o Acordo. Assim sendo, a postura dos partidos da extrema-direita na Europa tornar-se-ia justificável, conforme se defende uma abordagem um tanto protecionista no bloco, com fito de salvaguardar a agricultura local (Ribbeiro; Medeiros, 2024).

No mais, há entraves tanto nos setores agrícolas quanto nos industriais em ambos os lados, os quais podem tornar custosa a ratificação do acordo em curto prazo. A conclusão da parceria está condicionada à anuência do formato do Acordo pelos parlamentos de dos países envolvidos (Colleta; Garcia, 2024).

Pelo sim, pelo não, a Administração Lula tenta inserir o o Brasil como protagonista no cenário internacional, ainda mais num cenário mundial de carestia de recursos energéticos e agrícolas causado por guerras como a da Rússia e Ucrânia provou a necessidade de estabelecimento de outros meios de acesso às cadeias produtivas no mundo.

Em conclusão, acredita-se que o MERCOSUL possa ser, ainda, um importante instrumento do regionalismo sul americano e, além disso, das relações internacionais como um todo. Embora a etapa de integração aduaneira seja, até o momento, a resultante do Tratado de Assunção, de 1991, quando se pensou a conformação de um Mercado Comum do Sul; a cooperação e concerto das diplomacias domésticas e externas, a exemplo do Acordo com a UE necessitam de reorientação que suplante quiçá inclinações de low politics. Interesses comercial, econômico, industrial devem motivar as relações em direção ao desenvolvimento compartilhado. O multilateralismo e democracia precisar ser vistos como elementos essenciais para o sucesso do bloco. Só então, será possível galgar novos espaços como o Acordo MERCOSUL-UE, isto é, quando a identidade local estiver mais bem amarrada em termos políticos e estratégicos. Se o MERCOSUL é uma arquitetura que pode redundar em ganhos ao Brasil; o Acordo com a UE, se bem acertado, de modo racional e perspicaz, também pode aclarar para a comunidade internacional o quanto os parceiros do Sul global são ativos de paz e de segurança, inclusive alimenta, em situações políticas extremas que, cada vez mais, têm assolado as relações entre povos.

Referências

BRASIL. MRE. Lula participa da 64ª Cúpula do Mercosul no Paraguai e faz visita oficial à Bolívia. Disponívelem:https://www.gov.br/planalto/ptbr/acompanheoplanalto/noticias/2024/07/lulaparticipa-da-64a-cupula-do-mercosul-no-paraguai-e-faz-visitaoficialabolivia#:~:text=Na%20c%C3%BApula%2C%20o%20presidente%20do,do%20Uruguai%2C%20uis%20Lacalle%20Pou. Acesso em 16 jul.2024a.

BRASIL. MRE. Discurso do Ministro Mauro Vieira durante a LXIV Reunião do Conselho do Mercado Comum — CMC Assunção, 7/7/2024. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/discursos-artigos-e-entrevistas/ministro-das-relacoes-exteriores/discursos-mre/mauro-vieira/discurso-do-ministro-mauro-vieira-durante-a-lxiv-reuniao-do-conselho-do-mercado-comum-cmc-assuncao-7-7-2024. Acesso em: 14 jul.2024b.

COLLETA, Ricardo Della; GARCIA, Nathalia. Acordo com Mercosul está muito vivo e aguardamos janela política, diz negociador da UE. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 mai. 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/05/acordo-com-mercosul-esta-muito-vivo-e-aguardamos-janela-politica-diz-negociador-da-ue.shtml. Acesso em: 10 jul. 2024.

RIBBEIRO, Leonardo; MEDEIROS, Taísa. Lula: Avanço de acordo Mercosul-UE depende de europeus resolverem “suas próprias contradições”. CNN-Brasil, São Paulo, 15 jul. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-avanco-de-acordo-mercosul-ue-depende-de-europeus-resolverem-suas-proprias-contradicoes/. Acesso em 21 jul. 2024.

DONGHI, Tulio Halperin. História da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. MERCOSUL. MERCOSUL, © 1991–2024. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br. Acesso em: 21 jul.2024.

RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História Das Relações Internacionais. São Paulo: Praeger, 1967.

VAZ, Alcides Costa. Mercosul aos dez anos: crise de crescimento ou perda de identidade?. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 44, n. 1, p. 43–54, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbpi/a/hvCKJCyBNnmWSxRswNtNwNK/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 21 jul.2024.

VAZ, Alcides Costa. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul. Brasília: IBRI, 2002.

VIGEVANI, Tullo. Mercosul não alcançou o impulso esperado porque seus benefícios não foram percebidos pela população. [Entrevista concedida a] Pablo Nogueira. Jornal da Unesp, São Paulo, 19 jul. 2022. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2022/07/19/mercosul-nao-alcancou-o-impulso-esperado-porque-seus-beneficios-nao-foram-percebidos-pela-populacao . Acesso em 17 jul.2024.

Sobre o Autor

Murilo Chaves Vilarinho: Doutor em Sociologia, Docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Federal de Goiás.

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