Resenha do livro “Europa: integração e fragmentação”, de Antônio Carlos Lessa e Angélica Szucko

Editoria Mundorama
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5 min readMay 23, 2024

Tomaz Espósito Neto

Resumo: A União Europeia (UE) é um ator relevante na presente ordem internacional. Inobstante dessa importância, persiste um desconhecimento sobre a UE. Dessa feita, a presente resenha bibliográfica analisa a obra “Europa: Integração e Fragmentação” de Antônio Carlos Lessa e Angélica Saraiva Szucko.

A União Europeia, bloco político-econômico composto por 27 Estados membros, é um dos principais centros econômicos mundiais. Somente em 2021, representou 14 % do comércio mundial. Os seus 448,4 milhões de habitantes possuem padrões de vida muito acima de grande parte restante da população mundial. A Europa, ademais, é um importante polo de ideias, como democracia, igualdade de gênero e respeito aos direitos humanos (União Europeia, 2022).

Nos últimos anos, a União Europeia está centro dos debates políticos econômicos mundiais. Isso se deve à um cenário internacional conturbado, seja pela Guerra na Ucrânia (2022 — atual), seja pelo arrefecimento dos nacionalismos e a crise migratória, ou ainda pela questão climáticas.

A despeito da sua importância, o bloco europeu continua a ser um ilustre desconhecido entre grande parte da opinião pública brasileira. Poucos são os cientistas que dedicam aos estudos europeus. Portanto, poucos trabalhos examinam a contribuição europeia para a promoção da paz e da prosperidade na ordem mundial.

A obra “Europa: Integração e Fragmentação” de Antônio Carlos Lessa e Angélica Saraiva Szucko visa preencher essa lacuna, de forma didática e muito compreensível. O livro é muito bem escrito, calcado em uso farto de documentação primária e uma revisão bibliográfica primorosa sobre o tema.

Além da introdução e das considerações finais, o texto está dividido em sete capítulos. Os quatro primeiros capítulos apresentam a história da edificação da União Europeia, da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) (1952) até a retirada do Reino Unido da União Europeia (UE), também conhecida como Brexit, e os desdobramentos do conflito entre Rússia e Ucrânia para o continente europeu

O primeiro aborda as origens e a construção da ideia de unidade europeia ao longo da história, desde o século XVII até a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) (1952). A ênfase do texto foi demonstrar as etapas e o papel determinante de autoridades, como Robert Schuman, Jean Monnet e Konrad Adenauer, o processo de construção de confiança e das instituições supranacionais no continente europeu.

O segundo apresenta a “era de ouro” da construção do processo de integração (1955–1974), isto é, da Conferência de Messina (1955) até a divulgação do Relatório Tindemans (1974). Neste lapso temporal, existiu uma ampliação do processo de integração europeu. O foco foi apresentar as respostas europeias para os desafios postos pelos cenários internacional e domésticos à época.

O terceiro se debruça no aprofundamento e na expansão da integração europeia, com destaque ao Ato Único Europeu (1986), ao Tratado de Maastrich (1992) — em especial com o lançamento do euro-, e a criação da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. A despeito de todos percalços e oposições, os seus feitos e sucessos são inegáveis:

A Europa, cuja construção se iniciou como um projeto utópico no final da Segunda Guerra Mundial, chegou ao novo milênio como uma realidade de resultados impressionantes, e isso certamente não se deve apenas à imponência dos números envolvidos no comércio intrarregional e no porte da economia unificada. Apresentando-se à comunidade internacional como um ágil gigante feito de mais de quatrocentos milhões de consumidores, a construção da Europa foi responsável por conduzir a região durante meio século de estabilidade, de paz e de prosperidade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das suas populações, para a redenção das desigualdades, para uma melhor equalização do poder dos Estados que dela tomaram parte, para criação de um imenso mercado interno e, evidentemente, para amplificar a voz dos seus Estados-membros no mundo (LESSA; SZUCKO, 2024, p 107).

O quarto descreve a União Europeia no século XXI, seus alargamentos e mudanças institucionais promovidas pelo Tratado de Lisboa (2007). A partir desse momento, os autores examinam os desafios à integração europeia e a resposta da UE aos mesmos: a recessão econômico-financeira de 2008 e os impactos na União Europeia; a questão dos fluxos migratórios e a crise de refugiados; a expansão dos nacionalismos e do euroceticismo, cujo ápice foi o Brexit (2016 -2020); a pandemia do Covid-19 (2019–2023) e a invasão da Rússia na Ucrânia (2022 até os dias atuais).

O quinto capítulo se dedica a examinar o processo decisório e as instituições europeias, em especial a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeus. Ademais, o texto apresenta a complexidade dos padrões de governança multidimensional europeus,

calcados na subsidiariedade e na supranacionalidade. Aqui chama a atenção a capacidade de inovação das autoridades europeias para encontrar soluções democráticas para problemas e desafios conjuntos.

Sendo um processo sui generis, a integração da Europa produziu também instituições distintas e únicas para levar a cabo o seu governo. A governança europeia estabelecida em múltiplos níveis que articulam as diferentes organizações comunitárias e suas abordagens tipicamente supranacionais, com os interesses e prerrogativas dos Estados-membros e seus processos de decisão intergovernamentais, demanda uma exclusiva engenharia política. Esse sistema de governança europeu, que mescla elementos supranacionais e intergovernamentais, mais se assemelha a uma complexa teia de múltiplas conexões. E é justamente essa combinação de competências compartilhadas entre a Comunidade e os Estados-membros e o equilíbrio de interesses comunitários e nacionais que impedem comparações com outros esquemas de governança, tanto quanto com os poderes de uma típica democracia representativa (LESSA; SZUCKO, 2024, p 150).

O sexto capítulo faz um arrazoado sobre as políticas públicas europeias nas mais diversas áreas, como educação e agricultura, e seus impactos na vida cotidiana do cidadão europeu. Outrossim, apresenta as competências dos diversos atores na formulação e na implementação de uma política pública.

O sétimo, por fim, apresenta a visão e a missão de futuro nos documentos europeus, como o Livro Branco sobre o Futuro da Europa. Com isso, são apresentadas as prioridades, as ameaças e os desafios das autoridades europeias num mundo conturbado e complexo.

A obra é recomendável para pesquisadores e interessados sobre a União Europeia. O trabalho trata, de forma competente, a história, a estrutura e as políticas públicas europeias. Torna-se, assim, texto obrigatório nos cursos de relações internacionais, economia, entre outros.

Referências Bibliográficas

LESSA, Antônio Carlos; SZUCKO, Angélica Saraiva. Europa: Integração e Fragmentação. 1. ed. São Paulo: Contexto Editora, 2024.

UNIÃO EUROPEIA. Factos e números sobre a vida na União Europeia. Bruxelas, Bélgica: Eurostat. 2022. Disponível em: https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/key-facts-and-figures/life-eu_pt acesso em 17 de maio de 2024, às 11 horas, fuso horário de Dourados-MS.

Sobre o Autor

Tomaz Espósito Neto: Professor Associado do Mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos da Universidade Federal da Grande Dourados. Coordenador da Cátedra Jean Monnet da UFGD.

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