Como uma estrela cadente

Stephie Neuman
Mundos & Fundos
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3 min readSep 24, 2017
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A Avenida Paulista estava lotada naquele dia. Minha passagem entre as pessoas era difícil. Árdua. Meu corpo passara, mas a mochila ficara presa entre dois conglomerados de gente. Forcei-me para frente, insistente. Esta se desprendera, possibilitando que andasse mais alguns metros.

Estrela cadente!” — seu berro foi súbito, claro, audível.

Virava a cabeça para todos os lados. Perdida, sem direcionamento certo, procurava de onde vinha tal grito. Nossos olhos se encontraram, surpresos. Sorri.

Voltara para àquela madrugada quente e úmida de meados de 2014.

De pé na sacada. Eram quase cinco horas da manhã. Muitos dormiam, aconchegados no colo dos colegas, exaustos da noite mais maluca que tivemos em meses. Para alguns, aquela tinha sido a noite de suas vidas. O mais velho entre nós tinha cerca de 18 anos.

A brisa úmida do mar batia na traseira do navio, espirrando gotículas refrescantes, mas quase imperceptíveis em nossas peles. Não mais havia música, mas o som das águas.

Para aqueles cujas pálpebras ainda se mantinham abertas e atentas, um leve sentimento nostálgico melancólico entoava. Éramos em quatro ainda acordados, de costas para os outros, debruçados no corrimão da sacada. Ao horizonte avistávamos nosso fim. Vastas porções de terra que simbolizavam nosso destino, nosso aparte.

Quietos e cansados, evitávamos olhares. Ninguém queria encarar. O mundo que sempre fora tão grande nunca fora tão pequeno.

- O que vamos fazer quando saímos daqui?

- Vamos viver — disse erguendo meu olhar, fitando-o. — como sempre temos feito.

- Mas e a gente? — perguntou virando-se para os outro seis adormecidos nos vastos puffs jogados ao chão da varanda, já parcialmente iluminados pelo nascer do sol.

- Vão seguir. Vamos todos seguir.

Foi ali, naqueles vinte minutos que antecediam as cinco horas da manhã que ouvi, pela primeira vez, os dizeres que até os dias de hoje me perseguem.

- Você fala como se fosse tão fácil. É mesmo uma estrela cadente.

Franzi a testa.

- Estrela cadente?

- Das maiores e mais brilhantes, mais rápidas e breves.

Fitei-o, em silêncio. Continuou seu monólogo. Acompanhava sem demonstrar reação, ainda debruçada na sacada.

Já era possível avistar os grandes prédios riscando o arroxeado céu. Os primeiros raios de sol anunciavam: era hora de ir.

Viramos os quatro para os que ainda dormiam, fomos acordando-os de pouco em pouco para voltarmos às nossas respectivas cabines.

- Você entende o que eu quero dizer, certo?

Sorri, constrangida. Eventualmente esqueceria o apelido.

Recordara-me das palavras daquela madrugada como um flash de luz em meio a multidão que compunha a majestosa Avenida Paulista, anos mais tarde.

Cumprimentamo-nos. Foi breve. Logo nos desvencilhamos.

Dentro do ônibus as antigas palavras ecoavam.

“Você chega sem avisar, entra nas nossas vidas e brilha. Brilha como nada visto antes. Você é rara, é única. E da mesma forma súbita que entra, vai embora… Quem te conhece nunca te esquece, como uma estrela cadente.
Já você… não se sabe. Você não sente… remorso?”

Observava os carros passando apressados. Era em torno de meio-dia na altura da Avenida Doutor Arnaldo. Os estacionamentos de lanchonetes e restaurantes encontravam-se sobrecarregados. Pessoas iam de um lado para o outro, checando seus relógios e notificações em seus celulares, sem calma e sem parança. Sobre sua fala, minha reflexão pairava.

Não.

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Stephie Neuman
Mundos & Fundos

Community Manager at Ubisoft Brasil and secret DedSec member. Former journalist. Talkative nerd that constantly travels in time and space. Opinions on my own.