Karen Rodrigues
Mundos & Fundos
Published in
3 min readApr 29, 2017

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Dê ao amor o nome que quiser

Esta foi provavelmente a quinta vez em que pensei: vou falar de poliamor. Mas aí, eu nunca vivi amor nenhum. Como falar da versão poli?

A verdade é que a discussão a respeito do poliamor só existe por que nós, seres humanos ocidentais, criamos, em algum ponto do século 12, o conceito de amor romântico. O tipo de amor que pressupõe exclusividade e que os gregos chamaram de Eros. Muito tempo antes disso — mais precisamente na Pré-História — era comum que homens e mulheres mantivessem relações sexuais com mais de um parceiro, o que fortalecia os laços dentro dos grupos humanos a que pertenciam. Foi somente com o desenvolvimento da agricultura e da propriedade privada que as relações amorosas se tornaram monogâmicas na maioria das sociedades, e a mulher passou a ser vista como posse.

O ponto é que a palavra “amor” em si não se restringe a casais apaixonados. Todos nós amamos muitas pessoas ao mesmo tempo: melhores amigos, bons amigos, irmãos, pai e mãe, madrastas, padrastos, primos, tios, avós… Por isso, mesmo sem nunca ter “vivido um amor”, eu vivo o amor todos os dias. De formas diferentes, em intensidades diferentes, esperando coisas diferentes.

É mais ou menos nesse princípio que se baseiam os poliamoristas. O amor romântico como o conhecemos nada mais é do que fruto de uma construção social e, portanto, pode ser desconstruído e reinterpretado. Nesse sentido, o questionamento central é: se somos capazes de amar muitas pessoas de forma fraternal, por que não seríamos capazes de amar muitas pessoas de forma romântica? Se o poliamor fosse culturalmente aceito, nossas relações amorosas funcionariam mais ou menos como a amizade: não exigiríamos exclusividade e cada uma de nossas relações teria níveis diferentes de envolvimento de todas as partes.

Ao contrário do que você pode estar pensando, poliamor e poligamia não são nomes diferentes para a mesma coisa. A poligamia consiste em uma relação oficializada entre um homem e três ou mais mulheres, e não necessariamente envolve amor ou qualquer sentimento. A legitimação dessa prática em certas sociedades é reflexo de ideais patriarcais, já que apenas o homem pode se relacionar com várias mulheres, consideradas parte do patrimônio do marido. O poliamor vem contestar essa ideia, e defende o livre relacionamento entre mais de duas pessoas que se amem, independentemente de gênero ou opção sexual.

É claro que, na prática, o assunto envolve questões muito mais profundas. A monogamia está enraizada em nossa sociedade de tal forma que se torna dificílimo pensar as relações amorosas de um jeito diferente do que conhecemos hoje. E se tudo que dá uma revirada na sociedade é motivo de apontamentos precipitados, com os poliamoristas não poderia ser diferente. O preconceito, as piadas e os olhares enviesados, a descrença no sucesso da relação, os xingamentos e a falta de apoio dos amigos e familiares são fatores com que as pessoas nesse tipo de relação têm que lidar todos os dias.

E se ainda há um longo caminho a ser percorrido até que o poliamor seja socialmente aceito, o que dizer em relação à situação feminina no meio de tudo isso? É muito comum que mulheres poliamoristas sejam vistas como promíscuas e indecisas, enquanto os homens da relação são postos em altares e celebrados por manter relações com mais de uma parceira. Por esse, e por muitos outros motivos, o poliamor envolve, diretamente, questões como o machismo e a homofobia — o que nos lembra da quantidade de problemas que temos a capacidade de criar.

Saiba, portanto, que o poliamor existe. Saiba que há pessoas vivendo de um jeito que talvez você não entenda muito bem. E você não precisa concordar com a ideia, muito menos defendê-la. Mas seria tão, tão, tão bom se a gente percebesse que dá para amar de muitas formas, de muitos outros jeitos.

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